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Fim da linha para o câncer

Para os mais otimistas, a cura dos tumores malignos deve chegar em uma década. Mas o mais provável é que o monstro do câncer seja domesticado, tornando-se uma doença crônica

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 jul 2003, 22h00

Maria Emilia Kubrusly

O monstro chamado câncer – palavra que muitos supersticiosos evitam até pronunciar – será domado, se não abatido de vez nos próximos dez ou 12 anos. Os mais otimistas dizem que o avanço da tecnologia e o domínio da genética vai acabar com a doença brevemente. Prognósticos moderados dão conta de que o câncer deixará de ser fatal para se tornar uma doença crônica, com a qual o paciente poderá conviver por muitos anos, tratando dos sintomas e evitando seu agravamento. É mais ou menos o que ocorre hoje com a diabetes e a hipertensão. Além disso, daqui a dez anos, os tratamentos terão menos efeitos colaterais, haverá maior controle sobre a dor, os exames diagnósticos serão menos invasivos e a prevenção mais eficiente.

Ricardo Brentani, professor titular de Oncologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Hospital do Câncer A. C. Camargo, de São Paulo, está no time dos otimistas. Ele acredita que seja possível, sim, derrubar o câncer em dez anos. “Curamos, hoje, 67% dos pacientes no Hospital do Câncer, e esse índice só não é mais alto porque as pessoas, em geral, só nos procuram com a doença já em estágio avançado.”

A cura pode ser encontrada desde que existam as condições ideais – ou seja, muito, muito dinheiro – para pesquisas. Só para se ter uma idéia do quanto é esse “muito”: a pesquisa de uma nova droga contra o câncer, desde sua descoberta até que ela chegue ao consumidor, pode custar de 200 a 600 milhões de dólares. Em geral, os grandes laboratórios fazem associações para financiar esse trabalho precioso. Andrew C. von Eschenbach, diretor do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, acena com outra boa perspectiva: “Nunca tivemos tantas pesquisas sobre câncer e tantos recursos financeiros na história da pesquisa médica”.

É claro que ele está falando dos Estados Unidos, embora também haja pesquisas realizadas no Brasil – como, por exemplo, a da vacina curativa (veja infográfico), coordenada pelo imunologista José Alexandre Marzagão Barbuto, do Hospital Sírio-Libanês, e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Mas, como a maior parte dos remédios aprovados no Brasil são antes autorizados pelo FDA (o órgão norte-americano que testa, aprova e fiscaliza medicamentos), as boas novas de lá invariavelmente acabam aportando por aqui.

DOENÇA DE MIL CARAS

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Mas uma das maiores dificuldades para se pesquisar um tratamento definitivo ou uma cura total está na multiplicidade dessa doença. “Não se pode falar ‘o câncer’, e sim ‘os cânceres’, já que existem mais de 100 tipos diferentes”, diz Barbuto. “Trata-se de um conjunto de doenças com características diversificadas – que ainda variam de um indivíduo para outro, assim como cada um tem uma maneira particular de reagir a uma gripe – e alguns pontos em comum, como a perda do controle de erro.” Traduzindo: cada célula de nosso corpo carrega seu código genético (DNA), um manual de instruções, que deve ser seguido à risca cada vez que ocorre uma divisão celular. O DNA é uma fita dupla que, na divisão, se separa e faz outra fita idêntica. Se houver algum erro nessa divisão, o mecanismo de controle de erro é acionado. No processo de crescimento tumoral, porém, esse controle falha, assim como nosso sistema imunológico, que está preparado para detectar e eliminar qualquer coisa errada ou estranha a nosso corpo.

O câncer possui vários mecanismos de crescimento e de fuga – ou seja, para escapar ao reconhecimento e à ação do sistema imunológico. “O câncer ocorre por alteração genética e por seleção”, afirma Barbuto. Isso quer dizer que as células cancerosas – com alterações genéticas – que conseguem escapar do sistema imunológico são selecionadas e continuam se multiplicando, exatamente como ocorre no processo de evolução das espécies.

Os pesquisadores buscam drogas específicas para atingir cada mecanismo de fuga e de tratamentos individualizados (chamados tailor made, ou, numa tradução literal, feito por um alfaiate).

As pesquisas atuais envolvem a prevenção, o diagnóstico e o tratamento – três fatores que, se mais bem desenvolvidos, podem reduzir o número anual de mortes causadas pelo câncer, hoje, em todo o mundo: 4 milhões. A boa notícia é que algumas das novas drogas e tratamentos pesquisados já comprovaram sua eficiência e começaram a ser usados. O futuro está chegando.

O conforto do doente é a prioridade número 1 para os pesquisadores. “Um dos problemas mais urgentes nos tratamentos de câncer é o controle da dor. Ele se faz com medicamentos cada vez mais eficazes, que não interferem com as condições de alerta dos pacientes. Assim, espera-se que nos próximos anos os tratamentos e suas conseqüências continuem a molestar cada vez menos os pacientes”, afirma o médico Raul Cutait, professor de cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo.

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DATA-LIMITE: 2015

Reduzir os efeitos do sofrimento é o objetivo mais premente também nos Estados Unidos. O Instituto Nacional do Câncer estabeleceu o ano de 2015 como meta para se pôr fim à morte e ao sofrimento causados pela doença. “Atingimos um ponto de crescimento sem precedentes em três áreas relacionadas à pesquisa sobre câncer: conhecimento, tecnologia e recursos. Isso não significa que vamos curar o câncer, mas eliminar vários tipos e controlar os outros, permitindo que as pessoas vivam com a doença, em vez de morrer por causa dela”, afirma o médico Andrew C. von Eschenbach. O conhecimento a que ele se refere é o domínio do genoma – já que o câncer se origina em alterações genéticas – e da tecnologia.

OS TRÊS PILARES

“Acredito que o futuro da medicina no tratamento do câncer seja a prevenção e o diagnóstico precoce, juntamente com os tratamentos individualizados”, afirma Ricardo Brentani. A prevenção envolve dois pontos estratégicos: atitudes individuais em relação à saúde – deixar de fumar, praticar exercícios, cuidar da dieta, entre outras – e aconselhamento genético. Segundo Raul Cutait, “conhecer os genes e suas relações dentro do DNA foi um primeiro passo, e de fundamental importância. A identificação de alguns genes e suas mutações têm possibilitado definir populações de alto risco, como, por exemplo, famílias com câncer hereditário – em especial, cólon, reto e mama. Uma linha interessante de pesquisa é a de se relacionar determinadas alterações genéticas com a resposta a drogas quimioterápicas”.

Os exames diagnósticos vêm sendo pesquisados e desenvolvidos para atingir cada vez maior precisão e se tornar menos invasivos. “Há alguns anos, estiveram aqui pesquisadores da Nasa (Agência Espacial Americana) que estão estudando o uso de raios infravermelhos para detectar massas tumorais no organismo”, diz Brentani.

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E o tratamento individualizado a que ele se refere se faz necessário por causa de uma das características mais marcantes (e cruéis) do câncer: sua multiplicidade. Uma de nossas armas é o coquetel de medicamentos, também múltiplo. “Como o tumor aparece por diversas vias, com várias alterações genéticas e moleculares, torna-se interessante a combinação de diferentes drogas e tratamentos. Isso amplia a possibilidade de controle da doença”, diz o médico Hakaru Tadokoro, secretário-executivo do Grupo Multidisciplinar de Oncologia Clínica do Hospital São Paulo e professor da Faculdade de Medicina da Unifesp.

EXPERIÊNCIA FELIZ

A paciente Eliane (nome fictício), tratada pela médica Walquíria Tamerli, do Hospital Santa Cruz, já se beneficiou de uma nova droga, comercializada há pouco tempo no Brasil, o Gleevec. Aos 32 anos, ela descobriu que tinha um tumor no intestino e foi operada em Tóquio, onde vivia, no início do ano passado. O diagnóstico foi de leiomiossarcoma, um tipo raro de câncer de intestino, para o qual não há tratamento específico. De volta ao Brasil, procurou acompanhamento no Hospital Santa Cruz e fez quimioterapia. Não melhorou e ainda apresentou metástases (novos focos da doença) múltiplas no fígado, além de uma complicação chamada ascite – acúmulo de líquido na região abdominal. “Pedimos, então, a revisão das lâminas de seus exames e constatamos que o tumor, na verdade, era um outro tipo de câncer de intestino, o GIST (sigla em inglês para abreviatura de tumor do estroma gastrointestinal)”, diz Hakaru Tadokoro.

“Por meio de testes, vimos que seu tumor é sensível a uma nova substância, chamada Imatinib, que inibe aprodução das proteínas que alimentam o crescimento do tumor.”

Eliane começou, então, a tomar o Gleevec, cujo princípio ativo é o Imatinib, e teve o que se chama de cura parcial. A ascite sumiu, o tumor diminuiu e a metástase no fígado foi reduzida em 50%. Um ano e meio depois do diagnóstico, e de ter ficado de cama, incapaz de levar uma vida normal, Eliane retomou suas atividades. E se casou.

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Ela pode voltar a sofrer com a doença? Infelizmente, sim. Mas, quando um paciente fica livre do câncer por cinco anos após o diagnóstico e o tratamento, é considerado curado. Histórias como essas vão ser cada vez mais comuns – se não a maioria dos desenlaces de casos dessa enfermidade.

 

Como vai funcionar a vacina anticâncer

Material do tumor inserido em célula sadia desperta as defesas naturais

1. As células tumorais enganam o sistema imunológico. As células dendríticas, responsáveis por ativar as células de defesa, não reagem nesse ambiente

2. Células tumorais e dendríticas são fundidas em laboratório. Para formar a célula híbrida, os cientistas usam uma corrente elétrica de mil volts

3. A célula híbrida é injetada no organismo. É ela que avisa para o sistema imunológico que o tumor é um corpo estranho e deve ser destruído

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4. Desarmado o sistema de disfarce do câncer, as células de defesa do organismo conseguem reconhecer e atacar as células tumorais

 

A busca pela vacina

Pesquisas tentam driblar o mecanismo perverso do câncer

Há dois tipos de vacina sendo pesquisadas para o combate do câncer, direto ou indireto: as preventivas e as curativas. As preventivas não se destinam a evitar o surgimento dos tumores propriamente ditos, mas de doenças que possam evoluir para um quadro de câncer. Uma delas, já em uso, previne a hepatite B – enfermidade virótica que ataca o fígado e pode se tornar cancerígena. Outra está em fase final de pesquisa: ela visa a prevenção de determinados tipos de papilomavírus humano (HPV). A doença, que se manifesta por pequenas verrugas nos órgãos genitais, é considerada um fator de risco para o desenvolvimento de câncer no colo do útero e no pênis.

As vacinas curativas atuam quando a doença já está instalada no organismo. Elas estimulam o sistema imunológico do paciente a reconhecer e eliminar as células cancerígenas. Não se sabe ainda exatamente por que nosso corpo deixa escapar células cancerígenas. Segundo uma das hipóteses, ele simplesmente não as reconhece como um inimigo, por se tratar de células do próprio corpo.

Uma das vacinas pesquisadas busca alertar nossas defesas ao combinar elementos do tumor com células do sistema imunológico (veja infográfico acima). Em nosso organismo, há várias células capazes de apresentar antígenos (fatores estranhos ao corpo) aos leucócitos – os glóbulos brancos do sangue, capazes de eliminar elementos nocivos ou chamar aliados para fazê-lo. As mais eficientes são as chamadas células dendríticas. O método consiste em pegar uma célula, in vitro, e acrescentar a ela material do tumor, que funciona como antígeno.

 

As drogas do futuro

Novos rumos do tratamento do câncer excluem os efeitos danosos da químio e da radioterapia

Centenas de milhões de dólares são gastos anualmente na pesquisa de drogas contra o câncer. Infelizmente, a doença é capaz de criar sempre novos mecanismos de crescimento, caso o organismo consiga suprimir um deles. Por isso cada droga pesquisada visa combater um truque específico. “São as target therapies”, afirma o médico Frederico Costa, do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês. “Elas destroem as células tumorais, mas poupam as células normais.” Nos tratamentos convencionais, como quimioterapia e radioterapia, também são eliminadas células saudáveis, o que causa terríveis efeitos colaterais. Veja abaixo o que há de mais novo na pesquisa de substâncias contra o câncer:

INIBIDORES DE TIROSINA QUINASES:

Substâncias que bloqueiam a produção de proteínas necessárias para o crescimento do tumor. São as mais avançadas, hoje, na terapia do câncer, como Imatinib, ZD 1839, C225.

INIBIDORES DE ANGIOGÊNESE:

Os tumores criam uma rede de vasos sangüíneos, por meio da qual se alimentam e se espalham pelo organismo. Hoje, há drogas capazes de inibir esse processo (chamado angiogênese), “matando de fome” o tumor. A mais usada é a Talidomida. A substância, que já foi usada como sedativo, ganhou notoriedade macabra por provocar o nascimento de crianças deformadas quando tomada por mulheres grávidas.

INIBIDORES DE METALOPROTEASE (MMP):

São substâncias que atuam quando a célula tumoral invade estruturas de outros tecidos para iniciar uma metástase, ou quando inicia a angiogênese. Há várias em pesquisa, como a BMS 275921.

INIBIDORES DA FARNESIL TRANSFERASES:

São drogas que bloqueiam um dos processos de crescimento tumoral, chamado oncogênese “ras”. Em pesquisa: R 115777 e SCH 66336.

INIBIDORES DE COX:

Já utilizadas para alguns tipos específicos de câncer, como o de pulmão (que apresenta a mais alta taxa de mortalidade) e o de cólon. As chamadas drogas inibidoras de Cox-2 já são vendidas como antiinflamatórios e analgésicos, mas podem ser usadas na prevenção e no tratamento desses tumores.

MARCADORES DE APOPTOSE, MARCADORES DE CICLO E PROLIFERAÇÃO CELULAR E MARCADORES DE METILAÇÃO ABERRANTE DE DNA:

As células saudáveis realizam apoptose, ou seja, se suicidam, “sabem” a hora de morrer, já que novas células estão sempre sendo produzidas. Alterações genéticas impedem que as células tumorais morram, levando ao crescimento do câncer. Estão sendo pesquisadas drogas que interfiram nesse processo de alteração genética.

 

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