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Mentes brilhantes

A nossa consciência é um dos grandes mistérios da humanidade.

Por Karin Hueck
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 21 jul 2011, 22h00

É um pequeno pedaço de rocha de quartzo de pouco menos de 6 centímetros. No alto está uma cabeça comprida, equilibrada em cima de uma barriga protuberante e ao lado de braços e pernas rechonchudos. Dependendo do ângulo de visão, ela parece ter a forma de um corpo de mulher – ou simplesmente de uma pedra gasta. Mas, para alguns arqueólogos, esse pedaço de rocha tem um valor inestimável: trata-se possivelmente da obra de arte mais antiga do mundo. A Vênus de Tan-Tan, encontrada na região do Marrocos que leva o mesmo nome, tem entre 300 mil e 500 mil anos de idade. Ela estava ao lado de ferramentas produzidas por hominídeos, provavelmente o Homo erectus, mas é muito mais importante -que as pontas de lança que a cercavam: é indício de um cérebro consciente. Para que o quartzo assumisse a forma humana, foi necessário que nosso “tataravô” o colhesse do chão e olhasse para ele com interesse o suficiente para alterá-lo com instrumentos até se parecer com uma mulher. Isso não é banal. É prova de que aquele ser já tinha uma percepção de si e do mundo. Foi um dos grandes momentos da humanidade: deixamos de ser animais e ganhamos consciência da nossa existência. Nada mais foi igual depois desse instante – criamos a arte, a religião, a empatia. Viramos humanos. E podemos estar próximos de mais um desses grandes períodos de virada, de mais um salto de consciência.

O conceito de consciência está na lista das questões mais difíceis da ciência, de mãos dadas com “o que havia antes do Big Bang?” Esse “eu” que mora dentro da sua cabeça, a vozinha com quem você conversa, parece ser inerente aos seres humanos – mas ela não esteve sempre lá. Pela definição clássica, bebês de até 2 anos não têm consciência ainda. Não se reconhecem em frente ao espelho, não sabem que vivem separados do ambiente ao redor. Da mesma forma, animais também são não-conscientes. Alguns, como os gorilas e os elefantes, até se reconhecem na frente do espelho, mas é impossível dizer que sabem quem são ou que é dor/amor/fome aquilo que sentem. Para a farmacologista de Oxford Susan Greenfield, a consciência depende do tamanho e do grau de desenvolvimento do cérebro – quanto maior, mais sofisticado será o pensamento. Por isso, bebês pequenos e animais não têm a mesma experiência que nós. Para Greenfield, é o número de neurônios ativos que determina o grau de consciência. E os neurônios ativos dependem dos estímulos externos no cérebro: imagens, sons, lembranças.

Desde quando o Homo erectus resolveu transformar a pedra em Vênus e mais tarde, por volta de 50 mil anos atrás, data em que evidências de arte e pinturas rupestres pipocaram por diversos cantos do planeta, nossa consciência foi sendo estimulada. Mas ela nem sempre está igual. Cientistas já descobriram que em diversas situações ela se configura de maneiras diferentes. A meditação é uma dessas maneiras. A história dos monges Tum-mo é famosa. Em um experimento conduzido por um cardiologista de Harvard, Herbert Benson, eles foram colocados para meditar dentro de uma geladeira frigorífica a temperaturas inferiores a zero grau, envoltos em panos molhados. Em vez de tremer ou entrar em hipotermia, em pouco tempo as cobertas estavam secas, e os monges continuavam aquecidos. Tudo com o poder da mente.

As características físicas da meditação são conhecidas faz tempo: respiração desacelerada, queda no metabolismo e nos batimentos cardíacos. Mas as consequências dessa sintonia de pensamento estão apenas começando a ser exploradas. “Podemos pensar no estado de consciência como um voo de avião. Quanto mais elevado você estiver, mais você enxerga o horizonte e vê a área ao redor”, diz Leonardo Mascaro, mestre em neurociência pela USP e praticante de meditação há 20 anos. Para Benson e Mascaro, qualquer um pode se beneficiar de um estado elevado como esse.

É coisa da sua cabeça

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Raymundo Vasconcelos é um matemático paulistano que sofria de estresse. Em 2002, a situação estava tão grave que tinha dificuldade para dormir e vivia com irritação constante. Quando resolveu tentar a meditação, o objetivo era reverter esse quadro – mas ele acabou indo mais longe. “É como se eu conseguisse controlar meus pensamentos. Meu foco passou a ser no agora, não mais no passado ou no futuro. Tenho uma atenção mais holística das coisas”, diz Vasconcelos. O estresse, claro, diminuiu, mas ele também passou a render mais no trabalho e começou a ter facilidade para aprender outras línguas. É como se tivesse passado por um salto de consciência – que ele agora consegue replicar o tempo todo. “Medito andando ou até conversando. Deixei de reagir aos meus pensamentos, agora sou eu que ajo”, diz Vasconcelos. Nem todos sentem a mudança da mesma forma, e a meditação não é a única maneira de chegar lá. Mas esse grau maior de conscientização (de si mesmo e do ambiente ao redor) traz consequências impressionantes. Todo mundo já sentiu isso em maior ou menor grau; um estado de estar plenamente ciente de seus atos e com o pensamento focado nas ações. Se fosse possível ficar nesse grau de concentração o tempo todo, sintomas como ansiedade e estresse sumiriam, e até mesmo a relação com os outros e o ambiente melhoraria.

O próximo passo agora seria imaginar o que aconteceria se esse processo, restrito hoje em dia a algumas poucas pessoas, fosse repetido por um grande número de indivíduos – sociedades inteiras. É o que imaginou um grupo de pensadores, animados com os resultados que o salto de consciência pode trazer. São pessoas filiadas ao Clube de Budapeste ou ao grupo World Shift, cuja missão principal é esclarecer que estamos chegando ao limite, como indivíduos e como espécie, e que precisamos mudar a relação com o mundo. “Quando uma espécie com alto nível de consciência, como o humano, chega ao limite de seus recursos, ela não precisa morrer. Ela pode mudar sua consciência. Com isso, teríamos outros valores e prioridades. Poderíamos viver de maneira sustentável”, escreveu em um artigo Ervin Laszlo, fundador do Clube de Budapeste. Sustentável, aqui, é mais do que ecologicamente correto – é menos ansioso, mais responsável pelos seus atos. A lógica deixa de ser a da competição e passa a ser a da colaboração. E já temos as ferramentas necessárias para colaborar: a troca de informações e experiências. Mal não pode fazer. Pode ser um caminho para mais um momento histórico – parecido com aquele do primeiro Homo erectus que viu significado na rocha e que nos tornou humanos.

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Para saber mais

How Humanity Came Into Being: The Evolution of Consciousness

Martin Lockley, Floris, 2010

Conscious Evolution: Awakening Our Social Potential

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Barbara Hubbard, New World Library, 1998

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