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O homem que matou Bin Laden

Ele invadiu a mansão do terrorista mais procurado do mundo. E disparou o tiro que o matou.

Por Aurélio Amaral e Bruno Garattoni
Atualizado em 5 abr 2017, 13h47 - Publicado em 3 fev 2013, 22h00

“Tentem não acertar o filho da puta no rosto” – disse um dos seals (soldados de elite das Forças Armadas americanas). “Mas se estiver escuro e eu só puder ver a cabeça, não vou esperar para que ele detone um colete-bomba”, argumentou o outro. “Se tiverem chance, atirem no peito”, ponderou um terceiro. Esse terceiro homem é o ex-oficial Matt Bissonnette, na época com 33 anos. Depois de participar de combates no Iraque e no Afeganistão e ser condecorado seis vezes, ele foi recrutado para uma das missões militares mais ousadas de todos os tempos: a captura de Osama bin Laden, em 2011. A operação deu certo, ou quase (Bin Laden foi morto). Mas, irritado com o governo americano, Bissonnette deixou as Forças Armadas – e escreveu um livro contando em detalhes como tudo aconteceu.

A história começa na Carolina do Norte. Ao longo de duas semanas, um grupo de 24 seals foi preparado para invadir a mansão onde Bin Laden supostamente estaria escondido, no Paquistão. A missão foi treinada e ensaiada à exaustão – os americanos chegaram até a construir uma reprodução em tamanho real da casa. Mas, na hora da verdade, tudo aconteceu de um jeito totalmente diferente do planejado.

Abbottabad, Paquistão. 2 de maio de 2011. No meio da noite, dois helicópteros Black Hawk UH-60 se aproximam da mansão. Está completamente escuro, e os soldados usam óculos de visão noturna. Plano: invadir o terceiro andar da casa, onde Bin Laden supostamente estava dormindo. Parte dos militares desceria por uma corda, e a outra daria cobertura por terra. Como havia uma academia militar por perto, o tráfego aéreo era comum na região e o barulho dos helicópteros não despertaria suspeitas.

Só que o primeiro Black Hawk sofreu uma pane e começou a cair – e por pouco a missão não terminou antes de começar. “Eu senti pavor. Sempre imaginei que morreria num tiroteio, não num desastre aéreo”, conta Bissonnette. O piloto conseguiu girar o helicóptero e jogá-lo em cima do muro da mansão, amortecendo a queda. Os seals sobreviveram. Mas a estratégia inicial morreu ali. Era hora de aplicar o plano B: invadir a mansão por baixo. Isso significava entrar pela casa de hóspedes, passar por um corredor que levava à casa principal e subir as escadas até chegar ao terceiro andar. Os agentes conheciam a casa de Bin Laden nos mínimos detalhes (sabiam até se cada porta abria para dentro ou para fora), mas agora o risco seria muito maior.

Ao entrar, eles encontraram os irmãos Abrar e Ahmed al-Kuwaiti, funcionários de Bin Laden, que estavam na casa de hóspedes. Ahmed abriu fogo contra os seals, que reagiram – e o mataram. Abrar foi fuzilado junto com a esposa. Três mortos, e a operação mal tinha começado.

Os americanos chegaram à casa principal, cujo primeiro andar estava vazio. No segundo, eles acharam o filho mais velho de Bin Laden, Khalid – que foi morto com um tiro no rosto antes que pudesse esboçar qualquer reação. Os seals começaram a subir a escada rumo ao terceiro andar. Eles não tinham pressa. Ao contrário do que acontece nos filmes, não corriam nem abriam portas bruscamente lançando granadas. Caminhavam devagar e em silêncio. Bin Laden, a essa altura, já sabia da presença inimiga – e provavelmente estava pronto para se defender.

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“Meus sentidos estavam superexcitados. Eu tentava escutar o barulho de uma arma sendo carregada ou os passos de alguém”, diz Bissonnette no livro. Os americanos estavam em maior número, equipados com óculos de visão noturna e armamento pesado. Mas, se Bin Laden ou algum segurança começasse a atirar, certamente a equipe sofreria muitas baixas. Havia ainda outro risco: para tentar proteger Bin Laden, a mulher e os filhos – que viviam com ele no mesmo quarto -poderiam detonar coletes-bomba e explodir a casa inteira, matando todo mundo.

A tensão e o silêncio eram absolutos. Ao subir os últimos degraus da escada, os seals viram uma cabeça espiar por trás de uma porta. Não dava para reconhecer direito o rosto da pessoa. Será que Bin Laden arriscaria se expor dessa forma? Naquela hora, o primeiro atirador da fila não parou pra pensar. Disparou cinco tiros de fuzil, acertando pelo menos um na cabeça daquele homem. A equipe avançou para o quarto e encontrou o sujeito caído no chão, ao pé da cama. Ele vestia uma camiseta sem mangas, calças largas marrons e túnica marrom. Não estava armado e não tentou reagir. Estava muito ferido. “Ele já estava à beira da morte, se contorcendo. Eu e o outro invasor apontamos nossos rifles para o peito dele e fizemos vários disparos, até ele parar de se mexer”, relata Bissonnette. Duas mulheres e três crianças assistiam à cena e choravam histericamente. Era o fim de Osama bin Laden.

Mas, por alguns minutos, os agentes ainda não estavam certos disso. Os ferimentos de bala tinham afundado o crânio e deformado o rosto do cadáver, que estava completamente ensanguentado – e irreconhecível. A altura, 1,95 m, conferia com a de Bin Laden. Mas o semblante era de um homem mais jovem do que se imaginava. E ele não tinha a barba grisalha pela qual o terrorista era conhecido – a barba era preta.

Para ter certeza, Bissonnette limpou o sangue da face, sacou sua câmera digital e, como em um episódio de CSI, fotografou o cadáver de diferentes ângulos. Do rosto, fotografou principalmente o perfil. O nariz comprido e delgado, marca inconfundível de Bin Laden, tinha permanecido intacto. E era a evidência mais clara de que, sim, tinham matado o homem certo. Mesmo assim, a equipe só comunicou oficialmente a Casa Branca depois de conferir várias vezes os retratos e de obter a confirmação de uma das crianças e uma das mulheres. Os seals coletaram saliva do morto para fazer testes de DNA e tentaram até extrair uma amostra de medula óssea – fincaram diversas vezes uma seringa na coxa de Bin Laden para retirar a amostra de dentro do fêmur, mas as agulhas quebraram. Desistiram.

Armas sem munição
O tempo estava acabando. Do começo da operação até a morte de Bin Laden, haviam se passado 15 minutos. Quanto mais tempo eles demorassem, maiores as chances de chegarem reforços da Al-Qaeda ou mesmo a polícia e o exército paquistaneses, que não sabiam da operação. Além disso, o Black Hawk avariado tinha sido programado para explodir – e eles teriam de fugir no helicóptero que sobrou antes que isso acontecesse. Os atiradores deram uma vasculhada rápida no escritório, localizado no segundo andar, onde recolheram pen drives, cartões de memória e computadores. No quarto, encontraram um vidro de tintura preta – o que explicava a cor da barba. O guarda-roupa era impecavelmente organizado. Todas as roupas estavam dobradas e empilhadas e dispostas com espaços regulares entre si. Numa prateleira sobre a porta, finalmente acharam o que esperavam ver nas mãos de Bin Laden: um fuzil AK-47 e uma pistola – ambos descarregados. Isso mesmo. Sem cartuchos. Bin Laden sabia que estavam vindo para capturá-lo ou matá-lo, mas escolheu não lutar. “Ele estava pronto para travar a guerra [contra os EUA] que propunha? Eu acho que não. Se fosse assim, teria pelo menos pegado a arma e se defendido”, teoriza Bissonnette.

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Mas, se Bin Laden não tentou reagir, por que foi executado com vários tiros no peito? Antes da missão, um advogado – que Bissonnette não sabe dizer se era da Casa Branca ou do Pentágono – se dirigiu aos seals e foi claro: o objetivo da missão não era o assassinato. “Se ele não representar ameaça, os senhores deverão apenas detê-lo.” Só que essa orientação dificilmente seria cumprida. Segundo Bissonnette, os seals estavam irritados com as regras impostas pelo governo Obama – que implantou medidas para tentar coibir a violência militar no Iraque e no Afeganistão. “Quando trazíamos prisioneiros, tínhamos mais duas ou três horas de trabalho com a papelada. A primeira pergunta que faziam aos combatentes presos era: ‘Você sofreu abuso?’. Uma resposta afirmativa acarretava uma investigação e mais papéis.” A tropa de elite não tinha mais paciência para direitos humanos – principalmente os de Bin Laden.

Os seals embarcaram no helicóptero para voltar a uma base militar americana em Jalalabad, no Afeganistão, deixando para trás as mulheres e crianças que restaram na casa. Elas corriam o risco de se ferir com a explosão do helicóptero defeituoso, mas os americanos simplesmente ignoraram esse fato. “Não tivemos tempo para ajudar”, diz Bissonnette. Segundo ele, um dos oficiais foi sentado sobre o cadáver de Bin Laden na viagem de volta. Isso contraria o discurso oficial do governo dos EUA – de que o corpo teve tratamento digno antes de ser sepultado no mar.

No hangar da base militar, uma agente da CIA que havia passado os últimos cinco anos tentando encontrar pistas do paradeiro de Bin Laden aguardava a chegada da tropa. Ao ver o morto, ela chorou. Os atiradores, que haviam passado os dez anos anteriores em missões no Oriente Médio por causa daquele mesmo homem, não. “Nós víamos gente morta o tempo todo. Nós convivíamos com essa feiura, e uma vez terminado o serviço não pensávamos mais no assunto”. Mesmo que o serviço fosse matar o homem mais procurado de todos os tempos.

IDENTIDADE REVELADA
Matt Bissonnette se aposentou logo após a Operação Lança de Netuno (nome oficial da missão que matou Bin Laden). E escreveu o livro Não Há Dia Fácil, no qual conta os detalhes da operação, sob o pseudônimo de Mark Owen. Dias antes da publicação do livro, teve sua identidade revelada pela rede de TV americana Fox News. A informação foi confirmada pelo Departamento de Defesa norte-americano, e o Pentágono ameaçou processar Bissonnette. O livro virou o mais vendido dos EUA. Radicais islâmicos ameaçaram matar Bissonnette, que hoje vive escondido.

Para saber mais
Não Há Dia Fácil
Mark Owen e Kevin Maurer, Editora Paralela, 2012.

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