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A liberdade no mundo dos computadores

A Revolução Industrial do século XVIII impôs economias de escala e concentrou o poder. A Revolução das informações, no final do século XX, impõe economias de microescala e dispersa o poder.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 30 nov 1990, 22h00

A revolução Industrial do século XVIII impôs economias de escala e concentrou o poder. A revolução das informações, no final do século XX, impõe economias de microescala e dispersa o poder.À medida que nos aproximamos do século XXI, estamos entrando na era do quantum na economia e na tecnologia. A física Quântica é uma teoria complexa e minuciosa da natureza da realidade física, mas pode ser resumida numa proposição simples: a derrubada da matéria. Com a teoria quântica, a crença de que toda a realidade pode ser explicada pela interação entre partículas materiais foi abandonada. Um dos acontecimentos intelectuais mais importantes de nosso século, esse conceito está agora transformando a economia e a geopolítica.

A teoria anterior – a Física newtoniana – havia entronizado a matéria. Toda a realidade newtoniana consistia em “duras partículas impenetráveis de massa”, como os sólidos percebidos pelos sentidos humanos. A teoria quântica mostra que as partículas de Newton provêm de outro domínio, no qual as leis por ele enunciadas são inaplicáveis e a evidencia sensorial é irrelevante. O átomo da teoria quântica não é uma “partícula maciça”, mas um quantum de informações. Define a possibilidade de se encontrar uma entidade quântica em determinado ponto. Mas essa entidade pode aparecer simultaneamente em outro ponto. Não sendo local, e interferindo como uma onda em impacto em vez de colidir como uma partícula, essa entidade é menos uma coisa do que um pensamento. A derrubada dos sólidos de Newton representou um momento copernicano na história moderna. No início do século XVI, Copérnico deslocou a Terra do centro do Universo. No início deste século, a Física Quântica deslocou os sentidos humanos da posição de teste central para percepção da realidade. A Física newtoniana era inteligível para os seres humanos, mas tornava o estado sólido ininteligível e opaco. As proposições paradoxais da teoria do quantum são inteiramente ininteligíveis para o sistema sensorial humano, mas, na verdade, tornam inteligível o espaço interno da matéria.
A derrubada da matéria na Física tornou possível a derrubada dos limites materiais da tecnologia. Na essência da economia do quantum está o transistor. Embora os primeiros rádios com eles equipados, há trinta anos, usavam transistores muito menos eficientes e versáteis, que custavam cerca de 9 dólares cada um, eles agora são invisíveis e praticamente gratuitos. O transistor encolheu de maneira fantástica e custa agora alguns décimos de milésimos de centavo de dólar americano. E alguns chips mais novos contêm literalmente milhões de tais dispositivos. Esses chips custam entre 80 centavos e 2 dólares cada um, e podem conter toda a lógica que em outros tempos ocupava um computador gigantesco e custava milhões de dólares. A combinação desses benefícios é a principal fonte e o principal segredo da criação de riqueza na economia moderna, que podemos chamar a economia do quantum.

No decorrer de toda a história humana anterior, a criação de riqueza dependia de extração, transporte, manipulação e modificação de materiais pesados contra a resistência da gravidade, as exigências da entropia e as limitações do tempo e espaço. Escravos suavam em galés e trabalhadores organizados imitavam maquinas, executando um trabalho físico de rotina. Estados ficaram poderosos acumulando riqueza física e território, escravos e exércitos. Hoje, cria-se riqueza principalmente indo-se além da massa, entrando no domínio do quantum e manipulando-se a matéria por dentro dela mesma. Esse mundo real chama-se estado sólido. No entanto, a visão fundamental da Física do estado sólido é que nada que os seres humanos chamam convencionalmente de sólido é, verdadeiramente, sólido. O chão sob os pés de uma pessoa consiste em átomos que em mais de 99,9 por cento de seu volume são espaço. Em proporção ao tamanho de seu núcleo, o sistema atômico é tão vazio quanto o sistema solar.

Ao abrir o espaço interior da matéria, a humanidade ganhou as tecnologias que tornaram possível a exploração do espaço exterior e a criação de um núcleo global de cabos e satélites que transmitem informações quase à velocidade da luz. O transistor gera ganhos imperecíveis de conhecimentos que crescem na medida em que são partilhados e em que superam toda a ciência econômica do crescimento limitado. Na essência de cada computador está o chip ou um conjunto de chips. Qualquer parte de um chip é barata. Mas, ao fazer a hierarquia subir do chip para uma placa de circuitos, para a rede e para o sistema de telecomunicações, a interconexão entre os componentes fica exponencialmente mais dispendiosa e menos eficiente. A primeira lei da tecnologia é concentrar os componentes e as conexões – e assim a força da computação – em chips únicos. A evolução da indústria, por isso, aumenta constantemente o poder da central de trabalho individual, baseado num único chip, em relação a qualquer computador grande que tente controlá-lo através de uma rede. A International Business Machines (IBM), a princípio, pensou que a proliferação de redes de computadores pessoais aumentaria as vendas dos grandes computadores para lidar com elas. Em vez disso, surgiram redes autônomas que logo superaram em desempenho as redes centralizadas. Os computadores pessoais de 32 bits do final dos anos 1980 são noventa vezes mais eficientes do que os grandes. A concentração dos componentes num chip não apenas aumentou sua velocidade e sua efetividade, mas também fez cair enormemente seu preço.
“A tecnologia empurra o poder para o público, lá embaixo”

Em vez de empurrar o controle para o “Grande Irmão”, lá no alto, como se chegou a profetizar, a tecnologia, por sua própria natureza, empurrou constantemente o poder para público, lá embaixo. Quem se beneficiou foi o indivíduo, que, equipado com um computador ou uma central de trabalho individual, ganhou poderes de criação e comunicação muito maiores do que os desfrutados pelos reis de antigamente.

O Indivíduo não foi somente o herdeiro do trono da tecnologia: foi também seu principal criador. Embora tornada possível pelas inovações do hardware no mundo inteiro, a mudança no sentido dos computadores pequenos foi principalmente uma revolução americana, impulsionada pelo desenvolvimento do software. Com a mesma rapidez que os japoneses, por exemplo, podiam expandir a capacidade das memórias dos computadores, os americanos encheram-nos com programas úteis. Cerca de 14.000 novas companhias, nos Estados Unidos, muitas delas dirigidas por adolescentes ou universitários “curiosos” em computadores, lançaram uma vasta série de pacotes de softwares e fizeram o computador passar da condição de instrumento misterioso das elites para a de aparelho popular. Como o resultado dessa proliferação de softwares, que varia de spreadsheets e processadores de palavras a base de dados e videogames, os Estados Unidos foram pioneiros e propagadores do uso de computadores pequenos. Ao se aproximarem os anos 90, esse país tinha uma base instalada de computadores pequenos onze vezes menor do que a Japão, e a parte americana no mercado mundial de softwares havia subido de menos de dois terços para três quartos do total. O limite básico da velocidade dos computadores é o tamanho, um elétron pode movimentar-se 23 centímetros num milésimo de milionésimo de segundo (77 por cento a velocidade da luz). Essa limitação dita que os supercomputadores do futuro concentrem-se num espaço de 49 centímetros cúbicos. Diferente da Revolução Industrial, que impôs economias de escala, a revolução nas informações impõe economias de microescala. O poder do computador se transmite continuamente para as mãos dos indivíduos.

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Esse avanço para o microcosmo já está se acelerando. Impulsionando-o estão três acontecimentos importantes e convergentes na indústria, que mais uma vez dispersam o poder em vez de concentrá-lo. O primeiro é a inteligência artificial, que dá aos computadores rudimentares poderes de visão, audição e senso comum. A tecnologia do computador vem sendo há muito tempo surda, cega e muda. Alcançáveis apenas através de teclados e sensores primitivos, e programáveis apenas com a matemática binária, os computadores têm permanecido enclausurados em suas torres digitais. A inteligência artificial promete aumentar enormemente a sua capacidade de acesso á linguagem, às fantasias e à expertise humanas. Alimentando-se pela voz, os sistemas de computador podem reduzir-se ao tamanho dos chips e propagar inteligência humana através do ambiente humano.
Continuando a deixar para trás as “torres de marfim” e as elites processadoras de dados, o computador pode abrir-se às necessidades de indivíduos não treinados e em desvantagem, permitindo até mesmo que os cegos leiam e os incapacitados escrevam. O segundo grande avanço é o compilador de software converte linguagens de alto nível nos bits e bytes que o computador pode entender, o compilador de silício pode desenhar um circuito capaz de fazer funcionar o programa desejado.

Essa tecnologia torna possível executar o projeto completo de circuitos integrados de um computador, desde a concepção inicial até o silício final. Pense que para “escrever” um chip uma pessoa precisava de equipamentos – na verdade uma impressora de silício – que custavam entre 50 e 200 milhões de dólares, para operar em escala lucrativa. Mas, com os compiladores de silício e o equipamento com eles relacionado, qualquer pessoa versada em informática e apenas dispondo de uma central de trabalho de 20.000 dólares pode criar um novo e importante circuito integrado, adaptado com precisão a suas necessidades. Se for necessária a produção em massa, as companhias de semicondutores do mundo inteiro irão competir para imprimir o modelo. Numa atitude profética, no entanto, algumas firmas já estão até introduzindo formas de publicação de silício em desktop.

Ao contrário da análise dos críticos, a indústria do computador não está se tornando maior utilizadora de capital. O compilador de silício e as tecnologias a ele associadas transferem o poder das grandes empresas para projetistas e empreendedores individuais. O terceiro avanço fundamental é o generalizado abandono da longamente admirada arquitetura de computador de Von Neumann, com sua unidade processadora central única, memória separada e conjuntos de instruções passo a passo.
Para substituir essa arquitetura, montam-se sistemas maciçamente paralelos, com milhares de processadores funcionando simultaneamente. Essa mudança na arquitetura dos computadores parece-se com o abandono do processamento centralizado nas maiores companhias. No passado, os usuários tinham de fazer fila diante a sala de processamento central, entregar seu trabalho aos especialistas em processamento de dados e então esperar horas ou dias para que tudo fosse feito. Hoje, grande parte do trabalho se dispersa em milhares de computadores individuais e é feita simultaneamente. A nova arquitetura do processamento paralelo rompe o similar engarrafamento da unidade de processamento central. Permite que o próprio computador funcione como um moderno sistema empresarial de informações, com várias operações ocorrendo simultaneamente. O processamento paralelo promete enormes aumentos na velocidade, na eficiência e, consequentemente no custo da computação. Trará um desempenho comparável ao dos supercomputadores para tarefas executadas por indivíduos equipados apenas com seu computador pessoal.

Um produto exemplar dessas invenções convergentes é o reconhecimento da fala. A Kurzweil Applied Intelligence, pequena firma de Waltham, Massachusetts, introduziu uma tecnologia de escrita da fala que domina vocabulários de dezenas ou centenas de milhares de palavras e notações arábicas. Ela se adapta a diferentes inflexões e velocidades operacionais de mais de sessenta palavras por minuto, mais rápida do que a maioria das pessoas consegue compor.

Para conseguir tal velocidade e tal capacidade no computador de arquitetura convencional eram necessárias cerca 4 bilhões de instruções por segundo (MIPS). No entanto, o novo mecanismo de reconhecimento da fala funcionará com computadores pessoais e custará apenas alguns milhares de dólares. Isso representa apenas 1,5 dólar por MIPS. Os grandes computadores da IBM saem a cerca de 150.000 dólares por MIPS e os computadores pequenos, destinados á tarefas gerais, mais eficientes, saem a cerca 3.000 dólares por MIPS. Usando maciçamente chips adaptados para processarem a fala humana, essas máquinas podem aumentar a efetividade da computação em relação ao custo milhares de vezes. Esse “escritor de fala”, se assim se pode chamá-lo, é apenas um das centenas de tais produtos. Eles usam essas tecnologias para aumentar milhares de vezes a efetividade da visão da máquina, criar modos extremamente melhorados de síntese de música, oferecer novos avanços em prótese cirúrgica, abrir um mundo de informações para pessoas de qualquer parte do mundo – tudo a preços inimagináveis há apenas três anos. À medida que os preços declinarem, os novos sistemas de informações, inevitavelmente, se tornarão tecnologias pessoais, usadas e fornecidas por indivíduos equipados com computadores pessoais. Com a crescente ênfase no software e no modelo em vez de no hardware e nos materiais, a indústria do computador simboliza a era do quantum. O poder real e o aumento não estão mais nas coisas, mas nos pensamentos.

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“As tecnologias antigas favoreciam o controle; as novas, a liberdade”

O chip é um meio – bem parecido com um filme de 35 milímetros, um disco de vitrola, um vídeo cassete, um compact disk ou até mesmo um livro. Todos esses dispositivos custam poucos dólares, Todos são vendidos por um preço determinado pelo valor de seu conteúdo – os conceitos e as imagens que apresentam. O importante não é mais o meio, mas a mensagem. O empresário Jerry Sanders, da área de microchips, declarou certa vez que os semicondutores seriam “o petróleo dos anos”, Alguns analistas já temem que as grandes companhias conspirem para cartelizar a produção de chips do mesmo modo que a Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep) monopolizou esse produto. Predizem que, dominando a produção e o suprimento, umas poucas firmas venham a ganhar as chaves do reino da inteligência artificial e de outras tecnologias de informações. Diferentemente do petróleo, porém, que é uma substância extraída da areia, as tecnologias do semicondutor são escritas na areia e sua substância são as idéias.

O efeito principal pode ser resumido na máxima simples de que o conhecimento é poder. Hoje, no entanto, o conhecimento não é simplesmente uma fonte de poder. É, supremamente, a fonte do poder. As outras coisas que não conferem mais poder – ou o fazem muito menos que antes – incluem todos os objetivos e sonhos dos tiranos e déspotas do passado: os recursos naturais, o território, a mão-de-obra militar, os impostos, os superávits comerciais e as moedas nacionais. Numa época em que os homens e mulheres podem criar novos mundos em grãos de areia, os territórios perderam sua significação econômica. Não somente os recursos naturais sob o solo estão declinando rapidamente; as companhias e o capital instalados acima do solo podem mudar-se rapidamente de um lugar para outro. Os mercados de capital, agora, são globais. Os recursos financeiros podem movimentar-se à volta do mundo, lançar cabos de fibra ótica e soltar satélites a velocidades estonteantes. As pessoas – cientistas, trabalhadores e empresários – podem deslocar-se de um ponto a outro rapidamente. As companhias podem mudar-se em semanas. As pessoas não estão mais obrigadas à imobilidade, para serem exploradas. As tecnologias industriais antigas favoreciam o controle. As novas favorecem a liberdade.

Os governos não podem assumir o poder por meio de coerção das pessoas ou da elevação dos impostos, da mobilização dos homens ou da acumulação de superávits, da anexação de território de territórios ou do roubo da tecnologia. No mundo moderno, até mesmo os escravos são inúteis: escravizam seus senhores a sistemas de pobreza e declínio. A nova fonte de riqueza das nações é a liberdade dos indivíduos criativos no controle da tecnologia das informações. As idéias não se esgotam quando são usadas; propagam poder quando partilhadas. Todas as teorias que apontavam o computador como um instrumento de opressão refletem uma compressão errada dessas verdades essenciais da moderna tecnologia. Na era das informações, as nações não podem ganhar força e tributando seus cidadãos. Para aumentar sua estatura internacional, os governos precisam reduzir seus poderes e emancipar seus povos. Chegamos enfim, a uma nova era de liberdade.
Este artigo é um capítulo do livro An American Vision: Policies for the 90’s (Uma visão americana: políticas para os anos 90), Cato Institute, 1989.

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