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Quando o cérebro não enxerga

Por Maurício Horta
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 19 Maio 2012, 22h00

De repente, não há mais diferença entre círculo e quadrado, palavras somem conforme são lidas, objetos perdem significado e não se sabe nem a diferença entre o rosto de um homem e o de um macaco. Conheça o surpreendente mundo dos agnósticos visuais – os cegos da mente.

Depois de fazer exames de reflexo de rotina, o professor de música P. tentava achar seus sapatos. Olhou para baixo e perguntou a seu neurologista, o britânico Oliver Sacks: “Este é meu sapato, não é?” Não, era seu pé. Em outro exame, olhou para uma foto com dunas no Saara e chutou: “Vejo um rio”. No fim da consulta, foi buscar seu chapéu e agarrou a cabeça de sua mulher, que olhava, já acostumada com a situação. E assim P. entrava para um dos livros mais famosos de Sacks, O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu.

P. não era ruim da cabeça – sua inteligência e seu bom humor o faziam ser respeitado por seus colegas e alunos. Tampouco havia algo de errado com seus olhos. Só que seu cérebro não conseguia entender o que os olhos viam. P. podia identificar um cubo, um dodecaedro, até mesmo caricaturas de gente famosa. Mas não tirava significado nenhum dessas formas. Uma luva era um “recipiente com 5 bolsinhas protuberantes”. Para identificá-la, só pegando na mão. Expressões faciais, então, simplesmente não existiam. P. tinha uma das várias formas de agnosia visual – um déficit neurológico que não permite ao cérebro reconhecer objetos pela visão.

 

 

Figuras sem sentido…

O tipo de agnosia visual de P. era a associativa. Nesses casos, o cérebro “enxerga” perfeitamente o objeto, mas não consegue encontrar o seu significado. É como se perdesse o acesso a uma biblioteca com informações sobre imagens. Não dá para dar nome às coisas nem agrupá-las por categoria.

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Diante de um estetoscópio, quem tem esse tipo de agnosia o descreve com perfeição: “Uma corda longa com uma coisa redonda no fim”. E o que ele é? “Talvez um relógio.” Não consegue dizer se a imagem de um cachorro é de um objeto animado ou não, muito menos se ele late ou pia. E um abridor de garrafas? Pode ser uma chave, uma ferramenta ou mesmo uma colher. Mas basta manusear o objeto, ouvir seus ruídos ou sentir seu cheiro para reconhecê-lo sem dificuldade. Afinal, os outros sentidos permanecem intactos. A incapacidade de reconhecimento é meramente visual.

Um teste impressionante para identificar esse transtorno neurológico é pedir para copiar um objeto. Como o paciente pode perceber perfeitamente as formas, apesar de não fazer ideia de seu significado, o desenho sai extremamente parecido com o original. E exatamente aí está o problema do agnóstico visual associativo. Ele copia os traços linha por linha, lentamente, por que seu cérebro manda copiar as formas que está vendo, em vez de dizer – “Hmm, isto é uma âncora. Então vou desenhar baseado na memória de como é uma âncora”.

Isso transforma o dia a dia num tormento – como o que aconteceu com Lílian, uma pianista de 67 anos que escreveu ao dr. Sacks após ler O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu. As coisas na geladeira precisavam ficar numa posição predeterminada – senão,ela precisava tatear tudo até achar o que procurava. Para reconhecer temperos, tinha que cheirá-los. E, para saber quantos ovos havia na geladeira, contava um por um – afinal, não era capaz de ver a “forma” correspondente a 8 ovos.

 

 

Agnosia Visual Associativa

O cérebro percebe perfeitamente as formas de um objeto, mas não consegue atribuir um significado à sua imagem. Uma bola de futebol é apenas uma esfera.

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…Ou sem forma

O jovem S. se intoxicou acidentalmente com monóxido de carbono. Após sua recuperação, tudo parecia normal nele – a fala, a memória, o raciocínio. Só a visão parecia estar comprometida de uma forma bizarra. Cores, tamanho, distância, textura, movimento de objetos. Tudo parecia perfeitamente normal. Exceto o reconhecimento de formas. Quando seu médico lhe mostrou uma folha com uma mancha azul e uma letra em branco no meio, S. só conseguiu especular: “Talvez uma cena na praia”.

Incapaz de identificar as formas, chutou pelas cores que o azul era o mar, o papel, a praia, e a letra, pessoas vistas de um avião. Ao ver uma garota de “capa de revista”, sacou que era uma mulher (afinal, não havia pelos nos braços), mas bastou seu médico pedir para mostrar onde ficavam os olhos para que ele apontasse direto para os mamilos.

A neurocientista Martha Farah, da Universidade da Pensilvânia, explica o que se passava. “A percepção de profundidade, velocidade, acuidade e cor exige uma computação considerável do córtex. Isso gera uma geleia visual rica, porém ainda sem forma”, diz. “Já a representação de objetos exige ainda um processo de agrupamento adicional.” É aí que os agnósticos da forma visual param. Não conseguem juntar esses elementos visuais e processá-los em contornos, superfícies e volumes. Eles sacam a matéria da qual uma coisa é feita, mas só isso.

O mais bizarro é que, enquanto não conseguem reconhecer um círculo desenhado num papel, percebem facilmente o movimento da caneta quando uma figura é desenhada. Ou seja, sua lesão atinge somente a percepção espacial, mas não a espaço-temporal. Se acompanhar com os olhos o contorno de uma letra, é capaz de entendê-la.

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Agnosia perceptiva
Não consegue perceber direito a forma dos objetos. Para esse cérebro, não há diferença entre um círculo e um quadrado.

 

Cegos para rostos
Quando Alice se despediu do ovo antropomórfico Humpty Dumpty em Alice Através do Espelho, ele lamentou: “Não vou reconhecê-la se nos virmos de novo. Seu rosto é igual a qualquer outro. Tem dois olhos, um nariz no meio, uma boca abaixo. Agora, se você tivesse os dois olhos no mesmo lado do nariz, ou a boca em cima de tudo, isso sim ajudaria”. Sem saber, Lewis Carroll descrevia a prosopagnosia – uma agnosia visual associativa que impede reconhecer rostos.

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O prosopagnóstico não tem dificuldade para identificar um objeto. Sabe o que é uma boca, um nariz, os olhos e os queixos. Isto é, jamais trocará a mulher por um chapéu – mas pode confundi-la com uma desconhecida qualquer.

Reconhecer um rosto envolve uma atividade cerebral específica, que vai além do que ocorre com objetos. Ela envolve 3 áreas – o sulco temporal superior, a área occipital facial e a área fusiforme facial. Quando a atividade nessas áreas é prejudicada, o prosopagnóstico não consegue identificar nem mesmo os parentes mais próximos. Para não perder a mulher em um supermercado, ela precisa vestir algo bem chamativo. Se os filhos tiverem idade muito próxima, vai diferenciar um do outro pelo jeito de andar ou pela voz. Em casos mais graves, não saca nem quem é a pessoa no espelho. Foi o que aconteceu com um assistente de museu de história natural, segundo relatou em 1979 o neurologista Andrew Kertesz: viu seu reflexo e achou que fosse um macaco.

Ao prosopagnóstico resta apenas identificar a pessoa por uma verruga, pelo formato do corpo, por acessórios, por cicatrizes ou pela postura. “Tais estratégias, conscientes e inconscientes, tornam-se tão automáticas que prosopagnósticos moderados podem nem sequer saber o quão ruim é o seu reconhecimento facial”, afirma Sacks, que só percebeu ter prosopagnosia aos 35 anos, quando um irmão que morava na Austrália disse também não reconhecer rostos.

Essa dificuldade leva a situações embaraçosas. “Festas, inclusive as minhas, são um desafio. Já fui acusado de ser ‘desligado’, o que é sem dúvida verdade. Mas acho que uma parte significativa do que chamam de minha ‘timidez’, ‘reclusão’, ‘inépcia social’, ‘excentricidade’ ou até ‘síndrome de Asperger’ é consequência e interpretação equivocada da minha dificuldade de reconher rostos.”

Uma grande diferença em relação a outras agnosias visuais é que, embora alguns pacientes se tornem propagnósticos depois de um acidente, a maioria é assim de nascença. E isso é impressionantemente comum. Segundo um estudo feito em 2006 pelo neurologista alemão Ingo Kennerknecht com 689 estudantes na Universidade de Münster, 2,5% eram incapazes de reconhecer rostos. Mas poucos prosopagnósticos chegam a visitar um neurologista. Tal como quem não vê cores desde o nascimento em geral não busca ajuda de oftalmologistas, eles são simplesmente assim, e pronto.

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Mas a pergunta mais fascinante não é por que eles não reconhecem rostos, e sim por que nós o fazemos. Essa é uma vantagem evolutiva dos primatas – humanos incluídos. Enquanto a maioria dos mamíferos reconhece os animais à sua volta pelo olfato, nosso cérebro usa áreas de reconhecimento facial superdesenvolvidas. Com isso, pudemos identificar amigos e inimigos à distância durante a caça e a coleta nas savanas africanas, independentemente da direção do vento.

Nos humanos, isso se desenvolveu muito mais. Nos traços da face, se expressam idade, sexo, beleza, identidade e emoções. “Bebês de dois meses e meio respondem com um sorriso a um rosto sorridente”, afirma Sacks. Ao fazer essa expressão de felicidade, a criança convida o adulto a interagir com ela, e assim começa o processo de socialização. “Para a psicanálise, é o primeiro objeto que adquire sentido e significado visual.” Não é de espantar que nascer sem essa capacidade termine em timidez e saias justas.

 

 

Prosopagnosia
Consegue reconhecer objetos, mas é incapaz de diferenciar rostos. Isso porque a face é processada em áreas específicas do cérebro, lesionada nos prosopagnósticos.

 

Um por vez
Um paciente de 68 anos da psicóloga Moyra Williams não tinha nenhuma dificuldade em identificar um objeto. As formas estavam ok, e os significados, também. O único problema é que ele só conseguia enxergar uma coisa de cada vez. Isso mesmo. Se Williams lhe desse 2, 3, 4 canetas, ele enxergaria só uma, estivesse ela ao lado, em cima, embaixo ou atrás das outras.

Por isso, mesmo capaz de enxergar, tropeçava em móveis e tateava seu caminho como se fosse completamente cego. Afinal, nunca via a paisagem por onde andava, apenas um sofá e, depois, uma cadeira, no meio do nada. O que ele tinha foi batizado de “simultanagnosia dorsal” – a incapacidade de ver mais de um objeto ao mesmo tempo.

Um dos testes mais surpreendentes de simultanagnosia foi descrito pelo neuropsicólogo soviético Alexander Luria em 1959. Luria mostrou para um paciente simultanagnóstico uma estrela de Davi em uma só cor. Não houve nenhuma dificuldade em reconhecer o desenho. Bastou desenhar um triângulo de cada cor, no entanto, para que a imagem virasse ora um triângulo azul, ora um vermelho, e jamais uma estrela.

A coisa não para por aí. Mesmo diante de um único objeto, o paciente pode vê-lo desaparecer se se focar demais em uma só parte dele. Foi o caso de uma paciente do neurologista Richard Tyler. Ao ver a imagem de uma jarra vertendo água num copo, ela olhou primeiro para sua asa. Tyler perguntou-lhe então o que enxergava, e a paciente chutou: “Uma maleta”. Só quando viu o copo percebeu que a asa não era uma alça.

Ou seja, o problema no simultanagnóstico não é apenas visualizar vários objetos ao mesmo tempo mas também identificar suas hierarquias. Desenhe, por exemplo, uma bicicleta. Num momento, ela é o objeto, e a roda, sua parte. Mas basta o paciente se concentrar na roda para que essa se torne o objeto – e não veja mais a bicicleta.

Ler também fica impossível. Pacientes conseguem até identificar uma palavra isolada, mas não uma frase. “Eles reclamam que palavras surgem na página, desaparecem e depois são trocadas por outros pedaços de texto, não necessariamente adjacentes ao anterior”, escreve a neurocientista Martha Farah. Contar objetos, então, nem pensar. Quando Luria mostrou para um paciente um retângulo formado por 6 pontos, não houve problema para reconhecer a figura geométrica. Mas contar os 6 pontinhos era impossível. Bastava começar a enumerá-los para deixar de ver a figura como um retângulo e encontrar pontos, um por vez.

 

 

Simultagnosia dorsal
Consegue reconhecer objetos, mas não ao mesmo tempo. Isso impede que se estabeleça uma referência espacial e cognitiva entre duas ou mais coisas.

Analfabeto imagético
O vice-diretor de uma escola britânica tinha apenas 27 anos quando uma hemorragia cerebral o for��ou a remover cirurgicamente um hematoma na região esquerda dos lobos temporal e occipital. Tudo parecia normal, exceto uma coisa: não podia mais ler direito. Continuava com o QI normal e soletrava sem dificuldade, mas, para ler as palavras, precisava falar letra por letra e reconstruí-las pelos sons.

Ou seja, ele conseguia se focar em um único objeto por vez. Só que havia aí uma grande diferença em relação à simultanagnosia dorsal: não é que ele não conseguisse enxergar vários objetos ao mesmo tempo. Isso ele até fazia sem problemas. A dificuldade era na hora de reconhecer esses objetos. Só dava para compreender um por vez. Ele tinha outro tipo de simultanagnosia: a ventral.

Quem tem esse déficit consegue andar por aí sem tropeçar em objetos e contar moedas espalhadas sem se perder. O bizarro é que nem para escrever há dificuldade – afinal, fazemos isso letra por letra. “A única atividade crucial do cotidiano que não consegue fazer é ler”, afirma Martha Farah. Isso porque, na leitura, entendemos as várias letras de uma palavra ao mesmo tempo. Já o simultanagnóstico precisa ir de letra por letra. Por isso, são conhecidos também como “aléxicos puros” – incapazes de ler palavras, apesar de não ter nenhum déficit de linguagem nem outros problemas visuais.

 

 

Simultanagnosia ventral
Consegue ver vários objetos ao mesmo tempo, mas só consegue atribuir significado a um de cada vez. Sua principal dificuldade é na hora de ler, embora consiga escrever bem.

Esquerda, volver
Um derrame afetou gravemente o hemisfério direito do cérebro da sr. S., paciente de Oliver Sacks. No hospital, ela reclamava que enfermeiras não lhe serviam sobremesa ou café e que seu prato sempre vinha com muito pouca comida. Por mais que as funcionárias lhe dissessem que tinham, sim, servido tudo certinho e que bastava olhar para a esquerda, a sr. S. não obedecia. Até que elas dessem uma meia-volta na bandeja.

A senhora S. sofria de hemi-inatenção visual – um déficit neurológico que faz o paciente enxergar apenas um lado do campo visual. Em geral, ele acontece no lado esquerdo do mundo visual, em decorrência de um dano do lobo parietal direito, região responsável pelo reconhecimento do próprio corpo. Por isso, é comum que o hemi-inatento se barbeie ou se maqueie apenas do lado direito. Se for comer algo no prato, vai em geral deixar o lado esquerdo cheio.

S. acabou criando algumas estratégias para conviver com sua deficiência. “Quando suas porções parecem pequenas demais, ela gira para a direita, mantendo os olhos à direita, até que metade da metade antes não encontrada fique à vista. Se não estiver saciada (…), fará uma 2ª rotação até que a 4ª parte restante fique à vista”, escreve Sacks. Não bastaria girar o prato, em vez de a si mesma? Sim. “Mas é estranhamente difícil. Já girar na cadeira parece mais natural”.

 

 

Hemi-inatenção visual
Só consegue ver um lado do campo visual, em geral o esquerdo, por causa de lesões no lobo parietal direito.

2,5% das pessoas são incapazes de reconhecer rostos desde a infância, muito mais comum que a prosopagnosia adquirida. Já outras agnosias visuais são em geral causadas por acidentes, como derrames e intoxicações.

 

 

O percurso da imagem
A sua retina é quem capta as imagens no seu olho. Mas, até você as perceber e reconhecer, elas precisam vencer um tortuoso caminho

1. A câmera
No fundo do olho, os fotorreceptores da retina retêm imagens e as transformam em impulsos elétricos, depois transmitidos pelo nervo óptico em direção ao cérebro.

2. O cabeamento
No cérebro, os nervos ópticos se cruzam no “quiasma óptico”. Lá, a imagem do lado direito do campo visual dos dois olhos é desviada para o lado esquerdo do cérebro, e vice-versa. A partir daqui, os neurônios são distribuídos para regiões que controlam o corpo de acordo com a luz e outras que processam a imagem.

3. Hardware
No “andar de baixo” do cérebro, a luminosidade interfere fisicamente no nosso corpo.

• O hipotálamo, que controla nosso metabolismo, regula o “relógio biológico” de acordo com a luz.

• O pré-teto controla os músculos da íris para contrair e dilatá-la conforme a intensidade da luz que atinge o olho.

• O colículo superior orienta os movimentos da cabeça em função do alvo em que nós fixamos o olhar.

4. Software
A informação vai até o córtex visual primário, no lobo occipital. Lá se organizam as informações visuais – o campo visual superior e o inferior, as imagens vistas por ambos os olhos (para formar a visão 3D), as formadas na periferia do campo visual e os objetos em que nos focamos.

5. Plug-ins
Uma vez percebidas essas imagens, as informações seguem para as regiões vizinhas do córtex primário visual:

• O córtex extraestriado detecta as cores.

• A área mesotemporal detecta movimentos.

• O lobo parietal é responsável pela percepção espacial.

• O lobo temporal reconhece o objeto.

 

 

A mulher que via em 2 dimensões
Aos dois anos, Susan Barry passou por sua primeira cirurgia para corrigir um estrabismo. Desde então nunca se deu conta de que havia algo de muito diferente na sua visão – até assistir a uma aula de neurofisiolgia no último ano de graduação.

Enquanto comentava um experimento com gatos estrábicos, seu professor mencionou que o cérebro desses bichanos provavelmente já estava conectado de tal forma que só processava imagens em duas dimensões. Intrigada, Susan correu para a biblioteca para fazer testes de visão em 3D – e falhou em todos. Descobriu que vivia em um mundo bidimensional.

Isso aconteceu porque o mau alinhamento de seus olhos na infância impediu que as células cerebrais responsáveis pela visão binocular se desenvolvessem normalmente. Como todo mundo sabe, para ver em 3D é necessário compor uma imagem a partir da diferença entre duas outras captadas em ângulos diferentes. Mas os ângulos dos olhos estrábicos não “prestavam” isso. Por isso, seu cérebro ignorava um dos olhos.

A visão sem profundidade não impediu Susan de seguir uma vida normal. Ela aprendeu a dirigir, concluiu seu doutorado na Universidade de Princeton e se casou com o astronauta Dan Barry, com quem trabalhou na Nasa. E não é de surpreender. Embora o mundo tridimensional seja mais bacana, não há grandes prejuízos práticos em ver as coisas chapados. Por exemplo, mesmo com um único olho, o americano Willey Post conseguiu ser o primeiro piloto a dar a volta o mundo non-stop.

Como isso é possível? Simples. Enquanto só a estereopsia (nome feio para visão 3D) permite ao cérebro perceber a profundidade, outras dicas também permitem avaliá-la. Como num filme, a visão bidimensional também processa a perspectiva, as sombras, a sobreposição de objetos mais próximos, a diferença da velocidade com que objetos mais distantes se movem em relação aos mais próximos.

E assim Susan seguiu com sua vida normalmente – até que, aos 48 anos, começou a ter outros problemas de visão. Os músculos dos olhos se cansavam mais depressa e o mundo parecia tremular quando olhava de longe.

Quando foi ao oftalmologista, descobriu que tinha um desvio do campo visual do olho esquerdo. Além de colocar em seus óculos um prisma que corrigia esse desvio, começou a fazer terapia visual. Foi então que algo surpreendente aconteceu com ela.

A direção do carro saltou inesperadamente do painel. Outro dia, o retrovisor pulou à frente do parabrisa. Depois, a porta de seu escritório parecia projetar-se em sua direção. Um espaço surgiu entre seu prato e o garfo. O esqueleto de um cavalo no subsolo do prédio onde trabalha pareceu tão saliente que precisou pular para trás. Tudo parecia tão novo que Sue chegou a dar umas escapadas do trabalho só para ver plantas e flores em diferentes ângulos.

A medicina ainda não sabe exatamente se os neurônios especializados na esteropsia estão presentes desde o nascimento nem o que acontece com eles se o paciente não experimentar a visão binocular no início da vida.

Tampouco se sabe se essas células podem se recuperar mais tarde se o indivíduo aprender a posicionar os olhos para ter a visão binocular. Mas Sue conseguiu recuperar o que antes se acreditava impossível.

 

 

Para saber mais

O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu
Oliver Sacks, Companhia das Letras, 2010

O Olhar da Mente
Oliver Sacks, Companhia das Letras, 2010.

Visual Agnosia (sem tradução para o português)
Martha J. Farah, MIT Press, 2004.

Fixing My Gaze
Susan Barry, Basic Books, 2009.

www.faceblind.org
Centros de Propagnosia das universidades Harvard e College de Londres.

 

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