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Por Alexandre Versignassi
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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A OGX do século 17

Foi uma quebradeira. De cada 100 empresas, 72 faliram. Até as ações da maior companhia do país derreteram: 80% de queda. Tragédia. Mas, para muita gente, uma tragédia anunciada. A economia não ia bem das pernas, então, claro que, mais hora menos hora, a bolsa levaria um tombo. “Qualquer um poderia ter previsto que a […]

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Atualizado em 21 dez 2016, 09h49 - Publicado em 20 out 2013, 07h39

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Foi uma quebradeira. De cada 100 empresas, 72 faliram. Até as ações da maior companhia do país derreteram: 80% de queda. Tragédia. Mas, para muita gente, uma tragédia anunciada. A economia não ia bem das pernas, então, claro que, mais hora menos hora, a bolsa levaria um tombo. “Qualquer um poderia ter previsto que a alta das ações a um preço tão superior ao que elas valiam teria uma consequência fatal”, escreveu um analista financeiro.

Isso aconteceu em 1697, na Inglaterra. E o analista financeiro era Daniel Defoe, o escritor que 18 anos mais tarde escreveria Robinson Crusoé. Foi o primeiro crash da história.

O primeiro. Mas com roteiro quase idêntico ao último. E ao penúltimo. E ao anti penúltimo.

A Inglaterra estava endividada até o pescoço por causa de mais uma guerra contra a França. Sem condição de honrar os títulos públicos que estavam vencendo, o governo deu um calote na dívida interna, pagando só a metade e deixando o resto para depois.

Com o calote do Estado, banqueiros quebraram. Menos banqueiros, menos crédito na praça. Começou a faltar moeda para tocar as despesas do dia a dia. Dois terços das companhias britâncas da época entraram à beira da falência. Quem tinha ações na mão precisava convertê-las em dinheiro o mais rápido possível. Todo mundo começou a vender os papéis feito louco. E os preços foram lá para baixo.

Nisso, a maior empresa de lá, a Companhia das Índias Orientais, que lucrava trazendo seda da China e especiarias da Índia para revender na Europa, tomou aquele tombo de 80%. Mas não era só culpa do governo.

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Os investidores tinham uma parcela gorda da responsabilidade. Como disse Daniel Defoe, o mercado acionário tinha ficado louco mesmo.

A insanidade começou quando acharam um tesouro no fundo do mar. William Phillips, um capitão de navio, voltara do mar em 1687 com 32 toneladas de prata retiradas de um galeão espanhol naufragado. A notícia se espalhou por Londres e começaram a pipocar empreitadas de caça ao tesouro — companhias dedicadas a fabricar equipamentos de mergulho, tipo os sinos da ilustração aqui em cima, e sair atrás de galeões no fundo do mar.

Como financiar essas empreitadas? Com uma forma inovadora de financiamento, recém-importada de Amsterdã: as ações. Em 1602, o governo da Holanda tinha convidado a população para virar sócia de sua maior estatal, que acabava de ser criada: a Vereennigde Nederlandsche Oostinduche Compagnie (Companhia Unida Holandesa das Índias Orientais) — ou VOC, como o pessoal preferia chamar. Era a empresa responsável pelo comércio deles com a Ásia.

Convidar a população para virar sócia significava dividir a empresa em partes. No caso, em milhares de partes. E vender esses pedaços no mercado para bancar a construção dos navios e os salários dos marinheiros, mercadores e soldados que iam a bordo. Para vender essas partes da empresa (as ações), construíram um mercado em Amsterdã e deram o nome de bourse – bolsa.

Era o primeiro IPO de todos os tempos. Com o dinheiro dos milhares de sócios, eles conseguiram bancar dezenas de expedições comerciais. Os lucros vieram forte e as ações da VOC começaram a render dividendos anuais de 40%. A procura pelos papéis cresceu, a empresa conseguiu vender mais papéis para bancar mais viagens… E a Holanda foi virando uma potência global.

Não demorou e a ideia das ações migrou para a Inglaterra. Deu certo por lá também. Mas no meio do caminho tinha um tesouro.

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Aquelas startups de mergulho lançaram ações para financiar suas empreitadas. E foi uma festa. Sonhando com as toneladas de ouro e prata que as expedições trariam de volta, o povo correu para virar sócio.

Correu tanto que as ações de algumas dessas companhias subiram 500% antes de elas terem aberto as portas — exatamente como aconteceria três séculos mais tarde com as empresas do Eike. Só que aí a realidade bateu.

Aquela crise do governo britânico bagunçou as finanças. A correria dos investidores mudou de direção. Todo mundo estava tentando vender as ações para pagar as próprias contas. De quebra, descobriram que o mar não estava tão cheio assim de tesouros – da mesma forma que a OGX descobriria mais tarde em relação às reservas de petróleo que ela imaginava ter. E o preço das ações das companhias de mergulho começou a se aproximar do zero absoluto, igual o dos papéis das empresas X.

E quem tinha comprado ações na alta ficou com as calças na mão, agravando mais ainda a crise. Depois dessa, o governo britânico quase proibiu o mercado de ações. Mas ficou no quase, claro. Trinta anos depois a Inglaterra afundaria em outra bolha, bem maior.

Na mesma época, a França quase deixaria de existir depois de passar por uma das maiores catástrofes econômicas de todos os tempos. Mas o fato é que, sem a especulação, os últimos três séculos não teriam sido aqueles em que a humanidade mais progrediu na história. Foi da alucinação de alguns empreendedores que nasceram as Grandes Navegações, o comércio global, a Revolução Industrial, as ferrovias, a aviação comercial, a internet. Que venham mais caçadores de tesouros.

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