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Como fazer uma bomba atômica

Não é tão fácil quanto dizem. Mas também não é tão difícil assim. Veja o que um país - ou um grupo terrorista - precisa fazer para construir uma bomba

Por João Vito Cinquepalmi e Bruno Garattoni
Atualizado em 4 jul 2019, 14h47 - Publicado em 2 jul 2013, 22h00

Leonid Smirnov trabalhava num laboratório nuclear em Podolsk, a 40 km de Moscou. Era um bom emprego, muito valorizado pelo governo (era preciso passar por uma investigação da KGB antes de ser contratado), pagava um bom salário. Mas com o fim da União Soviética, em 1991, as coisas mudaram. A economia entrou em colapso, a inflação daquele ano bateu em 200% e Leonid viu seu padrão de vida despencar. Foi aí que teve uma ideia: roubar urânio do laboratório para vender. Toda vez que os colegas saíam para fumar, ele pegava 50 gramas de urânio e escondia no bolso. Como era uma quantidade pequena, ninguém percebeu. Leonid roubou urânio durante cinco meses, e conseguiu acumular 1,5 kg – que escondeu num pote em casa. “Eu não sabia quanto cobrar, nem para quem vender, então pensei em procurar empresas estrangeiras”, contou na época. Foi o que ele fez, até que acabou sendo denunciado e preso. Ele disse que queria dinheiro para comprar uma geladeira e um fogão novos.

A história de Leonid Smirnov é apenas uma entre centenas de casos. Pelo menos 22 países já registraram casos de contrabando nuclear, e só no ano passado houve mais de 20 episódios confirmados de roubo ou perda de materiais radioativos – principalmente urânio e plutônio, que podem ser usados para fabricar bombas atômicas. A busca pela bomba atômica movimenta um mercado negro internacional, que se desenvolveu muito nas últimas décadas e envolve Estados, organizações criminosas, grupos terroristas, cientistas mercenários – tudo girando em torno de grandes somas de dinheiro. Em maio de 2012, três pessoas foram condenadas na Moldávia, no leste europeu, por tentar fazer tráfico de urânio. O grupo foi preso durante uma ação que envolveu os serviços de inteligência dos EUA, da Alemanha e da Ucrânia. Segundo as autoridades, eles estavam oferecendo um quilo do material em troca de US$ 38 milhões. Ou seja, 760 vezes mais caro do que o ouro.

O urânio é valioso porque ele é o coração de uma bomba atômica. Também é possível construir uma com plutônio, mas o plutônio não existe na natureza (é produzido em reatores nucleares), e por isso é muito difícil de conseguir. Já o urânio é encontrado em rochas por toda a crosta terrestre, e não é preciso ter muita tecnologia para extraí-lo. Tanto que até a Nigéria, um país industrialmente primitivo, está entre os maiores produtores mundiais. Pelo menos 19 países têm minas de urânio (no Brasil, ele é explorado em Caetité, no interior da Bahia). Você pode procurar uma jazida e tentar extrair o material por conta própria. Ou simplesmente procurar alguém que esteja disposto a vendê-lo.

Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), existem 1.400 toneladas de urânio enriquecido (adequado para uso em usinas nucleares e bombas atômicas) espalhadas pelo mundo. Os EUA e a Rússia detêm 95% disso. E há indícios de que o material, principalmente no que diz respeito aos russos, está sendo negociado no mercado negro. Entre 1993 e 2011, foram registrados nada menos do que 399 incidentes envolvendo posse não-autorizada e tentativas de compra e venda de material radioativo. “O material necessário [para um artefato nuclear] cabe perfeitamente em uma mala, e não é radioativo a ponto de impedir seu manuseio”, explica Matthew Bunn, professor da Universidade Harvard e especialista em proliferação nuclear. A fabricação da bomba em si não é tão difícil, pois as técnicas necessárias estão disseminadas e ao alcance de cientistas de todo o mundo. “A tecnologia para a construção de uma bomba atômica improvisada é simples e conhecida”, diz Irma Arguello, diretora da Fundação de Não Proliferação para Segurança Global (NPSGlobal). E existe muita gente interessada em fazer isso.

“Nós sabemos, por exemplo, que a Al-Qaeda tentou obter uma arma nuclear”, diz Sharon Squassoni, diretora do Centro de Estratégia e Estudos Internacionais (CSIS), uma ong americana especializada em política internacional. “Acho que tivemos muita sorte de não termos testemunhado o uso de armas nucleares nos últimos 60 anos”, afirma. Então elas vão continuar a se espalhar pelo mundo – e é apenas uma questão de tempo, ou de sorte, até que caiam em mãos erradas e dispostas a provocar um conflito nuclear? Mais ou menos. Fazer uma bomba atômica também tem um lado muito difícil.

A PARTE DURA
Abdul Qadeer Khan nasceu na Índia em 1936. Quando tinha 16 anos, emigrou para o Paquistão, onde fez faculdade de metalurgia. Depois, estudou na Alemanha e na Holanda, fez doutorado na Bélgica e foi contratado pelo consórcio Urenco, uma associação de empresas europeias que trabalhava com processamento de urânio. Khan era muito aplicado, e demonstrava enorme interesse pelo urânio – tanto que o governo holandês começou a suspeitar e quis prendê-lo. Mas os EUA pediram que ele não fosse preso, pois queriam dar corda a Khan para entender qual era seu real objetivo. Era dar no pé. Em 1975, Khan fugiu da Holanda para o Paquistão, levando consigo as tecnologias e a lista de fornecedores da Urenco. Virou herói nacional – porque, graças a ele, o país conseguiu produzir urânio suficiente para uma bomba atômica. E Khan não parou aí: começou a exportar e revender tecnologia nuclear para outros países, como Irã, Coreia do Norte e Líbia. Mas, mesmo tendo todos os materiais e as instruções necessárias e um orçamento gigantesco, estimado em US$ 2,5 bilhões anuais, ele demorou dez anos para conseguir produzir urânio suficiente para uma bomba.

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No caso, 52 quilos. Segundo um artigo escrito por um grupo de cientistas do Laboratório Nacional de Los Alamos, que ajudou a desenvolver a tecnologia nuclear dos EUA, essa é a quantidade necessária para que ocorra a chamada massa crítica, iniciando a reação em cadeia que faz a bomba explodir [veja no infográfico abaixo]. Se for usada uma tecnologia simples -o refletor, uma espécie de espelho que rebate as partículas dentro da bomba-, a quantidade de urânio necessária cai para 26 quilos. Mas ainda é muito. Porque não basta pegar o urânio e colocar dentro de uma bomba. É preciso submetê-lo a um processo extremamente complexo.

Na natureza, existem dois isótopos (tipos) de urânio, o U-235 e o U-238. Este último é de longe o mais comum: representa 99,3% de todo o urânio da Terra. O problema, por assim dizer, é que ele não serve para fazer uma bomba. O material que realmente interessa é o U-235, que corresponde a apenas 0,7%. Bem pouco. E, para complicar as coisas, ele vem misturado com o urânio ruim. Se você quiser fazer uma bomba, tem de separar o urânio bom do urânio ruim – num processo que se chama enriquecimento. “É como separar feijão. Você joga um monte na mesa. Quase todos são pretos, mas sempre há um ou dois brancos. É destes que você precisa”, explica o físico José Goldemberg, da USP.

Primeiro, o urânio é transformado em gás e colocado em uma centrífuga. Conforme a centrífuga gira, ela vai separando o U-235, que é mais leve, do U-238, que é mais pesado. Esse processo é repetido muitas vezes e vai gerando um material cada vez mais concentrado, ou seja, com maior teor de U-235. Se você quiser urânio para alimentar uma usina nuclear, basta elevar a quantidade de 0,7% para 3%. Já para fazer uma bomba, a concentração tem de ser enorme: no mínimo 90% de U-235. Isso exige alta tecnologia, e está sujeito a diversos problemas. Em 2010, o vírus de computador Stuxnet (supostamente criado pelos EUA ou por Israel) contaminou as centrífugas do Irã e as fez girar rápido demais, até queimar, o que atrapalhou a produção de urânio e atrasou o programa nuclear do país.

Que tal comprar o urânio já enriquecido, então? É mais prático. Mas também não é fácil. Dos 399 casos de contrabando nuclear registrados entre 1993 e 2011, apenas 16 envolviam urânio enriquecido no grau necessário. Além disso, a quantidade era sempre muito pequena, e não chegava nem perto dos 26 quilos necessários para uma bomba.

Ou seja: na prática, você tem de enriquecer o seu próprio urânio. E isso é coisa de gente grande. Cinco nações admitem ter armas nucleares: EUA, Rússia, França, Reino Unido e China. Não por acaso, são os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Existe também a confirmação de que Índia, Paquistão e Coreia do Norte têm bombas atômicas, uma vez que já fizeram testes nucleares. O último caso é o de Israel. Apesar de nunca ter admitido, a maioria dos especialistas inclui o país como uma das nações possuidoras de armas nucleares.

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No total, nove países. Poderiam ser muito mais se não tivesse sido colocado em prática, em 1970, o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Atualmente, 189 países são signatários, inclusive os cinco do Conselho de Segurança. Todos concordaram em não desenvolver novas bombas, embora ainda possam pesquisar e utilizar a energia nuclear – desde que para fins pacíficos, e sob o monitoramento de inspetores da Aiea. O tratado obteve sucesso. Diversos países da América Latina abandonaram seus esforços para ter armas nucleares. O mesmo ocorreu com a África do Sul. Mas há cinco países que não são signatários do acordo. Índia, Paquistão e Israel não assinaram porque achavam que iriam precisar das armas para defender suas fronteiras. A Coreia do Norte chegou a ser signatária, mas decidiu se retirar do pacto em 2003. O Sudão do Sul, que se tornou um Estado independente em 2011, ainda não assinou. Além disso, recentemente o Irã tem sido acusado de descumprir o acordo, pois tem impedido a Aiea de fiscalizar suas instalações.

A agência promove programas para tentar controlar os estoques de plutônio e de urânio enriquecido no mundo. Uma de suas principais estratégias é recolher o material depois que ele é utilizado em reatores nucleares. A principal ação até hoje foi realizada na Sérvia. O combustível utilizado pelo Instituto Vinca de Ciência Nuclear foi mandado de volta para a Rússia, onde tinha sido fabricado. O reator sérvio utilizou urânio enriquecido até 1984. Depois disso, o material ficou armazenado em condições precárias e sem nenhuma segurança, até ser retirado em 2010. Nos últimos anos, líderes de vários países têm se encontrado para tentar solucionar justamente esse problema: o que fazer com o material nuclear espalhado pelo mundo. “O presidente dos EUA tem feito Cúpulas de Chefes de Estado para tratar de segurança nuclear. A primeira foi realizada em 2010, em Washington, e a segunda em 2012, em Seul”, conta Irma Argüello. Os líderes de vários países se comprometeram a garantir, até 2014, a segurança de todo o seu material nuclear.

Mesmo com todas as dificuldades técnicas e as medidas de segurança, não é possível descartar um ataque nuclear – principalmente se ele estiver ligado a grupos terroristas. Isso porque eles podem tentar construir outro tipo de artefato: a bomba radiológica, também conhecida como “bomba suja”. Ela não gera uma reação nuclear. Na verdade, não passa de uma bomba comum – só que apimentada com material radioativo. Quando explode, espalha uma nuvem de material radioativo, que é suficiente para cobrir o centro de uma cidade. Ela não mata quase ninguém na hora – mas pode deixar uma área contaminada por décadas. E, para fazer esse tipo de bomba, não é preciso usar urânio ou plutônio. Materiais muito mais comuns, como o césio das máquinas de raio-X hospitalar, também servem.

A bomba suja preocupa os especialistas. No começo deste ano, helicópteros da Administração Nacional de Segurança Nuclear, do governo americano, sobrevoaram toda a extensão da cidade de Washington. O objetivo foi mapear os níveis de radiação na capital americana. As autoridades querem vigiar os níveis de radiação porque, se eles mudarem em algum ponto da cidade, é sinal de que ali existe uma bomba suja – que então poderia ser interceptada e desarmada antes de explodir.

Em 1947, um grupo de físicos nucleares da Universidade de Chicago criou o “relógio do Juízo Final”, medida simbólica que indica quão próximo o mundo está de uma guerra nuclear. Quanto mais perto da meia-noite, mais perto a humanidade está desse apocalipse. O relógio estreou marcando 23h53. Em 1991, quando os EUA e os russos assinaram um tratado de redução de seus arsenais, o relógio alcançou seu ponto mais baixo – regrediu para 23h43. Mas, com a proliferação nuclear, ele voltou a avançar. Agora, está marcando 23h55.

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Matéria-prima
Como se obtem e se prepara urânio para uma bomba
(Jonatan Sarmento/Superinteressante)

1. O urânio é um metal relativamente abundante – a Terra contém 40 vezes mais urânio do que prata. A maior parte da produção mundial (36%) vem do Cazaquistão, mas o material também pode ser obtido em 18 outros países.2. O material extraído é moído e misturado com substâncias químicas que isolam o urânio do resto.

3. Mas 99% do urânio é do tipo U-238, que não serve para a construção de uma bomba. Ele precisa ser separado do urânio que interessa: o U-235.

4. Essa separação se chama enriquecimento do urânio. A primeira etapa é misturar o metal com ácido hidrofluorídrico (HF). Isso provocará reações químicas que vão transformar o urânio num gás: hexafluoreto de urânio.

5. Coloca-se esse gás dentro de uma centrífuga especial que gira muito depressa, a 100 mil RPM (6,6 vezes mais que um motor de F-1). Com a rotação, os átomos de U-238, mais pesados, vão para os cantos da centrífuga. O U-235, mais leve, fica no meio – e pode ser extraído. O gás do centro é retirado e colocado em outra centrífuga. O processo é repetido milhares de vezes, até resultar num gás concentrado, com 90% de U-235.

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6. Misture esse gás com cálcio. Isso fará com que o urânio volte ao estado sólido.

7. Corte o urânio em dois pedaços. Eles serão instalados dentro da bomba – e farão ela explodir.

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A bomba

O modelo mais tradicional e mais simples é a bomba de fissão nuclear (como a usada em Hiroshima). Ela depende de três mecanismos.

(Jonatan Sarmento/Superinteressante)

1. DETONAÇÃO INICIAL
A bomba tem um detonador inicial, que é feito de TNT (explosivo comum). Sua função é muito simples: empurrar uma peça de urânio contra a outra [veja no item seguinte].

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2. A UNIÃO DO URÂNIO
Para evitar que a bomba exploda antes da hora, as duas peças de urânio ficam separadas. Mas quando o TNT é detonado, uma dessas peças é lançada contra a outra. Quando isso acontece, atinge-se a chamada massa crítica: há urânio suficiente para começar uma reação em cadeia.

3. GERADOR DE NÊUTRONS
É uma esfera feita de polônio e berílio, que fica protegida num compartimento especial. Quando a bomba está prestes a explodir, esse compartimento se rompe – e a esfera entra em contato com o urânio. Ela começa a emitir nêutrons que atingem o urânio – e isso faz com que os átomos de urânio se quebrem, ou seja, sofram fissão. O processo libera uma quantidade enorme de energia, fazendo a bomba explodir.

 

PARA SABER MAIS
A Nuclear Family Vacation
Nathan Hodge e Sharon Weinberger, Bloomsbury USA, 2011.

O Bazar Atômico
William Langewiesche, Companhia das Letras, 2007.

Nuclear Wastelands: A Global Guide
Arjun Makhijani, The MIT Press, 2000.

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