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Mistério no Lago Vostok

Cientistas acharam bactérias desconhecidas em amostras de gelo no fundo de um poço de 3 600 metros de profundidade na Antártida. Elas habitam o Lago Vostok, um mar de água doce isolado do mundo há mais de 30 milhões de anos. O último refúgio intocado da Terra abriga espécies inimaginadas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 30 abr 2000, 22h00

Flávio Dieguez

Esqueça os ETs de Marte, os das luas de Júpiter ou os dos planetas fora do Sistema Solar. Neste momento, os cientistas só falam das bactérias do gelo, encontradas aqui mesmo, na Antártida, em dezembro passado, pela equipe do biólogo americano John Priscu, da Universidade do Estado de Montana. “Apesar de não terem vindo de outro mundo”, como disse Priscu à SUPER, “elas lembram os seres que esperamos achar fora da Terra.”

Os micróbios desconhecidos evoluíram no hábitat mais remoto e desolado do planeta, onde nenhuma espécie já estudada pode sobreviver. Moram no Lago Vostok, um grande volume de água doce descoberto em 1995, 1 000 quilômetros a oeste do Pólo Sul, sob 3 720 metros de gelo. Foi o físico inglês Jeff Riddley, da Universidade College, de Londres, que detectou o lago analisando imagens de radar fotografadas do espaço pelo satélite inglês ERS-1. Depois de sua descoberta, cientistas do mundo inteiro voltaram a atenção para o Vostok.

As bactérias foram achadas no fundo de um poço que, desde os anos 80, cientistas russos abriam para estudar registros climáticos do passado – bem em cima do lago, mas sem saber de sua existência. Faltavam apenas 120 metros para chegar à superfície líquida quando o satélite a descobriu. Imediatamente, a perfuração foi interrompida para não contaminar o ecossistema virgem, que se supõe isolado do resto do mundo há 30 milhões de anos. E foi bem aí, a 3,6 quilômetros de profundidade, que as bactérias foram achadas, em água congelada do lago. Estavam endurecidas e sem atividade vital, o que não quer dizer mortas. Segundo Priscu, elas podem voltar a se agitar a qualquer momento.

“Até agora, as tentativas de reanimá-las fracassaram porque não sabemos como crescem e proliferam”, diz o cientista. Será preciso aprender mais sobre elas. Por enquanto são um enigma. Verificou-se apenas que possuem alguns genes similares aos de dois grupos de micróbios, as proteobactérias, que existem no solo, e os actinomicetes, que moram comumente na água. Só que o parentesco deve ser bem distante.

Um século para procriar

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“Os habitantes do Lago Vostok devem ter o organismo mais lento já visto”, afirmou à SUPER o microbiologista americano Jim Tiedje, da Universidade de Michigan. “Boa parte dos microrganismos se reproduz a uma velocidade estonteante. Geram um ser completo a cada 30 minutos”, explica. “Já as bactérias do Vostok devem ser hiper-retardadas. Procriam uma vez em um século.”

Explica-se: só assim elas poderiam crescer onde quase não há comida, pois pouquíssimos detritos minerais e orgânicos conseguem atravessar o cobertor branco do Pólo Sul e chegar lá embaixo. Também não podem extrair energia da luz, como fazem as plantas e a maioria dos germes conhecidos, pois moram na escuridão total.

Os cientistas especulam que os seres do Vostok existem graças ao escasso calor emanado do centro da Terra. Isso lhes daria força para, vagarosamente, digerir migalhas orgânicas de carbono e nitrogênio aprisionadas no gelo. Os alienígenas que se supõe existirem em Europa – a lua de Júpiter tão enregelada quanto a Antártida – podem ter evoluído da mesma forma precária.

Minirrobô vai mergulhar na água fria

Uma das descobertas mais importantes feitas pelos pesquisadores que estudam o Lago Vostok é que a água se acumula lá depois que o gelo sobre o solo rochoso se derrete, esmagado pelo seu próprio peso. A 3 600 metros de profundidade, a pressão é 350 vezes maior do que a da atmosfera, gerando um calor suficiente para manter a temperatura em torno de zero grau Celsius – quase 80 graus mais quente do que a céu aberto na Antártida.

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Em alguns pontos, entretanto, o termômetro esfria e a temperatura cai um pouco abaixo de zero. Com isso, o líquido volta a congelar (veja infográfico), o que acaba produzindo a circulação de água. “Analisando as imagens de radar, descobrimos que o lago está sempre trocando água com o gelo acima dele”, disse à SUPER o glaciologista inglês Martin Siegert, da Universidade de Bristol. “O processo é muito lento. Leva 10 000 anos para encher o Vostok por completo.”

Carona microscópica

Apesar da lentidão, a descoberta soou como alerta depois de ter sido publicada, em fevereiro, na revista inglesa Nature. É que, se a água circula, torna-se muito fácil contaminá-la por inteiro. Assim, o Comitê Científico de Pesquisas da Antártida – que reúne cientistas de 32 países e supervisiona todas os projetos de estudo no continente – decidiu que o lago só será abordado depois que for comprovado um método limpo, isto é, capaz de tirar amostras lá do fundo sem provocar alterações no ambiente aquático. Uma idéia é usar um minirrobô teleguiado que mergulhe e borrife anti-sépticos à sua volta – para impedir que micróbios da superfície entrem de carona no ecossistema desconhecido.

Só então será possível saber que mistérios, além das bactérias letárgicas, o Lago Vostok abriga. Pode haver bichos ainda mais inimaginados, como algas do gelo. Ou seres parecidos com medusas primitivas, as diatomáceas, um pouco mais do que gosmas vivas. “Será fascinante descobrir como a vida evoluiu e se adaptou a esse mundo insólito”, prevê o americano Jim Tiedje.

Base russa

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Na desolada Estação Vostok, na área russa da Antártida, cientistas escavaram um poço para estudar sinais do clima preservados no gelo. Depois de furar 3 600 metros, tiveram uma surpresa. Descobriu-se um lago, intacto, 120 metros mais abaixo.

Mar doce sob o gelo

Com 240 quilômetros de comprimento e 50 de largura, o equivalente à metade da área da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, o Vostok é um dos quinze maiores lagos do mundo. Esta imagem feita por radar mostra sua área sob o gelo. Está a 1 000 quilômetros do Pólo Sul. A cor amarela no mapa indica depressões no terreno

fdieguez@abril.com.br

Algo mais

O Lago Vostok não é o único sob o cobertor frígido da Antártida. Imagens feitas por radar mostram que há mais sessenta ou oitenta cavidades líquidas no continente. Apesar de serem bem menores, também podem abrigar seres minúsculos.

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Sob o manto branco

Veja como é o Lago Vostok, que até 1995 se escondia sob a crosta gélida da Antártida.

1. A pressão aqui embaixo é 350 vezes maior que a da atmosfera. Ela espreme o gelo e o aquece de 80 graus Celsius negativos até um pouco acima de zero grau.

2. Nesta margem, no lado sul do lago, o calor gerado pela alta pressão derrete o gelo. Por aí a água entra. Ela demora até 10 000 anos para encher a cavidade inteira.

3. No fundo do Vostok há lama e detritos orgânicos. Os cientistas acreditam que poderão encontrar aqui seres nunca vistos.

4. Uma parte do líquido permanece no Vostok até meio milhão de anos. Aqui, com o termômetro pouco abaixo de zero grau, a água que encosta no gelo volta a enrijecer, formando esta placa.

5. Como a crosta de gelo da Antártida escorrega sempre na direção do mar, o movimento arrasta com ele a água recongelada.

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Sonda profunda

No fim do túnel, as camadas de gelo tem 400 000 anos de idade. Sob pressão do gelo, o buraco tende a se fechar. Só continua aberto porque recebeu uma injeção de 60 toneladas de querosene. A composição molecular do líquido resiste ao esmagamento.

Seres gelados

Bactérias desconhecidas foram achadas nesta parte da placa, de água recongelada. Sua população chega a 1 000 exemplares por litro de gelo derretido. Em 1 litro d’água da superfície há 1 bilhão de exemplares. Parecem um chumaço de algodão.

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