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O Brasil e os homossexuais: Sim

As três letras acima dividem o Brasil. E impedem que 6 milhões de gays tenham acesso aos mesmos direitos que o restante da população. Se todos somos iguais perante a lei, está certo alguns brasileiros terem mais benefícios que outros?

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Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 30 jun 2004, 22h00

Sérgio Gwercman

Até 1977, casar no Brasil era aventura para sempre. Pode parecer estranho para quem não viveu aqueles tempos, e mais estranho ainda para quem os viveu, mas naquela época a lei proibia o divórcio. E, quando finalmente o governo autorizou a separação de casais, instituiu que cada cidadão poderia fazê-lo uma única vez na vida. Na sessão que aprovou o divórcio, um parlamentar disse que o país criava uma “fábrica de menores abandonadas”. O deputado Nélson Carneiro, espécie de paladino da causa, batalhou duas décadas para emplacar seu projeto de legalização. Nesse tempo, foi tratado como qualquer coisa entre o herói libertário e o anticristo que enfrentava católicos e desprezava crianças.

Hoje, para muita gente essa passagem parece um episódio folclórico dos tempos em que o Brasil era um país tacanho e conservador. Mas há quase três décadas a legalização do divórcio despertava emoções e debates tão fortes quanto a idéia de permitir, em 2004, que duas pessoas do mesmo sexo tenham permissão para se casar. Para os críticos, trata-se de uma ameaça à família, à sociedade e às crianças que serão educadas por esses casais. Para os defensores, estamos diante de uma questão de escolha individual e direitos iguais. Legalizar o casamento gay significa que o governo brasileiro está reconhecendo que naquele ato não existe nada de errado. Pelo contrário: que o casal está plenamente apto a formar uma família – provavelmente a mais fundamental de todas as instituições da sociedade, onde futuros cidadãos recebem carinho, aprendem valores morais e noções de certo e errado.

Desde 1996, o Congresso tem entre seus projetos uma proposta que autoriza a parceria civil entre homossexuais no Brasil. Por parceria civil, entenda algo muito próximo de casamento. Se fosse aprovada no ano em que foi proposta, o Brasil estaria na vanguarda dos direitos homossexuais. Hoje não é mais assim: desde 2001, na Holanda, os direitos de casamento valem para todos os cidadãos – as palavras homo e heterossexual nem são citadas pela lei. É impossível saber quantos casamentos gays aconteceram no país: os registros não dão conta se os noivos eram do mesmo sexo, assim como desconhecem se eram negros, judeus ou canhotos. Na Bélgica, Canadá e no estado americano de Massachusetts, a situação é semelhante. França, escandinavos e Buenos Aires, entre outros, já autorizam a união civil entre gays.

Do lado oposto está a maioria dos países árabes, que condenam à prisão quem transar com alguém do mesmo sexo. Ou o Zimbábue, cujo ditador Robert Mugabe enxerga gays como “subanimais” e “sem direitos”. Na última década, o planeta lentamente começou a se polarizar entre nações que garantem direitos aos gays e as que não os reconhecem como cidadãos. É nesse quadro que o Brasil vai ter de se posicionar.

Procurar um lugar para a minoria homossexual dentro da sociedade não é um problema recente. Aristófanes, um dos discursantes no Symposium, de Platão, contava que a raça humana foi criada com três gêneros: os duplamente machos, os duplamente fêmeas e os que eram macho e fêmea ao mesmo tempo. Cada um deles com quatro pernas e quatro braços. Como toda boa mitologia, em algum momento as criaturas erraram e foram punidas pelos deuses, que as separam em duas partes. Desde então, estamos todos procurando nossa outra metade. Com uns 3 mil anos de antecedência, Aristófanes concebeu uma parábola para o amor nos tempos modernos, contemplando o relacionamento não só entre homens e mulheres, mas também entre homens e homens e mulheres e mulheres. Mais ainda, ofereceu uma explicação idílica e romântica para o desejo de nos aventurarmos na mais radical das declarações de amor: viver junto, e de preferência para sempre, com outra pessoa.

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A LEI

Se você entende casamento como a união de dois pombinhos que dormem na mesma cama todas as noites, se amam, dividem as contas, são fiéis, moram sob o mesmo teto, brigam com certa regularidade para depois fazerem as pazes, então casamento gay já existe. Homossexuais têm relacionamentos estáveis idênticos aos dos heterossexuais. E continuarão tendo, queira sua vontade ou não. Portanto, o assunto desta reportagem não é discutir se duas pessoas do mesmo sexo têm o direito de viver juntas, mas se o Estado deve reconhecer tal relacionamento da mesma maneira como faz com um homem e uma mulher. Mesmo porque, ao pé da letra, não há nada na Constituição brasileira que proíba a união gay.

O artigo 226, que define regras para o casamento, em nenhum momento diz tratar-se de uma exclusividade para os sexos opostos. A maioria dos juristas enxerga no silêncio da principal legislação brasileira uma proibição à combinação homem com homem, mulher com mulher e uma certidão de casamento. Trata-se de uma questão de interpretação: foi aproveitando uma brecha parecida que ativistas holandeses conseguiram fazer a Suprema Corte do país afirmar que a união entre gays era legal – e assim celebrou-se o primeiro casamento gay plenamente reconhecido dos tempos modernos, dia 9 de abril de 2001, em Amsterdã.

No Brasil, o Congresso ainda tenta aprovar a lei autorizando que pessoas do mesmo sexo tenham acesso ao dispositivo legal batizado de parceria civil, que garante seu reconhecimento como casal. Não é um casamento, porque não dá aos parceiros as mesmas garantias que os casados têm, como permissão para adotar crianças. Não é também uma equiparação plena de direitos porque, se fosse, o casamento homossexual se chamaria casamento, e não parceria civil. Passeando pela pauta há oito anos, a proposta sequer entrou em votação – se entrasse, provavelmente receberia o “não” dos congressistas. “É um projeto emblemático dos direitos homossexuais, e por isso enfrenta resistência maior. Vai ser difícil aprová-lo”, diz a senadora Ideli Salvatti, presidente da Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual, formada por deputados e senadores. “Nenhum legislador vai desagradar seu eleitorado. O caminho para a aprovação do casamento é o Judiciário, que não pode manter uma desigualdade”, afirma a desembargadora Maria Berenice Dias, especialista em direitos homossexuais.

Se for autorizada, a parceria civil representará uma conquista gay sem precedentes no Brasil. Ainda assim, entrará em vigor já obsoleta – é considerada demasiadamente preocupada com bens e patrimônio. Na França, que tem a legislação familiar considerada por especialistas como a mais liberal no mundo, o Pacto Civil de Solidariedade, como é conhecido, estipula que duas pessoas maiores de idade – de qualquer sexo – podem constituir família e regular por completo o regime de direitos e deveres entre elas. “Tudo que diz respeito ao casal, inclusive a fidelidade sexual, pode ser definido nesse documento”, afirma o juiz federal Roger Raupp Rios, autor de um doutorado sobre discriminação. “Até o início do século 20 existia um conceito rígido de família: homem, mulher e criança. Hoje não é mais assim. Pessoas vivem juntas, e a lei precisa estar aberta para novas formas de casamento.”

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Mesmo sem amparo legal, homossexuais vêm conseguindo na Justiça a equiparação de seus relacionamentos com os de heterossexuais. E não é raro terem benefícios idênticos ao casamento – o caso da esposa de Cássia Eller, que conseguiu a guarda do filho da parceira morta, é um exemplo. Mas vitórias na Justiça não podem ser confundidas com direitos iguais. É impossível dizer que alguém obrigado a contratar um advogado e enfrentar os tribunais para ter acesso a uma herança, por exemplo, tenha os mesmos direitos de quem recebe o dinheiro automaticamente. Um exemplo: os Supremos Tribunais de Justiça e Federal devem decidir em breve se um homem que viveu 47 anos com um parceiro recém-falecido tem direito a herdar seus bens. A pedido da Super, especialistas prepararam uma lista com diferenças entre um casal heterossexual e um casal gay que mantenha relação estável. Chegaram a pelo menos 37 direitos que o país nega para aqueles que têm duas escovas de dentes azuis – ou duas rosas – no banheiro de casa. O casamento certamente encabeça a lista das desigualdades. Mas há outras. Em caso de emergência, um gay não pode autorizar que seu marido ou esposa seja submetido a uma cirurgia de risco. Aos casais homossexuais também é vetado fazer declaração do Imposto de Renda em conjunto, e deduzir dela gastos com dependentes. Ou seja, no Brasil um casal gay paga, em tese, mais impostos que seu equivalente heterossexual. Pior: recebe menos benefícios, pois, entre outros, eles raramente conseguem incluir o parceiro no plano de saúde. Todas essas desigualdades poderiam ser eliminadas com a legalização do casamento (veja mais exemplos na pág. 51).

Se o Estado faz diferença entre pessoas por causa da orientação sexual, como devemos entender o princípio, expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que todos somos iguais perante a lei? “A Constituição é soberana para aplicar o princípio da igualdade da maneira que quiser”, diz o jurista Ives Gandra Martins, da Universidade Mackenzie. “Existem inúmeras exceções ao princípio da igualdade. A proibição do casamento entre gays é só um exemplo. Da mesma maneira, existem atividades econômicas que pagam mais impostos que outras.”

No final das contas, o debate sobre casamento gay é um confronto entre cidadania e valores morais. De um lado, pessoas que pagam impostos e, portanto, exigem ter os mesmos direitos que o restante da população. Do outro, aqueles para quem esse direito é uma afronta à sociedade em que preferem viver. Aqui, e em boa parte do mundo, a vontade anticasamento da maioria prevalece sobre os direitos da minoria. E isso é perigoso. “Tirar o direito da minoria é tirar o direito de todos. Ou a lei vale para todos ou ela não vale nada”, diz o filósofo Roberto Romano, professor de Ética e Política da Unicamp.

A MORAL

Ao se deparar com esse tipo de reflexão, grande parte das pessoas alega valores morais para se posicionar contra o casamento gay. Em fevereiro, quando propôs um remendo na Constituição americana proibindo que homossexuais casassem, o presidente George W. Bush disse que agia para proteger “a instituição mais fundamental da civilização”. O comentarista Charles Krauthammer escreveu na revista Time que a maioria dos americanos considerava gays “moral e psicologicamente repugnantes e não merecedores de aprovação social”. Nos Estados Unidos, a concordância com o casamento gay oscila pouco abaixo dos 50%. Na União Européia chega a 57%, mas fica abaixo da maioria em países como Itália e Reino Unido. Na ausência de pesquisas específicas no Brasil, outros levantamentos de opinião tornam difícil acreditar que sejamos favoráveis ao reconhecimento da parceria entre pessoas do mesmo sexo. Em 1998, 60% dos entrevistados afirmaram ao Ibope que não contratariam um homossexual. No início deste ano, uma pesquisa da Unesco mostrou que 25% dos estudantes não gostariam de ter um colega de sala homossexual.

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Para entender quais são os valores morais que fundamentam tal rejeição, é preciso olhar para a mais comum de suas origens: a religião. Antes disso, é importante lembrar que nenhum movimento em defesa do casamento gay pede autorização para o matrimônio religioso. Nessa área, cada doutrina é livre para estabelecer as regras que bem entender. Luta-se apenas pela autorização do casamento civil, aquele reconhecido pelo Estado e que, por sermos um país laico, deve passar ao largo das convicções religiosas da população.

Todas as grandes religiões monoteístas rejeitam o sexo homossexual. Islamismo, judaísmo e cristianismo consideram-no “antinatural”. No Levítico, a Bíblia afirma que “se um homem dormir com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometeram uma coisa abominável. Serão punidos de morte…”. Para incrementar a rejeição ao tema, as igrejas ainda consideram que o casamento é uma união de amor entre homens e mulheres, para toda vida e com o objetivo de procriar e educar as crianças. Gays, portanto, são incapazes de cumprir inteiramente a missão do casamento. “Em 2 mil anos de história, a Igreja Católica tornou-se uma perita em humanidade. E entendemos como complicada a entrega total entre dois indivíduos do mesmo sexo. A pessoa do homossexual pode ser feliz? Achamos difícil”, diz dom José Benedito Simão, doutor em moral e bispo-auxiliar da Arquidiocese de São Paulo.

Se não há dúvidas sobre a condenação bíblica à homossexualidade, os objetivos do matrimônio parecem ser aliviados pelos religiosos em outras situações. Nenhuma igreja proíbe o casamento de pessoas estéreis, que sabidamente não podem procriar. As escrituras também falam sobre escravos e pena de morte, e nem mesmo os mais devotos seguem à risca esses mandamentos. “A Bíblia precisa ser constantemente reinterpretada. É uma questão de evolução. O Antigo Testamento precisa ser contextualizado a um povo antigo e sua cultura”, afirma dom José.

Por que, então, se abrandaram as rejeições para alguns tabus e não para outros? A resposta está fora da Bíblia, afirma o sociólogo da religião Antônio Flávio Pierucci, da USP. Apesar de justificada em valores religiosos, a condenação à homossexualidade é fundamentada num conceito chamado de tradicionalismo pelos acadêmicos. Em geral, temos dificuldade para lidar com questões cujas respostas vão de encontro ao que aprendemos como correto. E não há dúvida que enxergar os homossexuais como iguais é uma novidade radical na realidade dos heterossexuais. “Desde que o mundo é mundo, casamento é entre homem e mulher”, diz Antônio. Gays, então, teriam rompido um acordo histórico – homens dormem com mulheres e vice-versa.

O problema é que, segundo a ciência, somos incapazes de escolher e conduzir nossa orientação sexual. Como diz uma piada comum entre gays, homossexualidade não é escolha, mas falta de escolha. Pesquisas sobre o tema apontam para uma mistura de fatores biológicos, psicológicos e socioculturais nos motivos que fazem alguém ser gay (veja quadro na pág 52). Mas todas são unânimes ao afirmar que ser gay não é ideologia, crença ou frescura de meninos malcriados. Independentemente do país, cultura e religião, as estatísticas se repetem mostrando que uma parcela pouco abaixo de 10% da população prefere parceiros de mesmo sexo. Há relatos de práticas homossexuais no passado de culturas tão diferentes com os gregos ou comunidades isoladas de Papua Nova Guiné. Isso faz dos relacionamentos gays um fato tão antigo quanto a civilização humana. E nos obriga a reconhecê-los como parte do convívio em sociedade. “A homossexualidade não precisa ser explicada. Ela apenas existe”, escreveu Colin Spencer no livro Homossexualidade: Uma História”

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O CASAMENTO

Ter direito a se casar é o maior sonho de todos os gays, um marco da aceitação na sociedade, certo? Errado. Existe uma facção do ativismo político homossexual, em sua maioria intelectuais de esquerda, para quem o casamento deixaria os gays ainda mais invisíveis para o restante da sociedade. “O casamento mina nosso objetivo de liberação. Só haverá justiça quando formos aceitos e apoiados independentemente de nossas diferenças em relação à cultura dominante”, escreveu a ativista lésbica americana Paula Ettelbrick.

Realmente, parece incrível que os gays estejam brigando pelo casamento. Em pleno século 21, essa desponta como a última causa que grande parte dos héteros escolheria para lutar. Além dos homossexuais, provavelmente apenas as instituições religiosas ainda fazem campanha para que seus fiéis mantenham-se fiéis também a um modelo milenar de relacionamento. Nas últimas três décadas, a taxa de matrimônios caiu 40% nos Estados Unidos. Não é surpreendente, então, saber que a luta pelo casamento homossexual nasceu entre correntes conservadoras do ativismo gay. Editor de Same-Sex Marriage: Pro and Con (“Casamento Gay, Pró e Contra”, sem tradução para o português), o jornalista americano Andrew Sullivan é dono de uma das vozes mais ouvidas na defesa da causa. Sullivan é homossexual, conservador, republicano ferrenho, apoiou a Guerra do Iraque e acha que os gays só serão respeitados quando se comportarem como os heterossexuais. Esse tipo de argumento deixa de cabelo em pé ativistas como Paula. Do outro lado, Sullivan e seus companheiros subverteram a ordem do movimento conservador, que ficou dividido entre os que historicamente defenderam intervenções mínimas do Estado na vida das pessoas e aqueles que vêem na imagem de dois barbudos se beijando uma ameaça a valores fundamentais da sociedade.

Adversários do casamento gay dizem que autorizá-lo ameaça a “instituição casamento” e enfraquece os valores de família. Se hoje liberamos para homossexuais, por que amanhã não permitiremos a poligamia? Por que duas pessoas? E por que não três? Os defensores alegam que a união entre homossexuais fortalecerá família e casamento. E que o divórcio é uma ameaça muito maior – e nem por isso deve ser proibido. Na realidade, é difícil medir os efeitos positivos e negativos da legalização, afinal eles envolvem conceitos subjetivos. O que aconteceria com a família? Com o casamento? Depende do que você pensa dessas instituições. O pesquisador americano Stanley Kurtz, do Instituto Hoover, ligado à Universidade Stanford, analisou esses efeitos no artigo The End of Marriage in Scandinavia (“O Fim do Casamento na Escandinávia”), publicado no início do ano. Nele, Kurtz afirma que a tolerância dos países nórdicos à parceria entre gays (o casamento continua proibido) “deu à sociedade a impressão de que o casamento está fora de moda” e que “qualquer unidade familiar, inclusive a produção independente, é aceitável”. O resultado disso tudo, conclui Kurtz, é que “o casamento está lentamente morrendo na Escandinávia” – cerca de 60% das crianças que nascem na Dinamarca não são filhas de pais casados.

Kurtz não ofereceu provas de que a culpa pelo quadro seja da união gay, mas constatou que os processos aconteceram no mesmo período. Perto dali, na Holanda, casamentos gays foram legalizados e pouco mudou. Três anos após serem permitidos, a polêmica sumiu das mesas de bar. “Tão logo houve a legalização, ninguém mais falou no assunto”, afirma Henk Krol, editor da revista Gaykrant e líder da campanha pró-união. A última diferença legal por orientação sexual, que dava aos héteros preferência para fazer adoções no exterior, foi abolida em fevereiro.

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AS CRIANÇAS

A mudança fez da Holanda também o único país a dar pleno direito de adoção para casais do mesmo sexo. E esse é outro tema espinhoso. Gays podem educar crianças sem afetar o desenvolvimento delas? A resposta passa pela própria Holanda: estima-se que o país tenha atualmente 20 mil pimpolhos legalmente adotados por casais gays. Aparentemente, sem traumas. “Todos os estudos no país indicam que paternidade e adoção gay não causam problemas às crianças”, diz Rob Tielman, pesquisador da Universidade de Utrecht e uma das maiores autoridades holandesas sobre o tema.

Mas o que é bom para a Holanda não é necessariamente bom para o Brasil. Nossas diferenças culturais, diz Tielman, impedem afirmar que os resultados obtidos lá seriam iguais por aqui. É preciso ter em mente também que ausência de problemas não quer dizer que crianças criadas por gays sejam idênticas às criadas por heterossexuais. “O simples fato de escolhermos um colégio e não outro já tem enorme impacto na pessoa que nossos filhos serão. Toda influência tem conseqüências”, diz a psiquiatra Carmita Abdo, do Hospital das Clínicas de São Paulo, que coordenou o projeto “Sexualidade”, maior pesquisa sobre hábitos sexuais dos brasileiros. “Quando subvertemos o papel da mulher e ela deixou de cuidar dos filhos em casa para trabalhar muita coisa mudou. Estamos piores? É questão de opinião. Creio que tivemos perdas e ganhos. Mas prever essas alterações antes de elas acontecerem é praticamente impossível.”

Apesar da dificuldade, algumas hipóteses podem ser formuladas para os efeitos da adoção gay. A ausência de um referencial do sexo ausente não parece ser problema – segundo Carmita, a criança é capaz de reconhecê-lo em outras pessoas próximas. É o que acontece com filhos de pais solteiros. Gays tampouco induzem crianças à homossexualidade, concluiu mais de uma dezena de estudos diferentes. Outra pesquisa, apresentada pela professora Charlotte Patterson na Associação Americana de Psicologia, em 1995, mostrou que hábitos de crianças criadas por lésbicas eram praticamente idênticos aos dos filhos de heterossexuais. Assistiam aos mesmos programas de televisão, brincavam com os mesmos brinquedos, se relacionavam com os mesmos amigos no colégio. Consenso, no entanto, ainda é uma palavra que passa longe da comunidade científica. Um pool de especialistas que analisou todas as pesquisas disponíveis sobre o tema para o Journal of Divorce and Remarriage (“Jornal do Divórcio e Recasamento”) afirmou que todas tinham falhas metodológicas. Acusou pesquisadores dos dois lados de estarem engajados numa causa e terminou espetando: “Não precisamos apenas saber se existem diferenças. Temos uma decisão moral a tomar: a sociedade teria o direito de prevenir a criação de indivíduos que eventualmente seriam mais abertos a comportamentos e relacionamentos homossexuais?”.

E se… tivéssemos mais gays no mundo? Certamente veríamos uma parcela da população incomodada ao se deparar freqüentemente com algo que repulsam. Mas talvez esteja nessa tensão a saída para uma convivência harmoniosa. Todos os remédios contra o preconceito envolvem um fator indispensável: tempo. Quando os Estados Unidos permitiram que brancos e negros se casassem, em 1968, 72% da população desaprovava esse tipo de relação. Somente em 1991 é que pela primeira vez a maioria das pessoas afirmou não ver problemas no casamento inter-racial. Aceitar que duas pessoas do mesmo sexo se casem e sejam reconhecidas como família é um ato doloroso para boa parte dos brasileiros. Mas não há outro jeito de termos uma sociedade mais igual. Ser tolerante é um exercício que requer cuidado diário. Exatamente como o casamento.

37 razões para dizer sim

Você pode não pensar neles, mas ao casar ganhamos algumas dezenas de benefícios. Confira a lista dos direitos aos quais casais gays não têm acesso

1. Não podem casar

2. Não têm reconhecida a união estável

3. Não adotam sobrenome do parceiro

4. Não podem somar renda para aprovar financiamentos

5. Não somam renda para alugar imóvel

6. Não inscrevem parceiro como dependente de servidor público

7. Não podem incluir parceiros como dependentes no plano de saúde

8. Não participam de programas do Estado vinculados à família

9. Não inscrevem parceiros como dependentes da previdência

10. Não podem acompanhar o parceiro servidor público transferido

11. Não têm a impenhorabilidade do imóvel em que o casal reside

12. Não têm garantia de pensão alimentícia em caso de separação

13. Não têm garantia à metade dos bens em caso de separação

14. Não podem assumir a guarda do filho do cônjuge

15. Não adotam filhos em conjunto não podem adotar o filho do parceiro

16. Não podem adotar o filho do parceiro

17. Não têm licença-maternidade para nascimento de filho da parceira

18. Não têm licença maternidade/ paternidade se o parceiro adota filho

19. Não recebem abono-família

20. Não têm licença-luto, para faltar ao trabalho na morte do parceiro

21. Não recebem auxílio-funeral

22. Não podem ser inventariantes do parceiro falecido

23. Não têm direito à herança

24. Não têm garantida a permanência no lar quando o parceiro morre

25. Não têm usufruto dos bens do parceiro

26. Não podem alegar dano moral se o parceiro for vítima de um crime

27. Não têm direito à visita íntima na prisão

28. Não acompanham a parceira no parto

29. Não podem autorizar cirurgia de risco

30. Não podem ser curadores do parceiro declarado judicialmente incapaz

31. Não podem declarar parceiro como dependente do Imposto de Renda (IR)

32. Não fazem declaração conjunta do IR

33. Não abatem do IR gastos médicos e educacionais do parceiro

34. Não podem deduzir no IR o imposto pago em nome do parceiro

35. Não dividem no IR os rendimentos recebidos em comum pelos parceiros

36. Não são reconhecidos como entidade familiar, mas sim como sócios

37. Não têm suas ações legais julgadas pelas varas de família

A ciência do arco-íris

Por que há pessoas que sentem atração por outras do mesmo sexo? Ainda não existe consenso sobre a resposta. No máximo, especialistas definiram quem é gay: não os que provaram desse relacionamento, mas os que sentem atração homossexual. No Brasil, segundo pesquisa do projeto “Sexualidade”, são cerca de 6 milhões de pessoas nessa situação. Entre homo e bissexuais, 7,9% dos homens e 3,3% das mulheres se declararam gays. O mais provável é que eles desejem o mesmo sexo pela combinação de fatores biológicos e experiências de vida. “Todas as manifestações humanas são multicausais”, diz a psiquiatra Carmita Abdo. Veja as teorias que explicam a homossexualidade.

Freudiana

Para o pai da psicanálise, gays tiveram uma relação fragilizada com o pai por culpa de alguma interferência da mãe

Genética

A sexualidade seria determinada exclusivamente por um gene do cromossomo X. A idéia tem pouca aceitação entre cientistas

Paternidade

Homens héteros têm predomínio do lado esquerdo do cérebro. Mulheres, do direito. Entre gays, a relação seria invertida

Primeiro prazer

A sexualidade humana seria definida pelo primeiro registro cerebral de uma experiência prazerosa

Para saber mais

Na livraria:

Same-Sex Marriage: Pro and Con – Andrew Sullivan (editor), Vintage Books, EUA, 1997

Gay Marriage: Why It Is Good for Gays, Good for Straights, and Good for America – Jonathan Rauch, Times Books, EUA, 2004

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