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O recorde que não queremos ter: somos o país que mais mata transexuais

Por Priscila Bellini
Atualizado em 31 out 2016, 19h08 - Publicado em 24 jun 2015, 21h30

Seus pais não entendem o porquê de você querer ser chamada por um determinado nome. Digamos, Maria: o nome com o qual você mais se identifica e que mostra que você é, sim, uma mulher. Na escola, ninguém quer conversar com você, e acha estranho que você queira ser chamada de Maria, imagine só. Você recebe apelidos maldosos, o grandalhão da sala convoca os amigos para persegui-la e grita outro nome em alto e bom som, mesmo que esse não seja bem o seu nome. A família toda acha que você merece um castigo, e um dos membros chega a bater em você, com a aprovação de todo mundo. A vizinhança encara com um desprezo semelhante tudo o que você faz. Daí você é expulsa de casa e não tem nem coragem de voltar à escola, porque nem ali as pessoas têm algum respeito.   

Essa é a realidade enfrentada pela maioria esmagadora das pessoas transexuais e travestis, aquelas que não se identificam com o gênero que foi atribuído a elas quando nasceram. É assim: uma pessoa que nasceu com um pênis não necessariamente se identifica como homem (ou vice-versa, no caso dos homens trans), e por isso precisa ser reconhecida pelo que é, uma mulher. A Maria, nossa personagem fictícia, já disse que se identifica como mulher, já apontou como deve ser tratada e qual é sua identidade de gênero. E as discriminações enfrentadas pela Maria – em maior ou menor grau, em cada detalhezinho do dia a dia – são o que define a transfobia, um tipo de violência que atinge a letra “T” da sigla LGBT. Em seu aspecto mais extremo, ela culmina no assassinato. E o Brasil, em matéria de transfobia, tem muito a lamentar. Somos os líderes nesse ranking de assassinatos, segundo dados da organização Transgender Europe, e só neste ano foram 70 vítimas.

O último caso de destaque foi da travesti Laura Vermont, de 18 anos, que trabalhava como garota de programa. A jovem foi a uma festa, na Zona Leste da capital paulista, mas não voltou para casa. Ela foi espancada por um grupo de rapazes, esfaqueada e encontrada com a marca de um tiro em um dos braços. Ao pedir ajuda à polícia, em vez de ser socorrida, foi agredida novamente. A suspeita sobre a autoria do crime recai sobre dois policiais militares, que forjaram uma versão sobre o ocorrido ao relatarem tudo na delegacia. Ao que tudo indica, não só os PMs assassinaram a moça, como arrumaram um sujeito para se passar por testemunha e dizer que eles não tinham feito nada de errado. Por trás do caso, além da violência policial, está a transfobia. Se era uma travesti, precisava ser respeitada, enquanto caminhava por uma avenida à noite? Na última Parada do Orgulho LGBT, a atriz Viviany Beleboni desfilou “crucificada” e chamou atenção para o assunto: “a dor que a comunidade LGBT tem passado”.

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Só que, no caso das pessoas trans, esse sofrimento tem traços particulares, e por isso merece um nome específico. Se você leu o enredo ali em cima, já entendeu que as pessoas trans são excluídas de tudo. Não sacou como isso acontece? “Você não vê uma travesti passeando no shopping, não vê uma travesti no cinema ou na praça de alimentação, você não tem uma professora travesti”, aponta a analista de sistemas e militante transfeminista Daniela Andrade. O problema começa desde muito cedo, com a exclusão das transexuais na família, o que faz com que a maioria seja expulsa de casa já na adolescência. Muitos parentes tentam a todo custo – todo mesmo, inclusive através de violência física, como espancamentos – fazer com que aquele membro da família se encaixe no padrão.

Então, o jeito é ir para a rua e arranjar um jeito de não passar fome. Nem a casa nem a escola, via de regra, apoiam pra valer esse alguém. Nem o psicólogo na escolinha entende o que está acontecendo, nunca ouviu falar de identidade de gênero. O ambiente não é seguro e nem oferece o cuidado necessário. Daí que, desamparadas, 90% dessas meninas são empurradas para a prostituição, de acordo com os dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil). “A mulher trans que se prostitui, além de ser vista como criminosa, é encarada como um ser inferior”, explica Daniela. E esse tratamento dá margem tanto para a violência por parte de policiais e clientes, como também reforça o preconceito contra as travestis e transexuais. Mesmo no caso de Laura, que contava com o apoio da família, essa imagem negativa motiva agressões.

Agora, e se você não quer se prostituir e vai procurar um emprego? Fique sabendo que a moça do RH vai pensar em todos os estereótipos antes de contratar. Juntando todas essas peças, dá para entender a que tipo de jogo essas pessoas ficam submetidas. Na verdade, nem a lei brasileira contempla essa população. Modificar o nome nos registros (certidão de nascimento, RG…), por exemplo, demanda um trabalho danado. São precisos laudos e mais laudos para comprovar para o Estado qual é o seu gênero, e muito esforço para obter gratuitamente os hormônios para conseguir adequar seu corpo, que são oferecidos pelo SUS, assim como a cirurgia de transgenitalização. “As pessoas trans não são só expulsas de casa e da escola, elas são expulsas da sociedade toda”, resume Daniela. As muitas Lauras, Biancas, Natálias e Izabellys são a prova disso. 

 

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(No próximo dia 27, sábado, ocorre em São Paulo a Caminhada em Memória a Laura Vermont e todas as vítimas de transfobia)

 

  

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