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O que acontece com o corpo da mulher depois da gestação?

Depois do parto, vem o puerpério - período de transformações e, muitas vezes, sentimentos conflitantes sobre a maternidade

Por Mariana Weber
Atualizado em 3 abr 2019, 11h05 - Publicado em 15 Maio 2018, 12h48

Era uma vez uma jornalista que foi para a maternidade levando livros. Porque gostava de ler e temia o tédio das horas que passaria internada. Sim, ela sabia que, após a chegada do bebê, tudo mudaria. Por meses, enquanto a barriga crescia, ouviu “aproveite para dormir enquanto pode” e todo tipo de conselhos sobre a chegada do primeiro filho. Mas não tinha noção da magnitude do que estava para acontecer até sentir por conta própria.

Os livros, intocados na malinha da maternidade, viraram piada interna, um símbolo do que a vida um dia tinha sido, quando era possível contar com leituras regulares na cama antes de dormir. Essa jornalista sou eu e o caso dos livros, um exemplo prosaico do período singular que é o puerpério, ou pós-parto, com sua mistura de emoções, privação de sono, responsabilidade, insegurança, instinto e palpites que acompanham a chegada de um bebê.

Puerpério pode se referir aos 40 dias posteriores ao nascimento – quando o útero aos poucos volta ao estado pré-gestação e o bebê precisa ter suas necessidades fisiológicas atendidas em tempo integral. Em um sentido mais amplo, porém, é um período de transição que dura entre dois e três anos.

É o conjunto de dias, semanas, meses em que o corpo da mulher se recupera da gravidez e do parto ao mesmo tempo em que a família se adapta à transformação provocada pela adição de um novo membro. A mãe deixa de carregar o filho no abrigo da barriga para agora levá-lo nos braços, ainda dependente de cuidados dia e noite. Precisa entender e atender as demandas do pequeno ser, sem contar com palavras. Aprender a amamentá-lo, niná-lo, banhá-lo, acalmá-lo, confortá-lo. Abrir mão da rotina prévia e mergulhar no mundo do bebê.

Soa como uma crise, e é. Abandona-se o estilo de vida anterior, mas mais do que isso: mãe e filho acabam de enfrentar sua primeira separação, com todo o potencial desorganizador e a sensação de perda que costumam acompanhar as separações. “O parto é a primeira grande descontinuidade”, diz a psicóloga Rita Sobreira Lopes, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Para investigar esse período, ela acompanhou quatro famílias de Porto Alegre desde os exames de ultrassonografia pré-natal até o terceiro ano de vida das crianças. No livro Aprendendo com as Mães e os Bebês sobre a Natureza Humana e a Técnica Analítica, Rita e a psicanalista Nara Amália Caron relatam que as mulheres sentiam falta da barriga como se tivessem de fato perdido uma parte de si com o nascimento do bebê: “Tais sentimentos ficaram evidentes especialmente depois do parto, quando a maioria das mulheres foi deixada sozinha na sala. A mãe perde o seu parceiro, o bebê, assim como o bebê perde a sua parceira, a mãe. Estão nas mesmas condições, desamparados e sozinhos.”

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Fisiologicamente, as alterações também são bruscas. Embora geralmente saia da sala de parto com a silhueta não muito diferente daquela com que entrou, o corpo da mãe passa por uma intensa transformação. Logo após o nascimento, ele está pronto para alimentar o bebê com colostro, pré-leite aguado e rico em nutrientes e anticorpos; em cerca de três dias virá o leite propriamente dito, deixando os seios cheios e doloridos.

Em duas semanas, a mãe geralmente está de 4 a 7 quilos mais leve – resultado da saída do bebê, da placenta e do líquido amniótico, além da eliminação, pela urina e pelo suor, dos cerca de 2 quilos de líquido retidos nos tecidos durante a gestação.

Amamentar estimula a produção de ocitocina, que provoca contrações do útero (e cólicas), contribuindo para o seu encolhimento. Em seis semanas, ele retorna às dimensões pré-bebê (mais ou menos o tamanho de um punho); o abdômen o acompanha parcialmente, já que os músculos abdominais também foram distendidos e, em alguns casos, podem precisar de exercícios específicos para voltar à forma.

Idem para o assoalho pélvico, que talvez necessite de fisioterapia. Exercitar-se também pode ajudar a combater dor nas costas, acarretada pelo esforço de carregar o bebê e agravada pela relaxina, hormônio que amolece músculos e ligamentos na gestação e permanece por meses no corpo.

Mantidos em alta durante toda a gravidez, os níveis de estrógeno e progesterona despencam quando o nascimento se aproxima, indicando ao útero que é chegada a hora do parto. O declínio hormonal só passa com a menstruação ou com o desmame – parcial ou completo –, e algumas mulheres seriam mais sensíveis a ele do que outras (assim como umas sofrem mais com a TPM e a menopausa). A oscilação dos hormônios pode explicar, em parte, o turbilhão emocional do puerpério, com casos frequentes de melancolia e outros, menos comuns, de depressão.

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Desamparados

Segundo a psicóloga Rita, no período pós-parto ocorre um confronto de desamparos. Necessário. “A mãe diante do bebê se sente tão desamparada quanto ele. Isso permite simpatizar, cuidar dele.” Seria necessário regressar a um nível de comunicação mais primitivo, corporal, para se identificar e responder às necessidades do recém-nascido.

Para a psicopedagoga argentina Laura Gutman, a conexão emocional no pós-parto é tão completa que não seria adequado falar de mãe e bebê como entidades separadas, mas de mãe-bebê e bebê-mãe.

Os dois permaneceriam assim fundidos sem alterações por nove meses, mais ou menos quando a criança começa a adquirir capacidade de locomoção própria – e, como um bebê canguru, sai da bolsa materna. Outro salto em direção à autonomia, e ao fim do puerpério, viria entre 2 e 3 anos de idade, com o desenvolvimento da linguagem verbal.

No livro A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra, Laura descreve: “As mulheres puérperas têm a sensação de enlouquecer, de perder todos os espaços de identificação ou de referência conhecidos; os ruídos são imensos, a vontade de chorar é constante, tudo é incômodo, acreditam ter perdido a capacidade intelectual, racional. Não estão em condições de tomar decisões sobre a vida doméstica. Vivem como se estivessem fora do mundo; vivem, exatamente, dentro do mundo-bebê.”

Nesse território emocional compartilhado, o que a mãe sente, o bebê sente. Ou, nas palavras de Laura: “O bebê manifesta aquilo que não é reconhecido conscientemente pela mãe”. Seguindo esse raciocínio, o que dói nela, que ela rejeita, é expresso pelo bebê – choro, falta de apetite, mesmo doenças poderiam ser reflexo de problemas dela, e precisam ser encarados em um mergulho no mundo interior.

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Questões psicológicas aparentemente resolvidas podem voltar com força. “Quando chegamos à vida adulta e nos tornamos mães, encontramos o desafio de dar à criança tudo o que ela necessita”, disse Laura à SUPER. “É uma função altruísta. Porém, se ainda estamos necessitadas em termos emocionais, é difícil dar prioridade às necessidades do outro.”

Não seria algo passível de mudar de uma hora para outra, nem haveria tratamento preventivo. “Creio que não é possível se preparar para o desconhecido”, diz Laura. “Mas é possível tentar levar uma vida consciente, compreender nossas origens, nosso entorno e nossas escolhas e registrar nossas manifestações sombrias. Quanto maior o conhecimento de si mesmo, menor o impacto na presença do bebê.”

Rede de apoio

Na visão de Laura, a função do pai, no pós-parto, seria a de apoiar emocionalmente a mãe. A doula Janie Paula, criadora da rede de apoio Buxixo de Mães, afirma que, embora a disponibilidade materna seja importante, é possível e desejável investir logo cedo na criação de vínculos com o pai e os outros membros da família.

Seja qual for a solução escolhida, faz diferença formar uma rede de apoio. Nos núcleos familiares reduzidos, os pais muitas vezes não contam com a ajuda espontânea da tribo para criar seu rebento: a mãe, a tia, a madrinha, a irmã, a amiga que baixavam em casa para auxiliar nos cuidados com o recém-nascido e liberavam a mãe pelo menos para as necessidades básicas, como comer, escovar os dentes, ir ao banheiro, tomar um banho.

Se faltarem voluntários, vale pedir ajuda e talvez contratá-la. Ou procurar grupos para trocar ideias. “Às vezes as pessoas não sabem o que significa buscar uma rede de apoio, mas elas já fazem isso em outras áreas”, diz Janie. “Se eu descobrisse que iria viajar amanhã para o Japão, o que faria? Correria para o Facebook para perguntar se algum amigo já tinha ido, o que fazer lá, o que levar de roupa…”

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Mas existem apoios e apoios. A tia que chega carregada de conselhos e boas intenções corre o risco de mais atrapalhar do que auxiliar. “Quem quer ajudar deve perguntar o que pode fazer pela família; se for ficar com o bebê, questionar de que forma fazer isso, como agir se ele chorar, se tiver fome…”.

O segredo da ajuda eficaz para uma mãe recente, segundo Laura Gutman, é estar disponível, sem se intrometer ou aconselhar, apenas a amparando para que desenvolva suas próprias intuições. Para Laura, é normal que as novas mães “enlouqueçam” um pouco. Só assim elas estariam livres para imergir no universo emocional do recém-nascido – e essa imersão pode soar estranha para quem não submerge com ela.

“É assim que se diagnostica apressadamente a ‘depressão pós-parto’, partindo da premissa de que uma mãe ‘deve estar feliz porque o filho é saudável’, ‘não deve ficar triste’, ‘seu choro não faz bem ao bebê’ e tantas outras suposições baseadas na ignorância do processo previsível do puerpério.” Os tratamentos equivocados, diz Laura, abalariam a mulher, muitas vezes interrompendo a lactação e a fazendo se sentir pior no papel de mãe.

Melancolia e depressão

A psiquiatra Carmen Sylvia Ribeiro não acredita que haja exagero nos diagnósticos de depressão pós-parto no Brasil. Graduada pela PUC Campinas, com mestrado em saúde mental pela Unicamp e especialização em neurociências pela USP, ela afirma que ocorre justamente o contrário: muitos casos deixam de ser reconhecidos e tratados (com medicamentos ou psicoterapia), trazendo danos para a qualidade de vida da mulher e a relação com o bebê.

Mas nem toda melancolia pós-parto é depressão. Tristeza, choro fácil, ansiedade, irritabilidade, inquietação e inapetência a princípio podem parecer não combinar com a felicidade de receber um bebê em casa, porém são sentimentos manifestados pela maioria das mães recentes. Compõem o quadro conhecido como baby blues, que acomete entre 50% e 85% das mulheres, e vão embora em até duas semanas após o parto.

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Na depressão, que atinge cerca de 15% das mães, os sintomas são mais profundos e duradouros. Podem tanto se desenvolver como um agravamento do baby blues como aparecer meses depois – o retorno da mãe ao trabalho é um período propício para o distúrbio, assim como o desmame. Entre os fatores de risco, além da já citada sensibilidade às oscilações hormonais, estão histórico de transtorno psiquiátrico, eventos estressantes, como uma doença na gravidez, perda de outro bebê, separação conjugal, pouco suporte social e dificuldades financeiras.

“Mudanças físicas, hormonais e sociais provocam um estresse agudo e impõem à mãe uma exigência adaptativa que ela muitas vezes não consegue atender”, diz Carmen. Com frequência, a mulher sente-se culpada por não estar contente e esconde os sintomas da depressão, com medo da reprovação dos familiares. Para dificultar ainda mais o diagnóstico, os sinais são facilmente confundidos com o cansaço normal causado pelas noites mal dormidas.

O problema, além das implicações imediatas no bem-estar de mãe e filho, é que a condição pode afetar o desenvolvimento da criança, não só físico, mas também da identidade e da capacidade de estabelecer relações sociais.

“Uma mãe habilidosa, disponível, gera um apego saudável”, diz Carmen. Assim, a criança que se sente atendida quando enfrenta uma dificuldade (como fome, frio, solidão…) tende a tornar-se um adulto mais confiante do que aquela que não teve seus apelos respondidos ou a que foi criada com um apego exagerado, obsessivo. “A mãe tem que ser boa no ponto certo.”

Díficil? Ninguém disse que era fácil. “A maioria fica no meio do caminho”, diz Carmen. “Por isso não somos todos psicopatas nem os seres mais seguros do mundo.” A fórmula da perfeição não existe, e a ansiedade por encontrá-la não ajuda. Cada mãe, com cada filho, vai encontrar seu jeito de construir – e curtir – essa jornada. “

DEPOIS DO PARTO

Tudo isso é normal.

(Dossiê Gravidez 386/Reprodução)

1. Eliminação de lóquios – Imediatamente

Começa a sair pela vagina uma secreção com sangue, muco e tecidos. O fluxo vai diminuindo de intensidade e dura até três meses.

2. Relação com o bebê – Imediatamente

Varia muito: de uma sensação de vínculo imediato a um estranhamento ou desinteresse.

3. Seios inchados e sensíveis – Três dias

O desconforto mamário provém do começo da produção de leite – até então, eles alimentaram o bebê com colostro, ou pré-leite, em pequena quantidade.

4. Eliminação de líquido – Duas semanas

O corpo elimina pela urina e pelo suor o líquido acumulado durante a gestação.

5. Encolhimento do útero – Seis semanas

Desde o parto, ele sofre contrações e passa de 1 quilo a cerca de 50 gramas – seu peso pré-gestação.

6. Primeira menstruação – De seis a 12 semanas

Essa é a média para quem não está amamentando. Para as lactantes, ela só deve ocorrer de quatro a seis meses depois – ou ainda mais além.

7. Queda de cabelos – De três a seis meses

Tudo que eles não caíram na gravidez, preservados pela pausa hormonal, vão cair agora — ou depois do desmame.

8. Início da separação emocional – De dois a três anos

Com o desenvolvimento da linguagem verbal, o bebê passa da fusão com a mãe à identificação de si mesmo como um ser separado.

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