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Orcas: Falsas assassinas

Dóceis, inteligentes, sociáveis, elas se movimentam em grupos liderados pelas fêmeas.

Por Neil G. McDaniel
Atualizado em 22 out 2019, 15h04 - Publicado em 30 abr 1994, 22h00

Ao observar um bando de orcas, com os dorsos negros reluzindo ao sol, nadando próximo à orla marítima, não se pode evitar um sentimento de puro enlevo diante de animais tão majestosos. É difícil acreditar que, quarenta anos atrás, as orcas eram consideradas a “pedra no sapato” dos pescadores e que as autoridades chegaram a elaborar planos para exterminá-las. O Departamento Canadense de Pesca pretendia montar uma metralhadora na costa da Colúmbia Britânica e abrir fogo contra as baleias que lhe passassem ao alcance. O plano, felizmente, jamais foi posto em prática. Nossa ignorância a respeito dessas magníficas criaturas também passou por drásticas alterações durante as últimas décadas.

No início dos anos 70, começaram a ser feitos levantamentos naquela região da costa canadense. As primeiras estimativas, baseadas na observação das baleias avistadas ao largo, ficavam em torno de 200. Pouco mais tarde, desenvolveu-se uma técnica de identificação fotográfica na Estação Biológica de Nanaimo, e a partir daí chegou-se a 300 baleias. Os estudos demonstraram também que elas formavam duas populações costeiras distintas, a do norte (no Estreito de Johnstone) e a do sul (no Estreito de Haro). Em cada uma dessas áreas, as orcas se movimentavam em cardumes ou bandos, grupos familiares que podiam abranger de alguns a cinqüenta exemplares.

Descobriu-se que os bandos tinham uma estrutura social do tipo matriarcal, isto é, os filhotes permaneciam na companhia das mães mesmo depois de chegarem à maturidade. Os bandos eram surpreendentemente estáveis e as mudanças ocorriam de forma notadamente vagarosa, indicando baixas taxas de natalidade e mortalidade. Percebeu-se também que as orcas têm vida longa; as fêmeas alcançam os 80 anos e os machos atingem 50 anos. Mais ou menos aos 10 anos de idade, as orcas chegam à maturidade: então, os machos estão com 6 metros de comprimento, e as fêmeas, com 5 metros. Os filhotes nascem após um período de gestação de dezesseis meses (que raramente gera gêmeos), e são amamentados durante um a dois anos. As fêmeas dão à luz, em média, a cada dez anos, mas algumas se reproduzem com uma freqüência bem maior, a cada três anos. Uma orca fêmea tem, geralmente, de quatro a seis filhotes em um período de 25 anos, ao fim dos quais pára de se reproduzir.

Os pesquisadores observaram também que, além da separação geográfica das populações do norte e do sul, as orcas formam dois bandos distintos: os “residentes” e os “transeuntes”. Os “residentes” permanecem em águas costeiras e preferem se alimentar de salmões e outros peixes. Esses grupos costumam ser grandes e, em geral, se encontram nas águas abrigadas da Ilha de Vancouver. Já as orcas “tran-seuntes” se reúnem em pequenos grupos na costa oeste da Ilha de Vancouver e em alto-mar, e se alimentam de focas, leões-marinhos e, de vez em quando, de outras baleias.

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O próximo passo dos pesquisadores foi gravar os sons que esses cetáceos emitiam debaixo d’água. Sabe-se que eles têm visão limitada, já que a água é quase sempre escura e turva. Em contrapartida, desenvolveram a capacidade de produzir sons de alta freqüência e de receber e interpretar os ecos. Chamados de biossonar, os sons são projetados da cabeça do animal para a água à frente. Todo obstáculo no caminho acaba por refleti-lo de volta, e o animal detecta o eco, formando uma “imagem” precisa de seus arredores imediatos.

O biossonar compõe-se de estalos curtos e potentes e sua freqüência muda de acordo com a localização dos alvos: quanto mais afastados, mais baixa é a freqüência; quanto mais próximos, mais alta a freqüência, que pode chegar a 200 estalos por segundo. Além desses, as chamadas baleias assassinas emitem outros ruídos: assobios, gritos, rosnados e sons esquisitos, que servem para estabelecer contato entre elas. Uma pesquisa realizada por John Ford, do Aquarium de Vancouver, revelou algumas interessantes descobertas sobre a comunicação social das orcas. Por exemplo: cada cardume conta com pelo menos alguns “chamados”, denominados “chamados discretos”, emitidos apenas por um bando. Acredita-se que tais chamados se desenvolvem devido ao isolamento social e são altamente estereotipados. Por meio deles, os componentes do grupo podem entrar em contato entre si à distância de até 15 quilômetros, mesmo que haja outros cardumes nas proximidades.

Os pesquisadores descobriram também que os bandos “residentes” das orcas do norte reúnem-se todos os verões no Estreito de Johnstone, uma passagem exígua que é rota migrató-ria de muitas espécies de salmão. Observando as orcas dessa região, descobriu-se uma área especial, próxima à costa, que foi apelidada de “praia de se coçar”. Câmeras subaquáticas registraram as orcas esfregando-se e coçando-se de encontro aos seixos arredondados do fundo do mar. Esse local sui generis está protegido, como parte da Reserva Biológica Robson Bight e Mike Bigg, para evitar que as orcas sejam perturbadas ao exercerem o justo direito de se coçar.

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Quando a primeira orca capturada na Colúmbia Britânica passou a ser exibida no Aquarium da cidade canadense de Vancouver, em 1964, começamos a apreciar esses animais e a aprender sobre eles. Até mesmo a denominação que receberam,“baleias assassinas”, lhes confere uma negativa e imerecida reputação de ferocidade. Na verdade, o nome surgiu inicialmente na forma de “assassinas de baleias”, por parte dos pescadores espanhóis do século XVIII, que observaram que as orcas caçavam em bandos e atacavam companheiras de outras espécies.

A captura das primeiras “baleias assassinas” deu margem a numerosas revelações. Descobrimos que essas enormes predadoras nada tinham de matadoras impiedosas: ao contrário, eram criaturas inteligentes e sensíveis, aprendiam rapidamente e não demonstravam nenhuma atitude agressiva em relação aos seres humanos. Mas sua captura e exibição terminou provocando uma intensa pressão sobre a população animal da costa oeste do Canadá. Entre 1965 e 1973, 48 exemplares dessas baleias foram capturados e vendidos, enquanto outros doze morreram durante essa operação. Nessa época, muito pouco se sabia a respeito das orcas, nem mesmo quantas existiam na região.

Observar essas baleias transformou-se em apelo da indústria turística na Colúmbia Britânica. É praticamente certo avistar orcas nos meses de verão, no Estreito de Johnstone — área que se tornou um dos principais centros mundiais de observação desses animais. Em todos os verões, milhares de visitantes saem em embarcações para olhar as orcas no seu habitat. Esse interesse, embora bem-intencionado, acabou dando origem a mais uma perturbação na vida dessas baleias. É que há dias em que dúzias de barcos dos mais variados tamanhos passam o tempo todo atrás delas enquanto se alimentam, brincam e repousam. Ainda não se sabe se essa intensa atividade realmente perturba as orcas, mas há indicações de que elas podem abandonar certos comportamentos naturais quando se acham rodeadas por um número excessivo de embarcações.

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Com o conhecimento e a compreensão cada vez maior que se tem sobre as maiores componentes da família dos golfinhos, surgiu também um apelo para se extinguir a captura e exibição desses mamíferos. Algumas instituições chegam a advogar a soltura de todas essas baleias que hoje se encontram cativas em aquários. Muitos especialistas, porém, ponderam que elas teriam pouca ou nenhuma chance de sobreviver em um ambiente natural no qual não têm experiência nem conexões sociais. Quarenta anos atrás, fizemos planos para matá-las. Hoje, temos grande estima pelas orcas, por serem mamíferos sociáveis e inteligentes. Foi rápida e radical nossa mudança de opinião a respeito da baleia chamada de assassina.

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