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Por redação Super
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Não, Ed Sheeran não plagiou ‘Let’s Get It On’

O ruivo copiou tudo de Marvin Gaye – menos a única coisa que pode ser "patenteada", a melodia. Entenda.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
10 jul 2018, 18h19

Ed Sheeran pode até ser baixinho, mas a briga é de cachorro grande: uma empresa chamada Structured Asset Sales está acusando o inglês de plágio pela canção Thinking Out Loud – e pedindo US$ 100 milhões (R$ 385 milhões) de indenização. Os acusadores afirmam que a composição roubou melodia, ritmo, harmonia, linha de baixo, batida, vocais de apoio etc. (ou seja, tudo) de Let’s Get It On, clássico do americano Marvin Gaye. Você pode ver o documento aqui.

Se você não faz a menor ideia do que seja a Structured Asset Sales – ou do porquê essa entidade misteriosa poder cobrar alguém em nome de um cantor morto em 1984 –, parabéns: eu também não fazia. Uma olhada rápida no Google não é esclarecedora: não há um mísero artigo na Wikipedia sobre a tal SAS, e os resultados de pesquisa mais relevantes dizem respeito justamente à ação judicial contra nosso amigo ruivo.

Quem tirou minhas dúvidas foi o Hollywood Reporter. Vamos começar a história do começo: Marvin Gaye compôs e gravou Let’s Get It On em parceria com um produtor chamado Ed Townsend. Se você nunca ouviu falar do cara, não se preocupe: ele ficou famoso depois de alcançar o 13º lugar da Billboard em 1958 com uma música chamada For Your Love. Marcou a adolescência da sua avó, não a sua.

Townsend morreu em 2003, e os direitos autorais naturalmente foram divididos entre os seus três filhos. Um deles, Clef Michael Townsend, vendeu sua parte à tal SAS. E agora a SAS está tentando convencer juízes de que a música de Townsend e Gaye foi copiada – com a intenção, é claro, de faturar uma fortuna em cima dela.

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Bolsa de valores musical

A SAS foi fundada por um investidor chamado David Pullman, que já apareceu na mídia antes por ter criado uma espécie de bolsa de valores de royalties. Em 1997, ele instruiu David Bowie a picotar e vender seus direitos autorais em forma de títulos. O cantor faturou US$ 55 milhões na hora. Já os títulos, como ações de uma empresa, ficaram rendendo nas mãos dos investidores que os compraram – o valor flutuava conforme o tanto de discos vendidos. Ao que consta, foi a primeira vez na história que propriedade intelectual foi usada de garantia de pagamento de qualquer coisa. 

Pullman e Cia. são malandros, mas tudo tem limite: vai ser quase impossível convencer um juiz bem assessorado de que ocorreu um plágio. O motivo é simples: as melodias (isto é, as partes cantadas) são diferentes. E os acordes, apesar de iguais, são iguais demais. Tão iguais que aparecem em praticamente qualquer música – não só essas duas. Vamos entender essa história melhor.

O produtor Rick Beato fez o favor de juntar as duas músicas, Thinking e Let’sem um vídeo do YouTube: um compasso de uma, um compasso da outra, alternadamente. Essa é uma ótima oportunidade de pegar a lista de acusações citada ali no começo do texto e checá-la item por item.

A linha de baixo de fato é a mesma (use bons fones para ouvir). É a mesma sequência de notas, tocada no mesmo padrão rítmico. Se o baixista de Marvin Gaye entrasse no túnel do tempo e caísse no estúdio durante a gravação de Thinking Out Loud, ele poderia continuar como se nada tivesse acontecido. O mesmo vale para a bateria.

A velocidade, naturalmente, é idêntica: se meu metrônomo não me engana, umas 84 batidas por minuto – na notação que geralmente é usada por músicos profissionais. Caso contrário, seria impossível encaixar uma música na outra e não perceber a transição.

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Outra coisa praticamente igual, como já mencionado, é a harmonia – isto é, a sequência de acordes. Aqui a explicação detalhada fica um pouco mais cabeluda, mas vamos lá. Tanto a música de Gaye quanto a de Sheeran tem versos compostos de um eterno loop de quatro acordes, que podem ser representados por números romanos: I, iii, IV e V no primeiro caso, I, I6, IV e V no segundo caso.

Não se preocupe se você não conhece teoria musical e esses números não te dizem nada. Eles são só uma espécie de código usado para explicar a função de cada acorde na música.

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Na tradição europeia, o acorde I é o lugar em que a música descansa. Ele dá a sensação de resolução, de que algo acabou. O acorde IV dá sensação de movimento, de se afastar de casa. E o acorde V cria uma tensão desconfortável, que pede para ser resolvida no I. Colocar os três nessa sequência, I, IV e V, é a coisa mais manjada que existe. O difícil é encontrar qualquer coisa composta nos últimos 400 anos que não contenha esse trio de uma maneira ou de outra.

A única coisa que realmente muda de uma canção para a outra é o segundo acorde: iii ou I6. Mas não é nada de outro mundo. Qualquer cifra de música pop que você imprimir para fazer roda de violão com os amigos geralmente vai ter três acordes. O I, o IV e o V. Às vezes, também o iii. É um acorde menor que não muda muita coisa na música. Ele funciona como uma extensão do I, mas deixa tudo um pouco menos repetitivo. 

Se você troca o iii por I6, faz menos diferença ainda – o baixista na sua roda de violão (se ela tiver um) vai saber que tem que tocar uma nota diferente do I normal, que é indicada pelo número 6.

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No fundo, no fundo mesmo, o que a gente está ouvindo é só I, IV e V – com um floreio só um pouquinho diferente em cada uma das músicas, para criar interesse.

E o veredicto, seu juiz?

Resumo da ópera: o máximo que a tal SAS poderia alegar de maneira justa é que as duas canções usam a mesma “cama” sonora para os versos – uma sequência de acordes quase igual, tocada no mesmo ritmo e de maneira parecida. Ou, para explicar de maneira mais simples, aquele seu amigo que toca violão na rodinha poderia continuar fazendo a mesma coisa enquanto as pessoas em volta alternam entre as duas músicas. Quanto aos versos em si, eles são diferentes: palavras diferentes, notas diferentes. 

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O negócio é que, em princípio, não existe copyright sobre instrumentação, arranjo e harmonia. Caso contrário, baixistas e bateristas do mundo todo ganhariam alguns trocados cada vez que as músicas gravadas por eles tocam no rádio. Isso não acontece: vai tudo para o compositor, para o cara que idealizou a peça (a não ser que você tente plagiar Seven Nation Army, é claro – nesse caso, a melodia da parte instrumental obviamente faz parte da identidade da composição, e se torna sujeita a um belíssimo processo).  

Há um bom motivo para esse tipo de copyright não existir – motivo esse com que a maioria dos músicos concorda: boa parte da música popular ocidental se baseia em sequências de acordes muito parecidas, tocadas de um jeito muito parecido. A SUPER já fez até uma matéria listando as cinco harmonias mais manjadas da história. Há um gênero inteiro, o blues, que se baseia em cantar letras e melodias diferentes em cima de uma base só, folclórica, de origem imemorial. Rappers rimam com frequência em cima de acordes e arranjos tirados de outras músicas – uma prática chamada sampling.

A conclusão é que Ed Sheeran foi só ligeiramente cara de pau. Mas não copiou ninguém: jogou dentro das regras. Caso contrário, Marvin Gaye também teria que ser processado: por Bach, que já usava I, I6, IV e V no século 17 (como sempre, agradeço outro youtuber fantástico, Adam Neely, por ter desenterrado essa). 

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