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Histórias esquecidas sobre os assuntos mais quentes do dia a dia. Por Felipe van Deursen, autor do livro "3 Mil Anos de Guerra"
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Como uma crise de refugiados destruiu o Império Romano

Há 16 séculos, a derrocada final dos romanos começou com o descaso a imigrantes.

Por Felipe van Deursen Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 24 set 2019, 18h58 - Publicado em 21 mar 2017, 12h43

Há 16 séculos, a Europa vivia uma séria crise de refugiados. Assim como hoje, um povo usava rotas nos Bálcãs para fugir de atrocidades e buscar esperança em terras estrangeiras. Em 376, não eram os sírios que se deslocavam em massa, mas os godos, um dos povos que os romanos chamavam genericamente de bárbaros. Eles migraram para o sul e pediram abrigo no império mais poderoso do Ocidente. De origem germânica, esse povo habitava o leste europeu e se subdividia em ostrogodos (a turma mais a leste) e visigodos (mais a oeste).

Naquele ano, o historiador e militar romano Amiano Marcelino registrou que os godos estavam sendo expulsos de suas terras por uma “raça selvagem sem paralelos que desceu feito redemoinhos das montanhas, como se tivesse brotado de um canto escondido na terra, e destruiu tudo que se encontrasse em seu caminho”. Eram os hunos, um povo nômade que se deslocou para a Europa Central em busca de terras e pastagens. À medida que avançavam, expandiam seus domínios por meio de alianças e conquistas.

Os godos entraram na linha de tiro huna e migraram para a Trácia, região que hoje fica nos territórios de Bulgária, Grécia e Turquia e que na época era uma província romana. Caso conseguissem se estabelecer, estariam em uma terra fértil, do outro lado do Rio Danúbio e mais protegidos da fúria dos hunos. Mas faltava combinar com Roma. A Trácia fazia parte da porção oriental do império, governada por Valente. Então, Fritigerno, líder dos godos, propôs que seu povo fosse recebido como súdito de Roma, prometendo uma ocupação tranquila e, de quebra, fornecendo tropas auxiliares caso o exército imperial precisasse de uma forcinha extra. Era uma proposta de Corleone. A Trácia era pouco habitada, suas terras precisavam de mãos trabalhadoras e alguns milhares de homens a mais para eventuais batalhas era uma baita oferta. Além disso, em sinal de boa fé, Fritigerno se converteu ao cristianismo, religião que havia décadas deixara as catacumbas para se tornar a fé dos imperadores. Ou seja, Valente não poderia recusar tal proposta.  

Imagem sem crédito Moeda do imperador romano Valente (Reprodução)

De fato, o imperador topou, e os refugiados puderam se estabelecer no território. Com isso, os godos caminhavam para se tornar mais um dos povos assimilados pelo império. Estrangeiros viravam cidadãos e seus descendentes podiam conseguir cargos na administração pública ou no exército. Era a receita a longo prazo que protegia Roma: faça dos outros também romanos.  O império era um um relativo poço de diversidade para a época. Ao longo de sua história, houve imperadores que nasceram em províncias distantes da capital e até mesmo da Península Italiana. Homens que vieram das atuais Espanha, Croácia, França, Hungria, Bulgária, Sérvia e até de Turquia, Marrocos, Líbia e Síria tornaram-se imperadores. (claramente, assimilar essa turma toda e permitir ascensão social era uma medida muito mais inteligente quanto, por exemplo, construir um muro).

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Tudo ia na santa paz de Júpiter até que militares corruptos, que deveriam administrar as provisões enviadas aos imigrantes a fim de ajudá-los a se firmar na terra nova, passaram a encher os próprios bolsos. Os godos começaram a passar fome, e a eles só restava adquirir carne de cão dos militares.

(Corrupção e carne duvidosa, onde vimos isso mesmo?)

Famintos e se sentindo traídos, os godos começaram a se rebelar. Em 378, cercaram Adrianópolis, na atual Turquia. Tratava-se de uma cidade ancestral, chamada na mitologia grega de Orestia e rebatizada em homenagem ao imperador Adriano. O próprio Valente decidiu marchar para enfrentar os bárbaros. Menosprezou as forças ostrogodas e visigodas e não esperou o reforço do ocidente. Mesmo assim, com apenas 40 mil homens, peitou os 100 mil de Fritigerno.

Foi um massacre, descrito por Santo Ambrósio, que viveu na época, como “o fim da humanidade, o fim do mundo”Os romanos foram trucidados. Valente não só morreu em batalha, como seu corpo jamais foi recuperado. O imperador tornou-se uma carcaça indigente abandonada na Trácia, junto a milhares de outros corpos de anônimos, que de um dia para o outro viraram lembrança e comida de abutre.

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Valente foi sucedido por Teodósio, que tornou o cristianismo religião oficial do império de vez. Ele também captou a clara superioridade dos godos sobre as já manjadas legiões romanas nos campos de batalha e passou a recrutá-los para as forças imperiais. Isso segurou as pontas por um tempo. Quando ele morreu, em 395, o império foi oficialmente dividido em Ocidente e Oriente. A porção oeste estava cada vez mais fragilizada, e os godos chegaram à Itália em 402. Outros bárbaros também aproveitavam a situação. Os vândalos vandalizaram a Gália, e os próprios godos chegaram a Roma em 409. 

E aí o povo que havia expulsado os godos décadas antes ganhou um rei avassalador. O huno Átila simbolizou o fim de Roma, apesar de não ter conquistado a capital de fato. Tal feito coube a Genserico, rei dos vândalos, em 455. Por isso, a Batalha de Adrianópolis é considerada o começo do fim do império mais badalado da Antiguidade. Era melhor ter tratado dignamente os refugiados.

Imagem sem crédito A queda de Roma (Reprodução)
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