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A febre da selva

O ano 2000 começou com um inquietante surto de uma velha praga - a febre amarela. As autoridades temem que a doença se espalhe pelos grandes centros urbanos, trazida por turistas que, nas férias, se embrenham nas matas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h30 - Publicado em 31 jan 2000, 22h00

Ivonete D. Lucírio

Um estudante brasiliense de 19 anos começou a passar mal durante um acampamento de fim de ano na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Queixava-se de febre, calafrios e dores no corpo. No dia 3 de janeiro ele morreu, com o fígado destruído. Diagnóstico: febre amarela.

Nos dias seguintes, outros quatro casos surgiram em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Todos os pacientes tinham estado na mesma região. A Chapada dos Veadeiros é um paraíso ecológico que, além de cachoeiras deslumbrantes, tem fama de possuir energias místicas. Um lugar perfeito para o réveillon do ano 2000. Quase 3 000 turistas estiveram lá durante as festas. Alguns voltaram para casa trazendo o vírus causador da doença.

Apesar de erradicada das cidades brasileiras desde 1942, a febre amarela nunca sumiu do mapa. O vírus persiste nas matas do Norte e Centro-Oeste, alojando-se em macacos e sendo transmitido por mosquitos silvestres. Só em 1999 houve 66 infectados nessas regiões, segundo o Ministério da Saúde. O que assusta no surto deste ano é que as vítimas não moram em áreas isoladas, mas em grandes centros. Daí o temor de que uma epidemia urbana (veja os quadrinhos) possa surgir.

Ao escapar da floresta, a doença pode ser transmitida pelo Aedes aegypti, um mosquito comum na cidade, transmissor também da dengue. “A situação é perigosa. Há muito tempo as condições estão maduras para uma epidemia de febre amarela urbana”, disse à SUPER o epidemiologista Roy Campbell, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos. “Há grande quantidade de vírus nas selvas e mosquitos nas cidades que podem transmiti-lo”, ressalta.

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O pior é que, nas férias, há gente circulando de um lugar para outro. O turismo ecológico, que no Brasil tem como principais destinos as regiões endêmicas, cresce 20% ao ano. “Durante os passeios, acaba-se levando picadas de mosquitos que só existem nas matas”, diz o entomologista Oswaldo Forattini, da Universidade de São Paulo. “Essa é a principal causa do surto de febre amarela que atingiu o país no início do ano”, opina o cientista.

Outro fator que pode explicar tantos doentes vindos do mesmo lugar é o chamado ciclo selvagem do vírus. A cada cinco ou sete anos há uma explosão da doença entre os macacos. Muitos não resistem à infecção, por isso encontrar esses animais mortos na mata pode ser sinal de perigo. A última dessas epizootias, como são chamadas, aconteceu entre 1998 e 1999. “Acreditamos que ela tenha se estendido até o final do ano passado”, disse à SUPER o médico Jarbas Barbosa, diretor do Centro de Epidemiologia do Ministério da Saúde. “Isso deixou mais vírus circulando, o que provavelmente facilitou o contágio de humanos”, afirmou.

Sem tratamento

Não existe remédio para curar a infeção. O organismo tem de dar cabo do vírus sozinho. Tudo o que se pode fazer é tratar os sintomas para impedir que o paciente morra.

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As únicas formas de evitar o mal são combater o mosquito e adotar a vacinação preventiva nas áreas de risco. “No Brasil, 80% da população das regiões onde a doença é endêmica é vacinada”, diz Jarbas Barbosa. “A idéia é chegar a 90% até o fim do ano.” Depois da contaminação dos turistas, aumentou o empenho do Ministério da Saúde em divulgar a necessidade da vacina para quem viaja. Portanto, há perigo. Mas a catástrofe pode ser evitada.

Vírus mata 10% de suas vítimas

A febre amarela tem esse nome porque o vírus ataca principalmente o fígado, deixando o doente com uma cor amarelada. Os primeiros sintomas – febre e dor de cabeça – surgem depois de três dias. Alguns pacientes podem ter hemorragia. Dez por cento deles morrem entre sete e dez dias depois de contrair a doença. “É um índice altíssimo. A mortalidade da dengue, por exemplo, raramente chega a 1%”, diz o infectologista Paolo Zanotto, da Universidade Federal de São Paulo. “É um dos vírus potencialmente mais perigosos do mundo, porque já fez grandes estragos no passado”, afirma Clarence James Peters, do CDC.

O micróbio vem de uma família da pesada. É o grupo dos flavivírus, que inclui a dengue e várias encefalites, inflamações no cérebro que podem ser mortais. A maior parte dos flavivírus é transmitida por insetos como o Aedes aegypti. “É impossível acabar com o microorganismo das selvas”, diz Clarence Peters. “O único jeito de manter a praga longe é eliminar o mosquito das cidades.” Enquanto isso não acontecer, o medo da epidemia urbana deve continuar atormentando o país.

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ilucirio@abril.com.br

Reservatório natural

Os macacos carregam no sangue o vírus amarílico, o agente da febre amarela. Durante o dia, eles são picados pelas fêmeas do mosquito Haemagogus, que precisam de sangue para amadurecer seus ovos. Ao morder macacos infectados, elas viram portadoras do micróbio.

O turista acidental

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Enquanto procura mais macacos para picar, uma fêmea portadora pode encontrar um turista desavisado pelo caminho e incluí-lo no cardápio. Assim, joga o vírus na corrente sanguínea do ser humano.

Fim da viagem

O viajante volta para a cidade. O micróbio fica na sua corrente sanguínea por três dias. Depois, vai para os órgãos, provocando os sintomas da doença. Se, durante os três dias, esse indivíduo for atacado pelo mosquito Aedes – não há Haemagogus urbano –, o inseto passa a ser um vetor, isto é, portador do mal.

Epidemia urbana

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O mesmo Aedes pica outras vítimas também em busca de sangue para os ovos. Injeta, assim, o vírus, disseminando a febre amarela na cidade. Como o mosquito existe em grande quantidade nas áreas urbanas, pode ser o agente de uma epidemia.

Algo mais

A febre amarela provavelmente se originou na África e começou a fazer estragos na América no século XVI. Foi considerada o flagelo do continente durante 300 anos. Em 1905, uma epidemia matou 100 000 americanos em Nova Orleans.

Para saber mais

A Próxima Peste, Laurie Garrett, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1995.

Só a vacina salva

O Ministério da Saúde está convocando para a vacinação todos os moradores de regiões com alto ou médio perigo de contaminação por febre amarela silvestre no Brasil (veja mapa). Além disso, devem ser vacinados moradores do Triângulo Mineiro, noroeste de São Paulo e noroeste do Paraná. Apesar de não se tratar de áreas de risco, fazem fronteira com elas. Quem pretende viajar para esses locais deve ser imunizado pelo menos dez dias antes de embarcar. Assim, estará protegido por uma década.

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