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Os deuses, humanos como todos nós

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 31 jan 1989, 22h00

Luiz Barco

Em uma recente reunião na universidade assisti a um jovem e entusiasmado professor apresentar o que chamou “novo” método para resolver (e ensinar) as equações do segundo grau. Alertava, honestamente, que o método não era seu; apenas o encontrara num livro de curiosidades. Pensei tratar-se apenas de uma técnica para despertar a atenção dos ouvintes, mas com o correr da palestra percebi que o jovem professor estava realmente convencido de que encontrara um novo método para enfrentar as velhas e simpáticas equações do segundo grau.

Esperei que algum dos presentes o alertasse de que aquele “novo” método havia sido formulado pelo mais eminente matemático do século XVI, o francês François Viète (1540-1603), mas ninguém o fez. Na verdade, o debate que seguiu a exposição revelou que quase todos os presentes estavam descobrindo o método naquele momento. O fato reforça a minha impressão de que tem sido muito precária a formação média oferecida ao professorado brasileiro. A idéia de que o aumento indiscriminado do número de cursos superiores acabaria resultando na melhoria qualitativa não parece correta.

Não são apenas os conceitos básicos das artes e das ciências que têm sido negligenciados. A própria história das artes e das ciências tem sido sonegada aos nossos educandos. Ao insistir em transmitir aos alunos as idéias formuladas pelos cientistas e fixar-se nos produtos dessas idéias, ainda que de maneira correta, não levamos aos jovens as dificuldades enfrentadas para a sua formulação. E muito menos falamos das inquietações sociais que aqueles homens viveram, e que sem dúvida foram o pano de fundo do desenvolvimento de seu trabalho. Isso gera indiferença, pois rouba à ciência e aos homens que a produzem sua dimensão humana.

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Em artigo publicado na revista Mechanical Enginneering de julho de 1987, o professor Henry Petroski, do curso de Engenharia da Duke University, na Carolina do Norte, Estados Unidos, faz um interessante paralelo ente os textos que sua filha lê, no curso de Artes, e os textos oferecidos aos alunos de Engenharia. Enquanto ela é estimulada a ler textos de Aristóteles, por exemplo, os alunos das ciências aplicadas parecem considerar obsoleto todo livro editado há mais de cinco anos. Os estudantes das chamadas artes liberais tomam conhecimento na fonte do que pensaram e escreveram os grandes homens. Para os estudantes de Mecânica – é ainda o professor americano quem diz – predizerem o comportamento dos sistemas que eles projetaram não há fundamento melhor do que os Principia de Isaac Newton, dos quais os textos modernos são, no máximo, notas de rodapé.

Exageros à parte, concordo com ele. Ao ler a versão atualizada dos Principia Mathematica, de Newton, os estudantes entram em contato com os pensamentos de uma grande mente criativa. E se o fizerem dentro do tecido histórico e social em que foram concebidos ganharão em eficiência e prazer. Na educação da tecnologia, em oposição à pesquisa tecnológica, a tensão não é entre os modernistas e os tradicionalistas tanto quanto é entre os acadêmicos e os praticantes nas indústrias. Há um debate saudável entre os que advogam que os estudantes devem ser instruídos nos fundamentos dos métodos que permeiam todas as aplicações tecnológicas e os que preferem treiná-los no estado da arte de uma disciplina particular.

Como o estado da arte evolui com rapidez, privilegiá-lo na formação significa obsolescência. Mas os fundamentos das ciências, como os da Literatura e da Filosofia, são transcendentais. Qualquer que seja a escolha, de todo modo, não basta buscar com ela apenas a eficiência; é preciso também devolver aos jovens a alegria por resolver um problema ou descobrir um princípio. Produzir uma redação clara e criativa, entender um poema ou argumentar com consistência é fazer Matemática melhor que mecanicamente inverter uma matriz ou efetuar a divisão entre dois polinômios. Precisamos convencer nossos jovens de que Galileu, Newton, Einstein ou Viète não foram deuses, mas homens que sentiram alegrias e tristezas. Suas aproximações mais visíveis da divindade estão na dimensão essencialmente humana da ciência que ajudaram a produzir.

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