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O perigo é uma carga pesada: as causas de acidentes nas estradas

Com veículos em más condições, sinalização e conservação precárias e falhas humanas, as rodovias brasileiras tornam-se cada vez mais perigosas; ainda, os números da frota nacional e das principais causas de acidentes.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 31 jul 1995, 22h00

Wanda Nestlehner, Ricardo Prado

Erros de governos passados, falhas humanas, pistas ruins, caminhões de muitas toneladas. Entenda por que as estradas brasileiras são cenários de tragédias diárias.

Por Wanda Nestlehner e Ricardo Prado

Existe uma guerra no asfalto. Às vezes, o maior sai amassado, mas quem perde é o menor. Perde e morre. Todo mundo sabe disso. Aqui, você vai entender um pouco melhor as razões das tragédias que acontecem diariamente nas rodovias brasileiras. São razões históricas, mecânicas e até humanas. Antes, porém, vamos aos números que comprovam o que todos sabem: no asfalto, o caminhão mata.

Um levantamento, feito especialmente para a SUPER pela Polícia Rodoviária Federal, revelou que os caminhões estiveram envolvidos em 60% de todas as mortes ocorridas no trecho paulista da Rodovia Fernão Dias (São Paulo — Belo Horizonte), em 1994. É uma apuração inédita em meio à falta de dados seguros a respeito do envolvimento desses bólidos pesados nas trombadas fatais. Levantar com rigor a responsabilidade dos veículos de transporte no front rodoviário é uma tarefa tão difícil quanto viajar por ele. Mas o superintendente da Polícia Rodoviária Federal em São Paulo, Joaldo Bispo de Souza, confirma a representatividade da amostra apurada para SUPER: “Em 60 a 70% dos acidentes registrados, há alguma responsabilidade dos caminhões”, ele garante.

Só nas estradas federais brasileiras morreram, no ano passado, 6 759 pessoas. Numa delas, a Rodovia Régis Bittencourt (BR-116), entre São Paulo e Curitiba, rodam 24 000 caminhões por dia. Há horários em que os peso pesados são bem mais numerosos nas estradas do que os automóveis. Em parte é por isso que, embora representem apenas 7% da frota nacional de veículos, a sua participação nos acidentes fatais seja tão alta como a comprovada pela SUPER na rodovia que liga São Paulo a Belo Horizonte.

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“Em 80% dos desastres com mais de um veículo há participação de caminhões”, avalia o capitão Sérgio da Silva, do Comando de Policiamento Rodoviário paulista. O problema é que uma batida dessas costuma ser muito mais grave do que uma colisão entre dois carros. É claro que se pode morrer até mesmo sem bater em nada. Por exemplo, ao capotar. Mas, é bom saber: se uma carreta de 25 toneladas vai, a 100 quilômetros por hora, de encontro a um Fusca estacionado, o impacto será equivalente a 2 500 toneladas. Não importa de quem é a culpa; mais uma vez, a tragédia irá marcar o asfalto.

O fato é que ao transportarem 70% de toda a carga do país os caminhões deixam um rastro sangrento. Além do mais, são pouco econômicos. A razão de entupirem nossas estradas está em decisões de governo, tomadas há algumas décadas. Enquanto nações mais desenvolvidas priorizaram outros meios de transporte por um motivo eloqüente — entre todos, o rodoviário é o mais caro —, a opção pela rodovia firmou-se por aqui. Isso começou a acontecer com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Na década de 40, o Brasil ainda contava com 38 000 quilômetros de ferrovias. Hoje, a extensão das linhas férreas é de apenas 30 214 quilômetros.

As ferrovias encolheram e as rodovias esticaram. Os 185 000 quilômetros de estradas que o país tinha nos anos 40 cresceram para l,6 milhão de quilômetros (embora, destes, apenas 148 243 quilômetros estejam pavimentados). É por essa teia esburacada, pouco policiada e extremamente caótica que transita grande parte de toda a produção brasileira. O negócio dos transportes gira 30 bilhões de dólares por ano.

Além disso, há o fator humano. Na boléia, vão motoristas que, em sua maioria, trabalham mais de dez horas por dia, sem folga semanal. Para agüentar, 33% levam uma televisão na cabine — ou seja, dividem a atenção entre a TV, as curvas e as ultrapassagens. Pilotam naves em condições precárias, quase todas com freios e faróis desregulados, folga no volante e problemas na suspensão.

Se, descontados os fatores objetivos como buracos, sinalização falha e más condições dos veículos, ocorrer um acidente com morte por erro humano, é pouco provável que o motorista venha a responder criminalmente pelos danos. O Código Penal antiquado (foi aprovado em 1940), a morosidade da Justiça e as deficiências no registro das ocorrências trabalham a favor da impunidade. “Apenas 1% dos crimes de trânsito resultam em sentenças irrecorríveis no Brasil”, conta o juiz Octávio César Valeixo, que por dez anos foi o titular da 1a. Vara de Delitos de Trânsito de Curitiba. Inconformado com a impunidade, ele não contém a ironia: “O Brasil está enfrentando a criminalidade turbinada com instrumentos legais do tempo da charrete”. O país mudou, charrete quase não se encontra mais, mas os governos que se seguiram ao do presidente Washington Luís (1926-1930) mantiveram sua crença de que “governar é abrir estradas”. É uma crença maldita. Com mais trens, mais barcos, mais aviões e menos jamantas, o país pouparia, todos os anos, milhares de vidas.

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Para saber mais:

Você é um bom motorista?

(SUPER número 12, ano 6)

Máquinas Mortíferas

Os problemas de 122 caminhões vistoriados

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em 1993 na Rodovia Presidente Dutra:

Faróis desregulados: 69,3%

Lâmpada de lanterna queimada: 62,8%

Espelhos retrovisores com vibração: 42,3%

Problemas de suspensão: 86,2%

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Folga no volante: 68,7%

Pneus com pouca pressão 68,8%

Problemas de freio: 97,5%

Pneus em mau estado: 16,7%

Fonte: Instituto Nacional de Segurança no Trânsito

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Um país sobre rodas de borracha

A distribuição do transporte de carga no Brasil

e em outros países em 1992 (%)

País Hidroviário Ferroviário Rodoviário

Brasil 2 28 70

EUA 25 50 25

França 17 55 28

Canadá 35 52 13

Paraguai 49 4 47

Fonte: Ministério dos Transportes/Confederação Nacional dos Transportes

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