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Santo cafezinho, a bebida que faz bem

Antes, era uma tentação, um pecado: na xicrinha soltando fumaça, a bebida cheirosa prometia prazer, mas também ameaçava com insônia e problemas cardíacos. Agora, aquele tempo passou. Novos estudos provam que o café só faz bem.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h03 - Publicado em 31 jul 1994, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

A bronca é quase sempre assim: “Menino, larga isso, café não é pra criança!” Mas, agora, no que depender de doze pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro essa história vai mudar. A partir deste mês, eles iniciam uma peregrinação por todas as escolas do primeiro grau da rede pública fluminense, levando junto uma máquina capaz de fazer 21 expressos de uma só vez, carregada com pó para servir 300 xícaras.

A meta é oferecer um fumegante cafezinho para 50000 estudantes entre 7 e 15 anos de idade. Pois a bebida, que era proibida para menores, pode elevar o QI da garotada. Para conferir essa tese, vão ser aplicados testes de inteligência antes e depois da beberagem. “Após o café, os resultados dos testes devem melhorar cerca de 5%”, estima o professor Darcy Lima, da UFRJ. “Por enquanto, já existe a certeza de que o hábito do cafezinho facilita o aprendizado e a prática de esportes. Além de ajudar na prevenção às drogas.”

Exagero? Pode parecer que sim. Mas representantes de alguns dos mais respeitados laboratórios do mundo concordam com ele. Não faltam trabalhos sobre as boas ações da cafeína, componente do café. Esses novos estudos derrubam a sua velha fama de vilã, provando que, em doses controladas, ela não prejudica o organismo de crianças. Ao contrário, só faz bem. Tanto assim que, no Japão, diversas escolas estão incluindo café na merenda. Aqui, a moda pode pegar, começando pelo Rio de Janeiro.

Um segundo depois de ser engolido, o café começa a agir: mal encosta nas paredes do estômago e já vai provocando a secreção do suco gástrico. Para quem tem úlcera, o efeito é doloroso. Mas, para a maioria das pessoas, ele é bem-vindo, especialmente após as refeições. Pois o aumento do líqüido estomacal apressa a digestão.

Os benefícios de um simples cafezinho não param por aí. Em cerca de trinta minutos, suas moléculas começam a ser absorvidas, caindo no sangue. Ali ficam, arrastadas pela circulação, durante um período de três a sete horas, até serem eliminadas. Ao passar pelos músculos, estimulam os nervos, aumentando a coordenação motora. Nas voltas pelo corpo, porém, a escala mais importante é o cérebro. A cafeína induz a produção da chamada noradrenalina — substância que ativa o estado de alerta. Toda vez que se presta atenção em alguma coisa, por exemplo, há muita noradrenalina jorrando entre as células cerebrais.

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Provavelmente, a relação entre a cafeína e a noradrenalina explica a informação divulgada no ano passado por médicos do Instituto de Psiquiatria de Londres, na Inglaterra. Segundo eles, quem bebe café diariamente chega a elevar a sua capacidade de raciocínio entre 4% ou 5%. A memória melhora na mesma proporção. Eles afirmaram isso com base no exame de 7 000 pacientes.

No Brasil, o médico Darcy Lima, da UFRJ, obteve resultados semelhantes, analisando 2 450 pessoas. Ele investiga a ação do cafezinho há doze anos, sem vínculo com produtores, patrocinado exclusivamente por instituições de pesquisa. Em 1989, Lima descobriu um segredo importante: por que todo fumante tem mania de tomar café enquanto traga um cigarro. “Nos pulmões, a cafeína relaxa determinados músculos, dilatando os brônquios, os canais pulmonares por onde passa o ar”, explica. “Com isso, ela compensa tanto a contração provocada pelas crises asmáticas como a causada pelo tabaco.” Daí a associação entre o prazer do cafezinho e o cigarro.

Além disso, os bebedores de café tendem a fumar menos do que os tabagistas não-consumidores da bebida. Entre os dependentes de tóxicos, por sua vez, os apreciadores de um bom cafezinho apelam para as drogas com menos freqüência. Até hoje não se sabe direito por que isso acontece. “Parece haver algo que, durante certo tempo, aplaca a vontade de cheirar mais cocaína”, observou Darcy Lima em seus pacientes. Atualmente, os médicos do Hospital Johns Hopkins, um dos maiores dos Estados Unidos, estão usando pastilhas de cafeína concentrada no tratamento de drogados.

Mas será que é mesmo a cafeína a responsável por tudo isso? Provavelmente não. Ela acaba recebendo os louros — e as críticas — por ser a substância mais estudada da infusão. No entanto, existem mais de 100 componentes no café e há indícios de que muitos deles têm efeitos medicinais importantes.

Há quatro anos, cientistas australianos notaram uma molécula, diferente da cafeína, que atua nos receptores opióides, espécies de fechaduras nas células cerebrais. Quando algo se encaixa nesses receptores é como se fosse apertada uma tecla no cérebro, ativando sensações de prazer e de saciedade. Existem receptores opióides específicos para moléculas de maconha, de cocaína, de álcool e de nicotina, entre outras. A misteriosa molécula do café, porém, encaixa-se em todos eles, como uma chave mestra. Resultado: nas poucas horas em que permanece no cérebro, antes de ser degradada, ela literalmente ocupa o lugar da droga, freando o desejo de consumi-la. Resta identificar a tal molécula e saber em qual café ela é mais comum.

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Pois o cafeeiro é uma planta cheia de manhas: “A menor alteração de clima e de solo altera a proporção dos componentes nos grãos”, explica Américo Sato, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Café (ABIC). “A mesma espécie que se planta em São Paulo pode ter um sabor completamente diferente, quando cresce no Cerrado mineiro”, exemplifica. “Até mesmo o jeito de colher pode mudar a sua química.”

As boas notícias sobre o café ainda não conseguem arrancar das pessoas o temor que vem do coração. Virou senso comum achar que cafezinho causa infarto. No ano passado, porém, o Instituto de Estudos Farmacológicos de Milão apresentou dados capazes de tranqüilizar os consumidores mais receosos. Segundo os cientistas italianos, pessoas cardíacas podem tomar até 250 miligramas de cafeína por dia (aproximadamente cinco xicrinhas das nossas). Acima dessa dosagem, a substância pode, de fato, agravar os casos de hipertensão. Nada que deva preocupar quem tem pressão normal: nessas pessoas, o aumento costuma ser de apenas três décimos. A diferença, dentro da normalidade, está longe de preocupar. Por isso, são permitidos até 600 miligramas de cafeína aos adultos sadios (cerca de doze xícaras). As crianças devem tomar doses menores, conforme a idade.

A quantidade exata de cafeína aumenta conforme a quantidade de pó usada no preparo. O cafezinho típico brasileiro — assim como o dos franceses e italianos — tem, em média, 1 miligrama de cafeína por mililitro. Pode-se considerar 50 miligramas de cafeína por xicrinha, 2,8 vezes mais do que o café preparado nos Estados Unidos ou na Alemanha, países que preferem uma bebida mais aguada, prima distante do chá (o que a gente considera um legítimo “chafé”).

O principal diferenciador, contudo, é o blend, a mistura de grãos diferentes, cuja receita é guardada a sete chaves pelos industriais. Basicamente, o café se divide em duas espécies. O chamado robusta chega a ter 2% de cafeína em sua composição. O segundo tipo, chamado arábico, contém de 1% a 1,5%. “A maioria dos fabricantes brasileiros inclui o café robusta em seus produtos”, conta o corretor de café Wilson Ramos, de São Paulo. Uma das razões é que essa espécie solta muita tinta. Com isso, o consumidor tem a ilusão de que o pó rende mais. “Outro motivo, no entanto, é que o robusta forma a espuma, fundamental para a aparência dos expressos”, diz Ramos.

Se o robusta contribui com muita cafeína, em compensação não acrescenta nada ao sabor. Seu gosto é o que os especialistas definem como neutro. “O que o paladar sente como café, na realidade, vem do arábica”, explica Luís Roberto Gonçalves, diretor da Café do Ponto. “O que não significa que todos os pós de café sejam iguais. Há mais diferença entre eles do que entre marcas de uísque.” Gonçalves fala sério.

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Existe a chamada bebida mole, com gosto adocicado. Apesar de ser considerada a mais nobre de todas, representa apenas 2% da produção nacional. A bebida dura, com sabor forte e encorpado, é consumida principalmente no Sul e Sudeste. Vinte por cento de todo o café brasileiro é desse tipo. O restante é classificado como riado ou rio zona. Tem substâncias adstringentes, que fazem o gosto “pegar” na língua. Tecnicamente, é inferior. É aquele cafezinho com aroma tão forte que se espalha pelo ar, chegando à casa do vizinho. Mais barato, mais cheiroso, e também faz bem.

Para saber mais:

Deixando de fumar

(SUPER número 7, ano 2)

Como o brasileiro se alimenta

(SUPER número 6, ano 5)

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Drogas: uma viagem pelo corpo humano

(SUPER número 3, ano 6)

Fuga do beco sem saída

(SUPER número 4, ano 6)

Um vândalo no estômago

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(SUPER número 5, ano 8)

A colheita

É a parte mais importante da produção. Na Colômbia e na Costa Rica — cujos cafés estão entre os melhores do mundo —, os colhedores escolhem um a um os frutos vermelhos e maduros. No Brasil, porém, usa-se uma técnica chamada derriça: ao passar a mão no galho, de cima para baixo, o colhedor arranca os frutos de uma só vez. Entre os maduros, há sempre um ou outro ainda verde

A secagem

O mais comum é deixar o café colhido em imensos terreiros, secando ao sol, durante uns quinze dias. Depois de seco, fica fácil retirar a casca, separando os grãos.

Existe, ainda, o método da via úmida: os cafés são mergulhados em água quente, para a retirada da polpa. Desse jeito, torna-se mais rara a formação de compostos químicos capazes de prejudicar o sabor da bebida

A prova

Valdeci Pontes, da empresa Café do Ponto, toma 100 cafés por dia. Todas as indústrias têm o seu provador. Quando os grãos chegam à fábrica, ele põe um punhado na água quente e prova. Depois, testa o produto final

A estocagem

Só seguem para a estocagem os cafés com qualidade aprovada. Dentro das sacas, nunca pode haver mais de 1% de impurezas. Afora isso, os cafés se dividem em oito tipos, conforme a proporção de grãos defeituosos, como os imaturos ou com fungos. Na prática, são encontrados no mercado cafés do tipo 4 (com 4,5 % de grãos com defeitos) ao tipo 8 (com 25% a 30% de grãos defeituosos)

A torrefação

Mais torrado, menos torrado — isso não é fundamental para deixar o café com gosto forte ou suave. O que realmente importa é a combinação de grãos de procedências diferentes, que dá a característica de cada marca. Os cafés são misturados na imensa torradeira, onde podem ser acrescentadas as essências usadas nos aromatizados, lançados há um ano no mercado brasileiro

Enfim, moído

Saído dos moedores, o café é embalado. O Brasil consome 600 milhões de pacotes de 1 quilo por ano, o que dá para fazer 48 bilhões de xicrinhas. Está em terceiro lugar, perdendo para os Estados Unidos, em primeiro, e para a Alemanha

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