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Como a legalização da maconha nos EUA está fazendo uma nova economia florescer

Por Brian Hagenbuch, de Washington
Atualizado em 27 dez 2016, 17h28 - Publicado em 27 dez 2016, 07h00

Quando os eleitores dos Estados de Washington e do Colorado aprovaram nas urnas a legalização do uso recreativo da maconha, em 2012, muita gente comemorou queimando um baseado, celebrando o início de uma nova era de liberdades civis. Mas também não faltou quem comemorasse sonhando em faturar. Em 2014, Alaska e Oregon entraram na onda. E em 2016 foi a vez de Massachusetts, Maine, Nevada e California tornarem a maconha tão legalizada quanto a cerveja. Agora o que temos é um dos mercados mais promissores do planeta. É o que vamos ver nesta reportagem, cuja versão original foi publicada em 2014.

“Acabar com a guerra contra a maconha em nossa sociedade vai melhorar a segurança pública e trazer milhões de dólares, talvez centenas de milhões de dólares em receita para esses Estados”, diz Doug Belas, autor do livro Too High to Fail (sem edição em português), sobre a indústria da cannabis. O título, diga-se, é um trocadilho com a expressão too big to fail, usada para descrever grandes indústrias que, de tão avantajadas, não têm como falir. High significa “alto”, que é quase sinônimo de Big, mas também que dizer “chapado”.

Bom, as estimativas sobre o potencial de faturamento do mercado americano de maconha variam bem, de US$ 10 bilhões a US$ 140 bilhões por ano, numa amostra do quanto esse mercado é virgem e pouco compreendido pela economia formal. Mesmo assim, dá para ter alguma ideia sobre o que ele significa. Nivelando por baixo, significa que o mercado da maconha não faria feio diante da tradicional e estabelecida indústria americana de vinho, que movimenta mais de US$ 3o bilhões por ano.

Seja como for, o certo é que a maconha legalizada vai gerar mais receita para o governo, via impostos. A perspectiva de embolsar mais receita foi o principal motor das duas legalizações nos EUA. Em ambos, ela foi decidida em plebiscitos e seus cidadãos sabem que seus governos – assim como todo o país – estão imersos numa tremenda crise nas contas públicas. Os ativistas de Washington estimam que o Estado vá faturar US$ 560 milhões por ano. O Centro do Colorado sobre Lei e Política, uma ONG especializada no assunto, é mais modesto – estima uma arrecadação de cerca de US$ 60 milhões anuais.

Mas nem tudo é paz para quem quer empreender no negócio canábico. Afinal, estamos no país da “guerra às drogas”, e sob a lei federal a venda de maconha ainda é ilegal. O Departamento de Justiça americano anunciou em agosto que não vai interferir na regulamentação dos Estados. Mas, no mesmo dia em que o Colorado emitiu a primeira licença de venda sob a nova lei, a Administração de Repressão às Drogas (DEA, na sigla em inglês) realizou blitzes em 12 pontos de venda e locais de cultivo do Estado. Natural: o fato de poder vender no Colorado não significa que você pode comprar carregamentos de maconha na Califórnia, onde a erva só é liberada para uso medicinal, ou México ou seja lá onde for, e levar para lá. O recado do DEA é claro: quem quiser entrar nesse negócio não terá vida fácil.

Maconha no balcão

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A incerteza jurídica não foi suficiente para afugentar os empreendedores. Em Washington, 3.746 empresas solicitaram uma das 334 licenças que o Estado vai conceder. No Colorado, foram mais de 2 mil inscrições e os 348 agraciados já foram eleitos – 136 lojas, 178 cultivadores, 31 fabricantes de produtos variados de maconha e três laboratórios de dosagem de THC.

 

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Os maiores lucros devem ficar com quem cultiva. John Davis, proprietário de um grande dispensário (ponto de venda) de maconha em Seattle, Colorado, faz as contas. “O produtor gasta US$ 1,6 mil para cultivar um quilo de maconha, e me vende a US$ 4,4 mil”. Ele conta que seus fornecedores conseguem produzir 42,5 quilos por ano, o que rende um lucro líquido de US$ 119 mil – quase quatro vezes mais que a média da renda anual americana, de US$ 32 mil.

O preço médio da maconha no varejo é de US$ 15 o grama, mas, além de custos mais elevados com manutenção da loja, segurança e funcionários, eles pagam mais taxas. Especialmente em Washington, onde o imposto sobre a venda será de 75% e ninguém terá licenças para plantar e vender ao mesmo tempo, os donos de dispensários não estão muito empolgados.

“Eu fiz as contas dentro da nova lei e vi que seria preciso vender 3,6 quilos por dia para lucrar US$ 1 mil. E isso significa gente demais entrando na loja diariamente”, diz Andrea Paxon, ex-proprietária de um dispensário, que imagina que traficantes continuem a dominar o mercado por ao menos uma década, com preços mais baixos e margens de lucro mais altas. No Colorado, porém, os donos de dispensários comemoraram as vendas. Na estreia da nova lei, faturaram mais de US$ 1 milhão e precisaram limitar as vendas por pessoa para não ficar sem estoque.

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Acessórios para fumantes

A indústria canábica não é movida apenas por maconha, mas por uma variedade de “acessórios”. Diversos outros negócios vêm se desenvolvendo desde a última década para atender dispensários e usuários de maconha medicinal. Muitos são empreendimentos de segmentos tradicionais que decidem se especializar para atender esse filão – serviços de consultoria, marketing, segurança, embalagens, software, educação, direito, bancos etc. Outros são negócios inovadores criados especificamente para o novo mercado, como o Leafly.

A empresa baseada em Seattle tem um banco de dados online onde usuários podem procurar por mais de 500 variedades de maconha, de extratos e de comestíveis com THC em 2.500 dispensários nos EUA (existem cerca de 4 mil no país), no Canadá e em alguns países europeus. No site, é possível usar filtros de busca por localidade, tipo de efeito e de maconha. Ao achar o que você quer, o site diz quem vende o produto. O resultado das buscas no site acaba funcionando como um termômetro do que os consumidores procuram.

“Há um ano, a maconha representava cerca de 90% das vendas. Agora, ela caiu para 60%, e o interesse por óleos de THC e comestíveis está aumentando rapidamente”, diz Christian Groh, um dos fundadores do site. De fato, já existem mais de 30 empresas registradas produzindo centenas de alimentos e bebidas com THC, de pirulitos a chocolates, passando por refrigerantes e sorvetes.

 

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Outro “acessório” da nova indústria é de parafernália – equipamentos feitos para usar ou cultivar a droga. A empresa UpToke, por exemplo, criou o Spyre, um vaporizador high-tech de US$ 300. Parecido com um grande charuto, ele mira usuários que fogem do clichê de maconheiro. “Existe um grande interesse de fumantes ocasionais, profissionais mais maduros que estão em busca de alternativas mais saudáveis que o álcool e o tabaco”, diz Jason Levin, dono da start-up.

Um de seus concorrentes é a Rodawg, que vende parafernália feita “mais para socialites do que para o estereótipo do hippie”, segundo seu CEO, Joshua Gordon. A empresa vende basicamente latinhas bem acabadas contendo cones de papel prontos para adicionar a maconha e fumar. Apesar do produto simples, a companhia atraiu um investimento de US$ 500 mil. “Montamos um sólido plano de negócios, por isso temos dinheiro”.

 

Canna-business Brasil

O mercado de parafernália, a propósito, é o único do mundo da maconha que existe no Brasil. “Quando abri minha loja em 2006, só tinha eu no Rio de Janeiro. Agora existem mais uns três concorrentes”, diz Matias Maxx, que aproveitou sua fama de “capitão presença” (veja na linha do tempo) para abrir um head shop, como são chamadas as lojinhas de seda e outros equipamentos para quem fuma maconha. Com mais gente na praça, ele precisou reinventar o La Cucaracha, nome do seu comércio em Ipanema, zona sul carioca. “Agora vendo produtos premium. Só coisa fina.”

A pioneira do ramo no Brasil é a Ultra 420. Fundada em 1994, em São Paulo, ela já abriu até uma filial no Rio de Janeiro. Já existem lojas do tipo em Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo, a maioria inaugurada nos últimos cinco anos. Algumas também têm vendas online e oferecem, além de equipamentos para fumar, instrumentos para quem quer cultivar a droga em casa, para consumo pessoal.

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E há quem se especialize em atender esses “empreendedores agrícolas” – sejam eles produtores de tomate ou de maconha. Plantar a droga é proibido pela lei brasileira, mas essas empresas trabalham na legalidade porque não vendem nenhum tipo de droga, apenas insumos necessários para plantar qualquer tipo de vegetal dentro de casa.

 

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“Provavelmente boa parte das pessoas que me procuram hoje estão interessadas em plantar cannabis, mas, talvez por segurança delas mesmas, não me contam que planta vão cultivar no armário”, diz o empresário Bernardo Monteiro, que fundou a Forester para esse mercado. “A responsabilidade sobre o que eles vão cultivar é deles, sou bem franco.” Algumas lojas, como a Jardins Urbanos e a Natural Grow, vendem luzes e fertilizantes e dão dicas informalmente aos clientes que pedem. A Forester também comercializa projetos. “Ainda é um hobby caro, mas é possível começar com menos de R$ 1 mil”, diz Monteiro.

Apesar de estar crescendo, o mercado ainda engatinha. Mas, em outros países da América Latina, ele já está mais desenvolvido. O maior de todos é o da Argentina, que assistiu a um boom desses “grow shops” depois que a Suprema Corte do país declarou inconstitucional o crime de porte para uso, em 2009. Na revista THC, primeira da região dedicada à cultura canábica, há anúncios de dezenas dessas lojas. O Uruguai também tem uma loja assim (ainda solitária no mercado): a Urugrow, em Montevidéu. A verdade, enfim, é que o mercado latino-americano pode até estar crescendo, mas ainda engatinha, formado por microempresários que operam na fronteira do ativismo. Bem diferente do que se vê nos EUA, onde os investidores sonham com Wall Street.

 

Capitalismo verde

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De volta aos Estados Unidos, o clima de corrida do ouro não poderia deixar de atrair investidores de “veture capital”, os grandes especialistas nessa combinação de altos rendimentos e altos riscos. Investidores privados em busca de grandes retornos nesse setor se tornaram tão comuns que a ArcView, de São Francisco, foi criada especialmente para injetar dinheiro sério em start-ups como as de Levin e Gordon.

“O mercado americano de cannabis vai crescer mais de 60%, nos próximos dez anos, conforme a onda de legalização se espalha. É sem dúvida o maior mercado em crescimento nos EUA”, diz o CEO da empresa, Troy Dayton. Ele captou sete investimentos, no total de US$ 3 milhões. O dinheiro vai para empresas diversas, como uma rede social para usuários de maconha, chamada MassRoots, e uma empresa de segurança para dispensários.

 

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A ArcView só aceita investidores com mais de US$ 50 mil para gastar, familiarizados com o mercado – muitos são cultivadores ou donos de dispensários. Um exemplo é Steve DeAngelo, dono do Harborside Health Center, um dos maiores dos EUA. Ativista há décadas, o empresário entrou no ramo em 2006. Alguns milhões de dólares depois, tenta multiplicar seus ganhos como sócio da empresa, que só investe em negócios com potencial para chegar à bolsa de valores.

Algumas empresas que vivem da cannabis já começam a dar retorno para seus investidores. A inglesa GW Pharmaceuticals lançou em 1998 o remédio Sativex, vendido atualmente em 22 países para o alívio de sintomas da esclerose múltipla. Em agosto, a empresa anunciou que a agência americana reguladora de medicamentos autorizou testes clínicos de fase 3 – a última etapa antes da aprovação de um remédio nos EUA. As ações da empresa começaram o ano valendo US$ 10 dólares na Nasdaq e fecharam em quase US$ 40.

Para Ethan Nadelmann, da Drug Policy Alliance, um mercado composto por milhares de pequenas empresas em vez de grandes monopólios, seria o melhor desenvolvimento dessa indústria nascente. “Não gosto da ideia de uma “marlborização” ou de uma “budweiserização” da maconha. Um mercado como o das microcervejarias seria melhor, porque geraria mais empregos, por exemplo. Mas qualquer modelo seria melhor que o das medidas proibicionistas fracassadas.”

Um dos primeiros homens dispostos a monopolizar esse mercado já se queimou. Assim que a legalização foi aprovada, o ex-executivo da Microsoft James Shively deu entrevistas para as principais redes de TV do mundo apresentando sua marca Diego Pellicer. Ele dizia que sua empresa seria o Starbucks da maconha, que faria mais milionários que a Microsoft. E atraiu US$ 10 milhões de investidores estrangeiros. Mas as leis aprovadas no Colorado e em Washington exigem que os investimentos em negócios da maconha sejam provenientes do próprio Estado – para proteger a economia local. E o plano de Shively naufragou.

Nos próximos anos, vamos ouvir muitas histórias de sucesso e de fracasso envolvendo negócios com a maconha. Enquanto não houver grandes empresas controlando o mercado, vai existir uma janela de oportunidades para pequenos e astutos empreendedores. “É uma situação única em um momento único. Estamos testemunhando a construção da próxima grande indústria americana”, diz Jason Levin, aquele dos vaporizadores hi-tech.

Por enquanto, é impossível dizer quem vai ficar com o maior trago desse mercado. Mas quando (e se) ele conquistar o mundo, os americanos provavelmente vão dominá-lo, aproveitando sua condição de pioneiros nessa corrida. Assim como foram, ironicamente, os pioneiros na proibição da maconha.

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