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O que você faria com uma impressora de dinheiro?

A Europa está fabricando dinheiro para tirar do buraco os países em crise. E o continente começa a virar uma nação de verdade

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 19 nov 2012, 22h00

Dia do seu aniversário. O porteiro interfona dizendo que chegou uma encomenda. Você desce e… Minha nossa! É uma caixa enorme. Ela vem com um bilhete: “Parabéns! Você acaba de ganhar uma impressora de dinheiro. Aproveite 🙂 Assinado: Banco Central”. O que você faria? Provavelmente o mesmo que qualquer pessoa sensata: fabricaria notas como se o mundo fosse acabar amanhã.

Essa situação não é exatamente absurda. No mundo real, existem donos de impressoras de dinheiro. São os governantes de cada país. E, ao longo da história, vários deles tiveram ataques de “sensatez”: fabricaram toneladas de notas e gastaram como se o mundo fosse acabar amanhã – fosse para pagar dívidas do Estado, fosse para fomentar o consumo (mais dinheiro saindo das impressoras = mais crédito fácil). Bom, a quantidade possível de dinheiro de papel pode até ser infinita. Mas tem uma coisa que não dura: a capacidade que as pessoas têm de produzir coisas que você pode comprar com o dinheiro. É fácil dobrar a quantidade de notas do dia para a noite. Difícil é produzir duas vezes mais carros, aviões e pastéis da noite para o dia. Não dá. E se tem o dobro de dinheiro para comprar o mesmo número de coisas, os preços sobem. Inflação.

Mesmo assim, a tendência frente as impressoras de grana é sempre o abuso. Então os próprios governos, ao longo da história recente, criaram métodos para frear a tentação de criar dinheiro demais. Leis anti-inflação, digamos assim. A mais célebre foi o padrão-ouro. Em 1816, o Parlamento britânico decidiu que deixar o governo imprimir dinheiro à vontade era amarrar cachorro com linguiça. A inflação estava crescendo. Era hora de dar um fim à palhaçada. Pronto: ficou fixado que uma libra valia 7,3 gramas de ouro. Se o governo quisesse imprimir um mihão de libras a mais, teria de arranjar 7,3 toneladas extras de ouro para deixar em seus cofres como lastro.

A Inglaterra era o país mais rico do mundo, então a moda foi pegando. Qualquer nação que adotasse o padrão-ouro teria automaticamente a mesma moeda dos ingleses. Desse jeito daria para estreitar os laços comerciais com eles, coisa que naquela época era fundamental para qualquer país. Tanto que, no final do século 19, EUA, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Suíça, Suécia, Noruega e Finlândia já tinham adotado o padrão. A Alemanha continuava com seus marcos, a França, com seus francos, mas agora cada um desses dinheiros tinha seu valor fixado em ouro. Era como se todos operassem sob uma moeda única.

O padrão-ouro azeitou o comércio. Os países envolvidos cresceram como nunca. Até que 1914 chegou trazendo a 1ª Guerra Mundial. Para pagar os esforços de guerra, todo mundo voltou a imprimir dinheiro sem lastro. Era o fim da era dourada do padrão-ouro. O dinheiro lastreado até voltaria depois em alguns países. Mas aí veio a Grande Depressão nos anos 30. Os governos precisaram imprimir notas a rodo para estimular o consumo. Depois disso, tchau padrão-ouro. Até que chegou o euro.

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E agora quem faz o papel que era do ouro é o Banco Central Europeu (BCE). O órgão, que não pertence a um país, mas às 17 nações da zona do euro, é o dono das impressoras e tem a missão de manter a quantidade de moeda em níveis racionais. Já o “lastro” da moeda, na prática, é a capacidade de produção dos países membros. E que capacidade: a zona do euro é o segundo maior PIB do mundo (US$ 12 trilhões). Quando a moeda surgiu, países de economia fraca, como Grécia e Portugal, se viram numa situação privilegiada. Passaram a ter uma moeda fortíssima, lastreada em grande parte pelo PIB da Alemanha (US$ 3,5 trilhões em 2011). Nisso, a moeda nova trouxe crédito fácil para essas e outras nações menores no mercado internacional. E elas tomaram emprestado como se não houvesse amanhã…

Mas uma hora a conta chegou. A produção desses países não gerava dinheiro suficiente para pagar pelos empréstimos. Vieram as ameaças de calote e os pedidos de ajuda financeira para o resto do mundo. Veio também a revelação de que economias bem mais musculosas – Espanha e Itália – também estavam pela hora da morte. E o futuro do euro passou a ser incerto. Tão incerto que, na falta de um governo central no continente, o BCE assumiu as rédeas: anunciou em setembro que, se necessário, vai imprimir quanto dinheiro for preciso para emprestar aos países pendurados, a fim de evitar o caos.

O italiano Mario Draghi, presidente do BCE, também avisou que pretende “esterilizar” o dinheiro extra. No caso, tirar euros de circulação de outras partes do sistema financeiro para que a grana nova não cause inflação. Desse jeito, Draghi está comprando tempo para os países endividados. Esses empréstimos são a conta-gotas. É que os países pendurados rolam suas dívidas vendendo títulos públicos o tempo todo. Títulos públicos são notas promissórias – os governos pedem emprestado 1 000 hoje prometendo pagar 1 100 lá na frente. Mas o mercado já não confiava nas promessas de pagamento. Essa fonte de dinheiro estava secando. Então Draghi decidiu alimentá-la: vai comprar os títulos com dinheiro novo, enquanto drena dinheiro velho de partes mais ricas da zona do euro. O almoço não é grátis: recebe a grana só quem tiver reformado suas economias para evitar gastos inúteis. Na prática, é uma redistribuição de renda do tipo Bolsa Família: o dinheiro só entra “se os filhos estiverem na escola”. E mais importante: é a primeira vez que a Europa age como se ela toda fosse uma única nação. Por esse ponto de vista, as impressoras de Draghi podem estar dando à luz uma Europa realmente unificada. Nada poderia ser mais sensato.

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