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Álcool faz bem?

Para alguns, o álcool é veneno puro. Para outros, remédio. A solução é encontrar a quantia exata que vai servir a você. E nunca passar do limite.

Por Álvaro Pereira Jr., de San Francisco, com Meire Cavalcante, em São Paulo
Atualizado em 24 fev 2017, 19h32 - Publicado em 31 jan 2000, 22h00

Consumido sem cuidados, o álcool provoca reações inesperadas. Você já reparou que nas festas tem sempre alguém que bebe uma cerveja e dá vexame, enquanto outro entorna uma garrafa de vinho e fica só um pouco mais alegre? É difícil acreditar, mas apenas agora a ciência começa a entender como e por que a droga mais antiga da civilização suscita efeitos tão diferentes nos seres humanos.

São duas possíveis respostas. A primeira é genética. O psiquiatra Marc Schuckit, da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, conduz uma pesquisa a respeito desde 1978. Ela mostra que os filhos de alcoólatras são os mais fortes candidatos ao alcoolismo. Mas a herança não pára por aí. Eles são também os que toleram melhor a bebida. “Só 5% dos descendentes de não-alcoólatras têm alta resistência ao álcool”, disse Schuckit à SUPER. “Já quando um dos pais é alcoólatra, o número de resistentes sobe para 40%.” Isso significa que não só a tendência ao vício, mas o tipo de reação ao álcool, pode estar inscrita no DNA. A segunda descoberta é bioquímica. Experiências com camundongos demonstraram que os bichos com maior ou menor quantidade de certas moléculas (batizadas de NPY e PKC-épislon) no organismo tendem a ingerir menos álcool.

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Os novos conhecimentos abrem o caminho para que cada um descubra qual a quantidade de álcool adequada para si. Várias pesquisas sugerem que, na medida certa, a bebida pode fazer bem. “O uso moderado do álcool traz uma série de benefícios físicos e psicossociais”, afirma Archie Brodsky, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. “O álcool é o que se chama de lubrificante social ideal”, explicou à SUPER a psicobióloga Ana Regina Noto, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Sob seu efeito, os indivíduos interagem com os outros de uma forma gostosa, melhorando a qualidade da relação”, acrescenta a pesquisadora. Estudos realizados em mais de vinte países indicam que uma dose diária para mulheres e duas para homens diminuem os riscos de doenças do coração. A ciência leva em conta ainda outros fatores positivos no consumo moderado, como a redução do estresse e a melhora do humor, segundo Brodsky. “Como a Medicina passou a incluir a qualidade de vida nos condicionantes da saúde, o álcool deixou de ser tão malvisto”, diz ele. A sabedoria está em separar a porção que alivia daquela que envenena.

Gosto não se discute. Herda-se

Se você fica tonto só de cheirar um copo com bebida alcoólica, alegre-se. A ciência mostra que gente capaz de tomar todas e estar inteira no dia seguinte é justamente a que corre mais risco de se tornar dependente. E não é só isso. Descobriu-se também que os mais resistentes costumam ser filhos de alcoólatras. Essas conclusões fazem parte de um estudo superdetalhado do psiquiatra americano Marc Schuckit, da Universidade da Califórnia.

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De acordo com estatísticas do governo americano, cerca de 8% da população dos Estados Unidos é vítima do alcoolismo. Entre filhos de alcoólatras, o número sobe para 40%. Quando pai e mãe são dependentes, a porcentagem é ainda mais assustadora: 60%. Segundo o psiquiatra, isso acontece mesmo quando o filho é criado por outra família, longe dos pais biológicos. Esse é um forte indicador de que a propensão ao alcoolismo é genética.

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Foram esses dados que levaram Schuckit a testar como os filhos de alcoólatras seguravam a onda na hora de beber. Em 1978, ele conseguiu juntar dois grupos de homens. O primeiro alvo do estudo era formado por descendentes de dependentes. Eles tinham cerca de 20 anos e bebiam apenas socialmente. O segundo grupo era idêntico ao primeiro, exceto por um detalhe: ninguém tinha pai ou mãe alcoólatra. No total, nada menos que 453 pessoas.

Schuckit convidou a turma toda para tomar uns drinques (no máximo cinco doses), sob rigoroso acompanhamento científico. Não deu outra: 40% dos filhos de alcoólatras quase não sofriam os efeitos que atingem um indivíduo médio depois de cinco latas de cerveja. Conforme o esperado, a mesma resistência só apareceu em 5% dos filhos de não-alcoólatras. Dez anos depois, uma equipe de pesquisadores conseguiu localizar todo mundo outra vez. Só três homens não quiseram mais participar da pesquisa. Depois de entrevistas exaustivas, os dados finais confirmaram as suspeitas de Schuckit. Os maiores índices de alcoolismo estavam justamente entre o pessoal que, uma década antes, bebia, bebia e não sentia quase nada.

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Resumo da ópera: quem, além de ser filho de alcoólatra, resiste bem à bebida está sob alto risco de alcoolismo. Atualmente, Schuckit está fazendo novo contato com os mesmos entrevistados (quatro morreram). “Entre outras coisas, vamos pesquisar os filhos deles para acompanhar a evolução da próxima geração”, explicou o cientista à SUPER.

A influência do ambiente

Schuckit espera que pesquisas como a dele sirvam para tratamento. “Descobrir genes ligados ao alcoolismo poderá ajudar a explicar uma série de reações químicas que acontecem no organismo de dependentes, abrindo caminhos para a descoberta de novos remédios”, diz ele. “E, se estudarmos aqueles que não se tornaram viciados, mesmo que filhos de alcoólatras e resistentes à bebida, poderemos aproveitar a experiência deles para criar novos métodos de prevenção.”

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Não é de hoje, porém, que a ciência conhece relações entre o álcool e a genética. “De um modo geral, os orientais não se dão bem com a bebida”, explica Ana Regina, do Cebrid. Segundo a pesquisadora, eles têm uma deficiência de aldeído desidrogenase, uma enzima que dificulta a eliminação de acetaldeído, um derivado da metabolização do álcool.

A falta da enzima provoca o chamado blushing, isto é, uma vermelhidão no rosto, além de náuseas. Nada disso, no entanto, significa que não haja bebedeiras entre os orientais, mas é um forte indício do peso da genética na reação ao álcool.

Os cientistas ainda guardam uma certa cautela. “A baixa resposta ao álcool é um fator muito importante, mas é um entre vários”, ressalva Schuckit. Embora seu estudo possa levar à descoberta de um gene envolvido no alcoolismo, ele lembra que o ambiente também desempenha um papel importantíssimo. Ana Regina concorda. “Um filho que cresce vendo o pai ou a mãe bebendo de modo exagerado tende a encarar isso como algo natural”, diz ela. “A educação é fundamental.”

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Para saber mais

O Tratamento do Alcoolismo
Griffth Edwards, Martins Fontes, São Paulo, 2000.

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