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Mecânica quântica, universos paralelos: a física de “Vingadores: Ultimato”

Saiu do cinema coçando a cabeça? Calma: Schrödinger vem te salvar. A SUPER explica, com ciência, como o plano – você sabe que plano é – dá certo.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 Maio 2023, 17h14 - Publicado em 29 abr 2019, 19h32

A SUPER nem precisa avisar que esta matéria é o maior poço de spoilers de Vingadores: Ultimato desde a embalagem de hambúrguer da thread abaixo. Se você não viu o filme ainda, só vai embora, por favor. Agradecemos a audiência, mas é para o seu bem.

Feito o aviso, vamos lá: Ultimato gira todo em torno de viagens no tempo. Mais do que isso: Ultimato é o primeiro filme da cultura pop que baseia suas viagens no tempo na hipótese do multiverso quântico. 

Antes de começar a divagação pela física teórica, façamos uma revisão rápida do enredo: no fim de Guerra Infinita, o vilão Thanos mata 50% dos seres vivos da Terra e então destrói as Joias do Infinito – que permitiriam reverter a situação.

5 anos depois, Scott Lang, o Homem-Formiga, escapa do mundo quântico e vai ao QG dos Vingadores. Como, da perspectiva de Lang, apenas 5 horas se passaram, ele levanta a hipótese de que o quantum realm permite viagens no tempo. Com uma mãozinha da teoria de Schrödinger e Heisenberg, seria possível coletar as Joias do Infinito na época em que elas ainda existiam – e virar o jogo.

Calha que é uma boa hipótese: Tony Stark dá um jeitinho brasileiro tecnológico (essa parte, claro, é pura fantasia), e logo os Vingadores estão usando o domínio microscópico para pular para lá e para cá no calendário, sem errar. 

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Há muitas modalidades de viagem no tempo diferentes na ficção: em De Volta para o Futuro, todas as ações dos personagens que viajaram ao passado alteram instantaneamente o presente. Até as fotos se apagam para refletir a nova realidade.

Já no Prisioneiro de Azkaban, o terceiro filme da saga Harry Potter, o que aconteceu, aconteceu. Não dá para apertar o reset. Quando a Hermione do presente arremessa um cascalho na cabeça do Harry do passado, é só porque ela já viveu aquilo – e está ciente de que deve dar a pedrada.

Em Vingadores, por outro lado, toda vez que o passado é alterado, surge um universo paralelo em que tudo ocorre de maneira diferente graças a essa alteração. Esse mecanismo – diferente do adotado por J.K. Rowling e Robert Zemeckis – não deriva da física clássica de Einstein, e sim, como já mencionado, da física quântica, da qual o próprio Einstein duvidou.

Para entender esse mecanismo, imagine que uma personagem que acabamos de inventar, a Ana, se arrependeu de começar um namoro com Gabriel e quer voltar no tempo para impedir si própria de conhecê-lo. Ela pretende furar o pneu do ônibus que Gabriel pegou para ir à faculdade naquela fatídica tarde de 2014. Assim, eles nunca teriam formado uma dupla na aula.

Se o plano desse certo no mundo de De Volta para o Futuro, assim que Ana retornasse a 2019, veria sua vida completamente mudada. No mundo de Harry Potter, por outro lado, o plano não daria certo: Ana descobriria que, naquela dia, o pneu furado foi justamente o que fez com que Gabriel chegasse um pouco atrasado à aula – e fosse obrigado a formar dupla com ela em vez de escolher um amigo próximo.

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Já na perspectiva quântica, Ana teria inaugurado um novo universo. Uma realidade paralela em que ela de fato não viveu com Gabriel – enquanto o outro universo, em que o namoro segue normalmente, continua existindo. Parece maluquice – é maluquice –, mas é uma consequência da maneira como o físico americano Hugh Everett III interpretou as equações de Niels Bohr (sim, o da sua aula de química) e Erwin Schrödinger (sim, o do gato). Calma que a gente explica.

O que é física quântica, afinal?

Ela é a única teoria que descreve de maneira bem sucedida o comportamento de átomos e das partículas menores que átomos – os quarks e elétrons que compõem os átomos, por exemplo, ou os fótons, as partículas que perfazem a luz. Se você tentar usar as equações da Relatividade de Einstein para explicar o que um elétron está fazendo, não vai dar certo. O mundo das coisas pequenas é inacessível às equações do alemão.

Isso porque é impossível determinar a posição de um elétron. O melhor que você pode fazer é criar uma espécie de gráfico que demonstra onde há maior ou menor probabilidade deste elétron estar em um determinado momento. A equação que gera essa gráfico foi a grande sacada de Erwin Schrödinger.

Essa é uma noção muito estranha, pois nada, na nossa experiência cotidiana, pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Se você está em casa, a probabilidade de que você esteja em casa é 100%, e de que você esteja fora de casa, 0%. Não dá para estar meio grávida, não dá para cometer meia infração de trânsito, não dá para estar 50% na cama e 50% no mercado.

Isso é tão verdade que até as próprias partículas concordam: quando você tenta estabelecer a posição de um elétron, ele imediatamente abandona sua incerteza e se manifesta em um lugar só. O gráfico, antes tão irregular, atinge 100% de garantia. Dureza: o mundo, na escala quântica, passa a perna nos cientistas. Quem descobriu que o elétron se nega a manifestar sua estranheza foi o dinamarquês Niels Bohr.

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O que Everett concluiu foi: de fato, é extremamente tosco supor que um elétron esteja em dois lugares ao mesmo tempo, ou que o observador veja a partícula em vários lugares ao mesmo tempo. Mas não é tão tosco assim pressupor que existem vários universos, e que cada um deles contêm o elétron em uma das posições possíveis. Ou seja: o Gato de Schrödinger está vivo em um universo, e morto em outro. Acabou o paradoxo.

Mais recentemente, um físico chamado David Deutsch juntou algumas possibilidades de viagem no tempo quântica com a ideia do multiverso – gerando um cenário teórico mais ou menos parecido com o do filme. E é esse o Deutsch mencionado por Tony Stark no começo do filme.

Tá bom, e os Vingadores?

Quando o Hulk do futuro chega a Nova York e pede a joia do tempo à Anciã, ele cria automaticamente um universo paralelo em que os eventos ocorreriam de maneira diferente: nessa linha do tempo alternativa, o Dr. Estranho jamais teria tido acesso à pedrinha verde, o que viraria o Universo Marvel de ponta-cabeça.

Por isso, é crucial que a joia do tempo (e todas as outras joias) sejam devolvidas ao ponto exato do passado de onde foram retiradas: não adianta nada você salvar seu próprio universo se você criar dezenas de universos paralelos que vão dar errado no processo. É isso, claro, que o Capitão América faz no final do filme. Essa é a sutileza do multiverso quântico.

Se nós estivéssemos lidando com viagens no tempo comuns, como as de Harry Potter ou de Doc Brown, no momento em que Hulk tirasse a joia do tempo da anciã ele teria danificado irremediavelmente seu próprio futuro – que está entrelaçado com o do Dr. Estranho. Mas com uma ajudinha de Schrödinger, dá pra fazer tudo dar certo.

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E dá pra viajar no tempo de verdade?

Não com física quântica.

Já na Teoria da Relatividade de Einstein – que, como já dissemos, explica o mundo em escalas maiores –, viagens no tempo não só são possíveis como são corriqueiras: toda vez que você entra em um ônibus para se deslocar pelas três dimensões do espaço – isto é, ir da sua casa até o trabalho ou o colégio –, o tempo necessariamente passa mais devagar da sua perspectiva do que da perspectiva de quem ficou parado.

Essa é uma ideia muito contraintuitiva, então vamos repetir com mais detalhes: o tempo é uma estrada que você é obrigado a percorrer. Nada que você faça pode impedi-lo de passar. Einstein descobriu que o tempo passa à velocidade da luz: 1,08 bilhão de quilômetros por hora. E essa é a velocidade máxima do Universo – nada pode ir mais rápido.

Ou seja: se você quiser se deslocar só um pouquinho nas três dimensões do espaço, você vai ser obrigado a tirar um pouquinho da sua velocidade no tempo e usá-la no espaço. E, quando você se desloca mais devagar no tempo, as pessoas que não se deslocaram envelhecem mais rápido que você.

Esse é o tipo de viagem no tempo de Interstelar, de Christopher Nolan. Ela só funciona no sentido do futuro: se você sair da Terra em uma nave espacial, passar um tempinho voando a uns 90% da velocidade da luz e depois voltar, verá que seus pais já morreram e seus filhos já estão na faculdade.

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Se você estiver com preguiça de arranjar uma nave que alcance a velocidade da luz, você pode simplesmente chegar perto de um corpo com uma gravidade muito, muito absurda – como uma estrela de nêutrons ou um buraco negro. A maneira como eles dobram o tecido do espaço-tempo terá um efeito análogo: fazer você percorrer o tempo mais lentamente (a explicação completa não cabe aqui, vá para este post).

A viabilidade técnica disso é próxima de zero. Mas que dá, dá.

 

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