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Por Alexandre Versignassi
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Stranger Things: a ciência real por trás do “Mundo Invertido”

Entendas os conceitos científicos que servem de base para a fábula da série

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 Maio 2022, 16h54 - Publicado em 4 ago 2016, 20h04

Goonies, Poltergeist, Caverna do Dragão, Spielberg, Stephen King. Difícil você ainda não ter lido sobre as referências culturais de Stranger Things – e sobre o mérito que a série teve ao amalgamar todos esses elementos numa história envolvente.

Mas essas são só as referências mais óbvias. Porque há outras ali. Nem tão famosas, mas tão importantes quanto para a trama. Falo de Theodor Kaluza, Oscar Klein, Edward Witten e Hugh Everett – este último, por sinal, é tão referência que o nome dele chega a ser mencionado pelo professor de física dos meninos na primeira temporada.

O professor cita a “Hipótese dos Muitos Mundos”, que Everett lançou em 1957. Trata-se da primeira teoria científica a abraçar o conceito de “universos paralelos” – hoje já bem popularizado: o próprio “Mundo Invertido” de Stranger Things é, dentro da mitologia da série, um universo paralelo. Menos popularizado é o motivo que fez Everett propor a existência de universos paralelos.

O físico americano estava intrigado com uma característica da física quântica, a ciência que descreve o comportamento das partículas subatômicas. A seguinte: se você fosse uma partícula, você não seria você. Seria uma nuvem. Da mesma forma que uma nuvem comum é feita de moléculas de água, a nuvem que eu falo aqui seria formada por muitas, infinitas, versões de você.

Mas quando alguém fosse te visitar, as coisas mudariam de figura. O sujeito não veria essa nuvem cheia de clones seus. Na hora em que ele se aproximasse da nuvem, só uma das infinitas versões de você apareceria na frente dele. Todas as outras deixariam de existir, imediatamente.

Parece imbecil. É imbecil. Mas é assim que a física quântica de verdade funciona. Um elétron, ou qualquer outra partícula pequena o bastante, não é um elétron. É uma “nuvem de probabilidades”. Se você quiser observar o elétron (ou “visitá-lo”, como no exemplo antropomorfizado que dei antes), terá, tipo, 20% de chance de encontrar o elétron numa parte da nuvem, 99,7% de achá-lo em outra, 5,14% em mais outra. Nunca 100%; nunca 0%, mas todas as (infinitas) possibilidades entre a certeza absoluta e total falta de chance.

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ilustração do monstro demogorgon
(Netflix/Divulgação)

Todas essas possibilidades são reais. É como se cada uma delas correspondesse de fato a um elétron independente. Para todos os efeitos, o mesmo elétron está em vários lugares ao mesmo tempo. Guarde isso.

Vamos dizer que você encontra o elétron no ponto da nuvem em que ele tinha, digamos, 5,14% de chance de aparecer. O que acontece? Bom, todos os outros (e infinitos) pontos da nuvem em que ele poderia ter surgido deixam de existir. É como se um infinidade de elétrons tivesse abandonado o Universo para que a nuvem de probabilidades desse à luz uma única partícula.

Mas engraçado: se você tivesse encontrado um elétron no setor da nuvem em que havia 99,7% de chance de aparecer um, a partícula que você achou na região dos 5,14% deixaria de existir. Desapareceria com o resto da nuvem. O elétron, lembre-se, estava em todos os lugares da nuvem ao mesmo tempo. Mas quando você o encontra num ponto específico, todos os outros “clones” somem.

Isso não é ficção científica, nem uma teoria solta. É um fato, comprovado por um século de experimentos. E fica a questão: para onde vão “os outros elétrons”?

Para Everett, cada um vai para um universo paralelo diferente. O físico postulou que, quando você chega perto da nuvem de probabilidades e só encontra um elétron não significa que todos os outros evaporaram, mas que você se dividiu em cópias infinitas, espalhadas por vários universos paralelos. Uma dessas suas cópias vai encontrar o elétron na área em que a probabilidade era de 99,7%, outro, na de 99,6%, outro na de 20%, outro na de 4,535534%… Infinitos ���vocês” encontram infinitos elétrons na nuvem de probabilidades. Cada um dentro de um universo paralelo.

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Essa solução que Everett encontrou para o maior paradoxo da física quântica não é um chute no escuro. Trata-se de uma teoria feita com base em matemática sólida.

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E ela não se restringe a nuvens de probabilidade em laboratórios de física. A teoria prevê que não existe um único universo, mas uma miríades deles, todos contidos num gigantesco, descomunal e eventualmente infinito “multiverso”. Dentro do multiverso, tudo o que pode acontecer, dizem Everett e seus seguidores, acontece. Num desses universos, você nunca nasceu. Em outro, nenhuma estrela jamais se formou, e tudo o que há é uma escuridão sem fim. Já um outro é exatamente igual a este aqui, com a diferença de que, neste momento, você é um campeão olímpico – ou vencedor do Oscar.

É como diz outro admirador de Everett, o professor Clarke, de Stranger Things: “Pela Teoria dos Muitos Mundos, existe um universo onde esta tragédia [o desaparecimento do Will, na primeira temporada] não aconteceu”.

Daria para a gente entrar em contato com esses outros universos?

Na prática, não. Mas a prática, na teoria, é diferente (hehe). À luz da física teórica de hoje, eventuais outros universos podem existir sem problemas, contanto que estejam em “outras dimensões” (um conceito postulado por Theodor Kaluza e Oscar Klein, dois físicos do início do século 20). Kaluza propôs que, se o nosso universo tivesse quatro dimensões de espaço (em vez das três que conhecemos), a gravidade funcionaria de acordo com as equações que regem o eletromagnetismo. Ou seja: a gravidade seria tão poderosa quanto a força eletromagnética.

Mas o nosso mundo tem só três dimensões. Logo, as contas de Kaluza não serviriam para nada. Mas então Klein veio e o salvou, com outra tese: a de que poderiam haver mais dimensões, sim, só que elas estariam “enroladas” em espaços microscópicos.

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Dessa ideia, veio um exemplo clássico da física: o da formiga dentro de um canudo. Imagine um canudo enorme, do tamanho do Corcovado. Visto de longe, ele pareceria uma linha finíssima. Um coisa unidimensional. Mas do ponto de uma formiga lá dentro do canudo, a paisagem seria bem diferente. Ela poderia andar em qualquer direção, dando voltas pela circunferência interna do canudo – uma circunferência que, do ponto de quem vê a coisa de longe, parece nem existir.

pôster da primeira temporada de Stranger Things
(Divulgação/reprodução/Divulgação)

É desse exemplo da formiga e do canudo, feito lá nos anos 20, que os roteiristas tiraram aquela história da “pulga e do equilibrista”, que dá título a um dos episódios da primeira temporada da série. O equilibrista seria você, para quem a corda só permite andar para frente ou para trás (uma única dimensão de espaço, sendo que as outras duas são para cima/para baixo, esquerda/direita). E a corda, aí, é o canudo de Klein – a pulga move-se livremente pela corda, atravessando as três dimensões de espaço, igual a formiga do canudo.

Em suma: o “Mundo Invertido” da ciência é o mundo das dimensões enroladas.

Hoje, o conceito das dimensões enroladas é a base da teoria das cordas. Os físicos partidários dela acreditam que o mundo tem nove dimensões (e que essas dimensões todas são as responsáveis pelo eletromagnetismo ser mais forte que a gravidade, entre outras coisas).

O lance é que seis dessas nove dimensões estariam “enroladas”, e as outras três, as que nós vivenciamos, seriam as “estendidas”. Grosso modo, essa lógica dá sentido à ideia de Kaluza: a gravidade seria uma força que só existe no macrocosmo das dimensões estendidas. Já o eletromagnetismo seria a gravidade sob a ação de uma ou mais dimensões (nota: não é exatamente assim que os teóricos das cordas acham que a coisa funciona, mas é parecido, então vale dar essa imagem simplificada aqui).

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Desnecessário dizer, como os meninos da série sempre lembravam na primeira temporada, que tudo isso “é só teoria”. É mesmo. Nunca, jamais, encontraram vestígio de outra dimensão. Alguns físicos imaginam que, para “furar” uma dimensão enrolada (e ver que aquilo realmente se trata de uma outra dimensão), seria necessária uma força descomunal, que nem o LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, com 27 km de circunferência, poderia atingir. Brian Greene, da Universidade Columbia e fanático pela teoria das cordas, imagina que só com um acelerador do tamanho do sistema solar vamos descobrir se ele e seus colegas estão certos ou não. Pode esperar sentado.

Enquanto isso, os teóricos seguem imaginando como seria o mundo multidimensional que surgem em suas equações. A melhor teoria recente nessa área é obra de Edward Witten, do Instituto de Estudos Avançados de Princeton – um sujeito reverenciado como gênio por gente que tem Nobel na estante da sala.

Witten concluiu que o multiverso é composto por vários universos com 10 dimensões cada – nove de espaço e uma de tempo. Das nove de espaço, um universo pode ter três dimensões estendidas e seis enroladas (caso do nosso); outro universo, cinco enroladas e quatro estendidas – as eventuais formas de vida de um mundo assim experimentariam um surreal ambiente “4D” de espaço. Weird. Para a física teórica de hoje, então, a noção de multiverso é ainda mais abrangente que a de Everett. TUDO o que pode acontecer realmente acontece, inclusive realidades com mais de três dimensões estendidas.

A teoria de Witten, de quebra, envelopa seus infinitos universos de dez dimensões em mais outra dimensão, uma décima-primeira. Essa dimensão número 11 faria o papel do “caldo” por onde flutuam todos os universos do multiverso. Poeticamente falando, essa 11a dimensão seria a quintessência do Cosmos, a única coisa que “toca”, que “tem acesso” a todos os universos paralelos. Talvez não seja coincidência, então, que a protagonista da série se chame “Eleven”. Se existe um número em que os físicos mais atrevidos (e geniais) apostam para explicar o universo é justamente esse.

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