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Depois do quark top. Para onde vai a Física?

Numa fantástica trombada subatômica dentro de um acelerador de laboratório, despontou o que todos procuravam: o quark top, a última das partículas fundamentais da matéria. O desafio foi vencido. E agora?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 30 jun 1994, 22h00

Thereza Venturoli

Quase vinte anos de teimosia valeram a pena. Os físicos esbarraram, enfim, no tão procurado quark top — última das seis partículas fundamentais que constituem toda matéria. Dessa família de seis, duas são os “tijolos” básicos de tudo o que nos cerca hoje: o up e o down. A Lua, uma caneta, um fio de cabelo — tudo é formado por esses dois quarks. Achá-los já não foi nada fácil. Outros três também já tinham sido descobertos. Problema maior foi encontrar o top, o último que faltava. É que o top não existe mais por aí. Ele apareceu e sumiu logo no início da formação do Universo. Hoje, só foi possível recriá-lo em um superpotente acelerador de partículas. Identificá-lo era um desafio e uma necessidade. Sem isso, tudo o que se imagina sobre a construção do Universo estaria em xeque. Pois bem: achou-se o top. O que mais há para se descobrir?

Pronto! Achou-se o top. E então? A Física já fez o que tinha de fazer?

Em 1897, a mesma pergunta foi feita, quando o inglês Joseph John Thomson anunciou que todo tipo de matéria continha componentes muito leves que ele batizou de “corpúsculos”. Eram os elétrons. Acreditando que seriam estas as porções mínimas da matéria, o mundo supôs que a Física tinha chegado a seu ponto final.

Ilusão. A primeira metade do século XX traria novas surpresas, como a descoberta da antimatéria — partículas idênticas ao elétron e ao próton, só que com carga elétrica inversa. Quer dizer: enquanto o próton tem carga positiva (+ 1), seu correspondente antipróton tem carga negativa (- 1). O mesmo acontece com o elétron, que tem carga (- 1), e seu oposto, o pósitron, de carga (+ 1).

Na década de 50, foram construídos os primeiros aceleradores de partículas. Promovendo trombadas e espatifando elétrons e prótons contra sua respectiva antimatéria, os físicos começaram a descobrir coisas novas. Por fim, no início dos anos 60, o americano Murray Gell-Mann propôs uma nova teoria: toda partícula é construída de “tijolos” básicos chamados quarks. Gell-Mann ganhou o Prêmio Nobel de 1969 pela idéia e a Ciência mergulhava mais e mais no mundo subatômico.

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Atrás de uma teoria sempre corre uma experiência. Vieram aceleradores de partículas cada vez mais potentes. Produzindo choques cada vez mais bombásticos, eles se transformaram em “maternidades de quarks”.

Foi de uma delas, o Fermilab (abreviatura em inglês para Laboratório Nacional do Acelerador Fermi), nos Estados Unidos, que, no final de abril, veio a grande notícia do ano — talvez da década. Uma equipe de 440 físicos e engenheiros de 36 instituições de pesquisa do mundo todo “viu”, nas intrincadas imagens das telas dos computadores, não um, mas uma dúzia de exemplares de quark top.

O top era a única partícula ligada à matéria que faltava ser descoberta para confirmar o chamado Modelo Padrão. “Isso quer dizer que, se as partículas observadas forem mesmo quarks top — e tudo indica que são — o que hoje imaginamos sobre a construção do Universo está correto”, comenta o físico Carlos Escobar, da Universidade de São Paulo (USP). O tal Modelo Padrão é, na verdade, um complexo de equações matemáticas que tenta explicar como interagem todos os tipos de matéria e de forças conhecidas. É o mapa que os físicos seguem na maior caçada científica da História — a busca de uma única teoria que explique o funcionamento do Cosmo.

O Modelo Padrão garante, entre outras coisas, que toda a matéria comum, a que conhecemos, tem como base apenas dois minúsculos blocos: os quarks up (para cima) e down (para baixo). É isso mesmo: no fantástico nível subatômico, não existe nenhuma diferença entre você, um dinossauro, esta folha de papel, esta manchinha de tinta aqui, ou o planeta Plutão. “Tudo é resultado da combinação de quarks”, afirma Carlos Escobar.

De quarks, Escobar entende: há dez anos, ele participa de pesquisas do Fermilab. Ao longo desse período, o físico de São Paulo passa pelo menos três meses por ano na sede do Fermilab, em Illinois. Atualmente, ele coordena, aqui no Brasil, a construção de um novo detector a ser usado a partir de meados de 1995, para estudar outro quark, o charm (charmoso). Um detector funciona como um “olho-mágico”, que “enxerga” as partículas produzidas dentro do acelerador.

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“Enxerga” é modo de dizer. Na verdade, ninguém nunca viu (e muito provavelmente jamais verá) que jeitão tem um quark. Ele é pequeno demais: não passa de 10 -16 centímetros (ou seja, um centímetro dividido por dez quatrilhões). E tem uma vida curtíssima: a maioria se desintegra praticamente no mesmo instante em que é criado. O recém-descoberto top, então, nem se fala — é o maior azougue de todos: não vive mais do que 10-23 segundos (um segundo dividido por 100 sextilhões)! Em seguida, ele começa a se transformar em outras partículas, cada vez mais duradouras.

Mas, o que fazem os detectores no meio dessa mutação infernal? Eles detectam os rastros deixados por esses “filhotes” de quark. A partir daí, os cientistas fazem cálculos estatísticos que permitem saber se o top apareceu ou não. No fim, o que existe é o sinal de que por ali “aconteceu” um quark top.

A identificação do top exigiu um imenso detector da altura de três an-dares e com 5 toneladas de peso, ape-lidado de CDF (não faça mau juízo: CDF, aqui, quer dizer Detector do Colisor do Fermilab). Depois, foi necessário provocar um trilhão de colisões entre prótons e antiprótons para localizar os tops — uma dúzia ao todo.

Parece pouco, mas pode ser até demais. Estatísticas do Modelo Padrão prevêem, com bastante exatidão, o número de candidatos que podem surgir de cada colisão. E candidatos em excesso de repente significam problemas. Os próprios descobridores calculam que existe ainda uma chance em quatrocentas de haver algum erro experimental — margem suficiente para a cautela da equipe em anunciar os resultados da pesquisa como “evidências”, e não exatamente uma descoberta. Eles esperam, para os próximos meses, a análise de novos dados, coletados também por outra equipe do Fermilab. São mais quatrocentos cientistas que pilotam outro detector em busca do top — o chamado D-zero.

Quark quer dizer… bem, não quer dizer absolutamente nada. O excêntrico nome dado às partículas fundamentais da matéria foi tirado por Gell-Mann de um trecho do romance do irlandês James Joyce (1882–1941), Finnegans Wake. A misteriosa frase “Três quarks para Muster Mark” saiu da literatura para desembestar no meio de superaceleradores.

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Alguns físicos arriscam um palpite: em alemão (Joyce conhecia bem essa língua), quark significa um tipo de queijo branco macio, com uma consistência de flocos. De uma certa maneira, isso passa a idéia de pequenos pedaços formando um todo. Seja lá o que for, a receita dos “três quarks” de James Joyce não serve apenas para “Muster Mark”. Segundo a teoria de Gell-Mann, cada próton e nêutron é construído exatamente de três dessas partículas — dois quarks up e um quark down no caso dos prótons, e um up e dois downs para o nêutron.

Bom humor e criatividade não faltam aos físicos. Além do up e do down, a exótica família inclui outros quatro quarks, todos com nomes no mínimo divertidos: os irmãos charm (charmoso) e strange (estranho), e o bottom (fundo), que faz par com o próprio top (topo) (veja quadro abaixo). De todos, o top é o mais difícil, justamente por ser o mais obeso do sexteto. Sozinho, pesa tanto quanto um átomo inteiro de ouro, ou seja, o equivalente a 237 quarks up e down, que constituem toda a matéria existente hoje no Universo.

O físico brasileiro Arthur Maciel, que trabalha atualmente no Fermilab, explica melhor: “O top tem vida muito curta justamente porque, para se manter pesadão, precisa de uma quantidade fantástica de energia, só disponível na natureza nas primeiras frações de segundos do Big Bang”. À medida que o Universo foi-se expandindo e resfriando, os quarks foram gradualmente se transformando em outras partículas, cada vez mais estáveis. Até que, quinze bilhões de anos depois do Big Bang, a temperatura do Cosmo só permite a sobrevivência dos quarks up e down. Os outros quatro andam aposentados.

“Por isso, os aceleradores funcionam como verdadeiros túneis do tempo”, compara Maciel. “Só nesse ambiente é que conseguimos reproduzir as altíssimas concentrações de energia do início do Universo.” O físico é um dos onze brasileiros que, junto com mais 400 cientistas, operam o detector D-zero que também busca o top. “Nossa equipe tem seus próprios top”, conta Maciel. De fato, a equipe do D-zero tem nas mãos oito bons candidatos a quarks top. “Mas esperamos alcançar, até meados de 1995, cerca de trinta, para publicar os resultados de nossas experiências e confirmar as evidências encontradas pela equipe do acelerador CDF, onde surgiram os top, em abril”.

O Modelo Padrão prevê alguma coisa mais para a matéria: a família dos léptons, que constituem a parte mais leve da matéria. O mais famoso deles é o nosso bem conhecido elétron, descoberto há quase 100 anos por Joseph Thomson. Mas existem outras cinco partículas.

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“A teoria afirma que o Universo é simétrico”, explica o carioca Gilvan Alves, físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no Rio de Janeiro. “Por isso, a confirmação do sexto e último quark garante que existem também seis léptons — nem mais nem menos”. Gilvan Alves é parceiro, aqui no Brasil, de Arthur Maciel. É ele quem analisa milhares de casos de colisão registrados pelo detector D-zero, lá do Fermilab, “peneirando” os melhores candidatos a quark top.

E depois, para onde vai a Física? “Estamos apenas no começo”, garante Gilvan Alves. “Achar o quark top era fundamental para confirmar o Modelo Padrão. Agora, com isso resolvido, podemos seguir em frente, para entender, finalmente, como todas as partículas interagem.”

Por que a matéria é como é, formada por quarks e léptons? O que deu a essas partículas massas tão diferentes? E que estranho fenômeno nos primórdios da história do Universo fez com que a matéria predominasse sobre a antimatéria? Eis as novas perguntas que passam a valer a partir de agora, adiando uma vez mais o fim da Física. A própria massa exagerada do top levanta novas suspeitas: será esta realmente a última partícula indivisível da matéria?

Há quem pense que não. Existem já cientistas no próprio Fermilab e em outros aceleradores, como o SLAC (Centro do Acelerador Linear de Stanford), na Califórnia, vasculhando o interior dos quarks e léptons. “A resposta a todas essas questões depende, em boa parte, da construção de aceleradores mais potentes do que os atuais”, esclarece Gilvan Alves.

E qual o benefício que o homem tira de toda essa busca, todo esse investimento em ciência pura? De imediato e prático, nenhum. Tudo não passa então de curiosidade? Pode ser. “Quando, em 1900, o inglês Ernest Rutherford bombardeou folhas de ouro com raios alfa e descobriu a estrutura do átomo, com elétrons girando ao redor do núcleo, tudo parecia pura curiosidade”, pondera Arthur Maciel. “Mais tarde, porém, o resultado dessa curiosidade mudaria a História.”

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Sem dúvida. Graças a Rutherford a bomba atômica seria possível. Mas também viriam os aparelhos de ressonância magnética usados em diagnósticos médicos. A Física prossegue — o uso que é feito dela depende, como sempre dependeu, menos da ciência e muito mais da política. Mas isso aí é uma outra história.

Para saber mais:

A estranha família do átomo

(SUPER número 3, ano 2)

Átomos à vista

(SUPER número 2, ano 3)

A luz dentro do túnel

(SUPER número 11, ano 3)

O charme dos átomos no espelho

(SUPER número 12, ano 5)

Nanotecnologia no coração da matéria

(SUPER número 5, ano 6)

O pulo do gato

(SUPER número 8, ano 10)

Para cada quark, existe um lépton. E vice-versa

Os quarks são considerados as partículas fundamentais da matéria porque constituem os prótons e os nêutrons, o núcleo do átomo. Mas, fora do núcleo, existe outra família de partículas — a dos léptons

A família dos quarks

Existem seis. Mas apenas dois, o up e o down, conseguem se manter inteiros na natureza, hoje. Os outros precisam de muito mais energia para sobreviver. Parece esquisito, mas todos eles têm carga elétrica de (- 1/3) ou (+ 2/3)

Up(pra cima)

O menor dos quarks tem um longo tempo de vida. Cada próton possui dois ups e cada nêutron, um

Charm (charmoso)

Só é criado dentro dos aceleradores e tem um tempo de vida brevíssimo: 10 -13 segundos

Top (topo)

O mais obeso dos quarks equivale a 237 quarks up e down. Vive apenas 10 -23 segundos

Down (pra baixo)

É o irmão do up e também parte fundamental da matéria. Cada próton tem um down e cada nêutron, dois

Strange (estranho)

O irmão do charm também não existe mais. Sobrevive muito pouco tempo nos aceleradores

Bottom (fundo)

Pesado demais para sobreviver no Universo de hoje. Nos aceleradores, dura só10 -13segundos

A família dos léptons

O pai-de-todos, o elétron, tem duas versões mais pesadas: o muon e o tau — todos com carga elétrica de (+1) ou (–1). Seus irmãos neutrinos são partículas mais exóticas: não possuem carga elétrica e não se sabe ainda se têm massa

Elétron

Presente em toda matéria comum, é responsável pela eletricidade e pelas reações químicas

Múon

Primo mais pesado do elétron, sobrevive nos aceleradores apenas dois milionésimos de segundo

Tau

O mais pesado de todos os léptons sobrevive por um período de tempo curtíssimo

Elétron neutrino

Possivelmente não tem nenhuma massa. A cada segundo, bilhões dessas partículas atravessam nosso corpo

Múon neutrino

Surge sempre junto com o múon, só nos raios cósmicos ou nos aceleradores de partículas

Tau neutrino

O irmão mais magro do tau ainda não foi descoberto, mas a teoria garante que ele existe

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