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Essa é Alessandra Orofino. A causa dela? Ajudar você a defender suas próprias bandeiras, pressionando quem toma as decisões. É assim que ela briga por cidades melhores: incentivando quem mora nelas a se mobilizar.

Por Camila Almeida
Atualizado em 4 nov 2016, 19h09 - Publicado em 4 fev 2016, 18h30


 
Alessandra estava atrasada – falaria para um público interessado em aprender a mobilizar pessoas. Quando chegou, as luzes do pequeno auditório já estavam apagadas, enquanto a plateia assistia a um vídeo sobre Rosa Parks, a mulher negra que, em 1955, no sul dos EUA, recusou-se a se levantar do seu assento no ônibus para dar lugar a um branco e tornou-se símbolo da luta por igualdade de direitos no país. O salto de seu sapato ressoava pelo assoalho, “toc, toc, toc”, impedindo uma entrada discreta na sala onde se ouviam os gritos de protesto pelas ruas norte-americanas. Apesar de envergonhada com a turbulência de sua aparição, ela não se constrangeu.

Quando fala, sua voz grave extrapola o corpo mignon, enquanto o sotaque carioca adoça os temas sérios. Naquela noite, um vestido preto com decote em vê destacava seu rosto, ainda mais realçado pelos cachos presos num rabo bagunçado. Eram visíveis os 26 anos da jovem de oratória imponente e sedutora – que até lembrou o Martin Luther King Jr. que discursava no vídeo, falando sobre política como quem entende do jogo e sobre ativismo com a paixão dos revolucionários. Seu curso sobre mobilização é uma metáfora dela mesma. Ao final daquela hora e meia de palestra, as 20 pessoas presentes na sala faziam perguntas, empolgadas, e acenavam a cabeça em sinal positivo.

Alessandra é cofundadora do Meu Rio, organização que tem o engajamento como matéria-prima. Uma rede de ação que conecta cidadãos dispostos a fazer algo para melhorar o lugar onde vivem. Hoje, mais de 200 mil cariocas integram essa rede e levantam suas próprias bandeiras usando as plataformas digitais desenvolvidas pela Rede Nossas Cidades, que funciona como a cabeça desse organismo. Entre as causas ganhas, algumas histórias emblemáticas, como a da Escola Friedenreich, que daria lugar a um estacionamento para a Copa do Mundo, mas se manteve de pé apos a mobilização. A rede já existe em São Paulo, com mais de 60 mil membros, e em outras sete cidades brasileiras, recém-fundadas, mas Alessandra tem um plano ousado: em até cinco anos, ela quer estar presente em 125 cidades do mundo.

Tensão flutuante do Rio

Era 2008, e a juventude do Rio de Janeiro clamava por um sopro de renovação. As eleições municipais colocavam na disputa os candidatos Eduardo Paes (PMDB) e Fernando Gabeira (PV), mais próximo da esquerda e apoiado pelos eleitores mais jovens. Gabeira perdeu, no segundo turno, por uma diferença irrisória: recebeu 49,17% dos votos, equivalente a mais de 1,6 milhão de pessoas. “O mais interessante nesse período foi a péssima recepção do resultado. A gente sentiu na juventude uma desesperança generalizada”, lembra Alessandra. As pessoas desistiram da própria cidadania, porque tinha sido eleito um candidato que elas não queriam. Quão prejudicial seria esse distanciamento para os anos que se seguiriam? “É como querer que o navio afunde porque você não gosta do capitão. O capitão muda, o navio fica. Vamos cuidar do navio.”

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Junto com Miguel Lago, cientista político e melhor amigo, Alessandra tentava imaginar como contornar essa crise de representatividade, devolvendo à juventude o sentimento de que vale a pena participar da vida política da cidade, independentemente de quem esteja no poder. “Esse é um dos sintomas de um sistema que coloca um peso desmedido em um único sujeito, no chefe do executivo, como se esse sujeito por estar ali – e por ser ele ali – pudesse operar mudanças profundas”, salienta Alessandra.

Foi maturando esse entendimento do cenário político carioca que sentiram falta de mecanismos que conectassem o cidadão e os tomadores de decisão. “A gente pensou: quem são os atores que exercem pressão sobre o prefeito – seja ele o Paes ou o Gabeira? Em geral, são grandes empresas; há pouca pressão que venha do povo”, avaliaram. Inclusive, o cidadão comum participa muito pouco da criação de políticas públicas positivas. “Existe uma defasagem de poder e um mau uso da inteligência coletiva. Se o cidadão participasse mais ativamente, ele traria um conhecimento que só ele tem e que pode ser fundamental para a melhoria da vida na cidade”.

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Então, por que não criar um meio que fizesse essas ideias serem ouvidas e colocadas em prática? Uma rede que conectasse esses cidadãos e mostrasse que eles não estão sozinhos? Ali, em 2008, nasceram os primeiros esboços do Meu Rio, que só viria a apoiar sua primeira causa em 2011. O foco era esse Rio em transformação, que mudaria muito dali para a frente; afinal, em breve a cidade sediaria os Jogos Olímpicos. “A gente queria que essa mudança refletisse os sonhos, desejos, anseios e necessidades de quem vive na cidade”, lembra Alessandra.

Além da briga política

Alessandra é fruto de uma relação que reunia em si toda a dualidade do Rio de Janeiro. O pai, de origem humilde, morador da zona norte do Rio, teve seu pai e seu irmão mortos muito jovens; a mãe, de família abastada, frequentava os luxuosos jóqueis clubes da cidade e circulava com os carrões do pai pela zona sul. Conheceram-se na faculdade de medicina. Ele, o único dentre os irmãos a conquistar um diploma de nível superior; ela, pré-destinada aos melhores cursos, por ter sido preparada pelas melhores escolas. Hoje, ele é médico cardiologista e tem seu consultório particular. Ela, pediatra, e atende pelo SUS na rede municipal de saúde. De um lado, um homem de ideais conservadores, que acredita na meritocracia e no estado mínimo, por ter vivenciado todos os seus fracassos; do outro, uma mulher libertária, que acredita numa rede de proteção social forte e na distribuição de renda.

O divórcio veio quando Alessandra era criança, mas não a isentou de crescer em meio a visões políticas contraditórias. “Aprendi que ideologia, política e caráter são coisas absolutamente distintas”, comenta. “Isso me ajuda muito no meu trabalho hoje: tenho facilidade de dialogar com pessoas com visões muito distintas da minha sem fazer um pré-julgamento de caráter sobre elas. Não é porque aquela pessoa é diferente de você que ela quer o mal do mundo – ela tem outra história de vida, outro caminho – e aí você começa a ter mais empatia no diálogo.”

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Mas isso não quer dizer que essa dualidade não tenha causado conflitos. Aos 14 anos, se mudou com a mãe, convidada para dar aula na Universidade McGill, para o Canadá. Em Montreal, aprendeu francês e se impressionou com a qualidade do sistema público. No retorno ao Brasil, decidiu que não queria perder a nova língua e que pretendia fazer seu curso superior fora do País. Tinha 16 anos. Pediu para estudar no Lycée Molière, a escola francesa do Rio de Janeiro, que é, como todas as escolas internacionais, para a elite. A mãe, que havia prezado por uma educação mais humanista e construtivista, foi contra; o pai, a favor. Fez a matrícula – e foi morar com ele. Ia do Recreio, na extrema zona oeste, até Laranjeiras, na zona sul. Era a única da turma a perder duas horas de ônibus todos os dias para ir e voltar da escola. Lá, conheceu dois importantes homens para a sua vida: Hugo, seu marido, e Miguel, seu sócio.

No fim daquele ano, foi aprovada para estudar Ciência Política na Sciences Po, uma das Grandes Écoles de Paris. Mas não deu certo. “O diretor geral abriu a aula inaugural falando: ‘vocês são a elite da nação’. Eu soube, naquele segundo, que não ia rolar”, lembra Alessandra. Estudou um ano e foi embora. Miguel, que também tinha sido aprovado, ficou. “Voltei para o Brasil sem nem saber o que iria fazer”, mas já começando a carreira no ativismo. Entrou para uma ONG que trabalhava com violência contra mulher e direitos da criança e do adolescente e participou de sua primeira articulação política nacional, se envolvendo na campanha da Lei da Palmada. Depois, foi mandada para a Índia, onde passou nove meses trabalhando também com mulheres.

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Na volta, resolveu retomar a vida universitária, após dois anos de hiato. Escolheu Columbia, nos Estados Unidos, e foi cursar economia. “Eu tinha entendido que, se você quer trabalhar com política pública, você tem que falar a língua do jogo. Em nível global, isso quer dizer que você tem que falar inglês e economiquês”. Para conseguir se bancar em Nova York, começou a trabalhar na Purpose, empresa incubadora de projetos. O diretor-executivo Jeremy Heimans bancou seus estudos. Ela terminou o curso em três anos e meio, mas acabou ficando quase cinco anos em Nova York – seu marido, Hugo, que é chefe de cozinha e confeiteiro, foi até morar lá na época.

Em uma das campanhas da Purpose, organizou um evento em Paris para uma empresa que defendia o desarmamento nuclear. Lá, ela reencontrou Miguel. “Falei para ele: ‘Mig, acho que estou aprendendo coisas que serão valiosas para a gente’.” Era 2010: ela tinha acabado de se formar, ele estava terminando o mestrado. Decidiram voltar para casa e fundar o Meu Rio.

Idealista, mas sem utopia

Ficam numa casinha em Botafogo, de piso e paredes brancas. Na entrada, uma cesta recebe todos os sapatos e os cachorros vêm fazer calorosa recepção. Um grupo de 20 jovens trabalha com trajes despojados em salas abertas, com paredes de vidro. Em junho do ano passado, a casa estava cheia: os fundadores das novas sete cidades participavam da capacitação da Rede Nossas Cidades, para espalhar o projeto pelo Brasil. Eram eles do Recife, de Garopaba, Campinas, Blumenau, Curitiba, Ouro Preto e Porto Alegre.

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Eles ficaram sob a coordenação de Miguel, aprendendo a criar um empreendimento bem-sucedido. Alessandra estava na Inglaterra na época, articulando novos contatos, mas participava por teleconferência de algumas atividades. Uma delas foi um treinamento de pitching, as rodadas de negócios que as empresas fazem para buscar financiamento e patrocínio. Alessandra se “vestiu” de possível financiadora e ouviu o que a arquiteta Amanda Tiedt, uma menina loira, baixinha, com tom de voz meigo e tranquilo, tinha a dizer sobre a Minha Blumenau. Recebeu uns toques sobre postura. “Você não é a menininha fofa aqui. É mulher, poderosa, linda, maravilhosa, inteligente, executiva, capaz – e capaz de fazer esse negócio aqui rodar na hora e rodar bem”, orientou, do outro lado da tela. O conselho não foi à toa. Alessandra sabe o quanto é difícil ser uma jovem mulher de negócios. “Tem que ser assim. Senão, você é engolida.”

E esse rigor não é só com a imagem. É com os métodos de trabalho. Durante a residência no Meu Rio, os grupos tinham uma agenda regrada, com horário delimitado para cada atividade. Ninguém entrava numa reunião à toa e, ao fim de cada encontro, saíam com seus próximos afazeres pré-determinados. Toda a mecânica foi elaborada por Alessandra, e seguida à risca por sua equipe, mesmo em sua ausência. “Nosso desafio é infinito. É mudar o jeito como as pessoas se relacionam com as instituições democráticas e com elas próprias. A gente faz isso com uma equipe pequena, com poucos recursos. Eu vivo de doação, não vou desperdiçar um centavo de quem me dá dinheiro”, comenta. E, se a ideia é expandir, deixando a rede cada vez maior e mais descentralizada, o desafio é encontrar gente que se encaixe nesse perfil. “Eu busco gente que tem coração de ativista, idealista, e capacidade de trabalho de tubarão do mercado. Eu quero as duas coisas. Um pouco exigente, mas tem que ser. Não é fácil mudar o mundo.”

Vitórias de destaque do Meu Rio:

1 A Escola Friedenreich ia virar estacionamento. Alunos colocaram câmeras na escola e, junto ao Meu Rio, a vigiaram 24h por dia, evitando a demolição.
2 A filha de Jovita Belfort desapareceu em 2004. Pediu a criação da delegacia de desaparecidos. Venceu.
3 1.200 pessoas foram às ruas para gerar notícias sobre saneamento em todos os dias do verão.

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