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Prostituição na era da tecnologia

Prostitutas modernas agora participam de fóruns especializados em que postam comentários sobre clientes e fazem programas em troca de resenhas positivas no site

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 24 mar 2011, 22h00

Karin Hueck

Beijo na boca é coisa do passado. As prostitutas modernas fazem coisas muito mais escandalosas: fofocam sobre clientes, dispensam cafetões e topam programas em troca de resenhas positivas em fóruns virtuais. É a prostituição nos tempos da internet.

Todos os dias, Amandinho acessa a internet. Liga o MSN e entra em seu fórum de discussão favorito. Passa os olhos pelos tópicos mais recentes – Tati Safadinha, Angelina Ex-Marianna, Fê Gatinha – e escolhe o que mais o atrai. Dentro dos tópicos, ele lê relatos detalhados dos serviços que procura. Ele está navegando em um fórum de prostituição, no qual dezenas de milhares de homens pesquisam e comparam preços e serviços de prostitutas de todo o país. Amandinho é o que o site chama de “graduado”, um usuário frequente que não só lê as resenhas das meninas, como também contribui com experiências próprias (só ele já fez críticas detalhadas de 109 meninas diferentes nos últimos três anos). Holandês de 46 anos, Amandinho (que teve seu nome trocado) é um empresário de sucesso que contrata garotas de programa todos os dias. “Às vezes mais de uma, às vezes duas ou três instantâneo”, explica. Para cultivar toda essa variedade diária, ele não precisa sair para a rua ou se expor em casas de striptease – ele simplesmente liga o computador, escolhe a prostituta que mais lhe atrai – loira? morena? jovem? -, combina o preço pelo telefone e tem o “serviço” entregue em casa. “Nunca mais li um anúncio de jornal”, diz. Sim, não foram só as indústrias da música e do cinema que ficaram de ponta-cabeça depois da internet. A indústria do sexo também se reinventou. Afinal, nada melhor do que um mundo anônimo, instantâneo e impessoal como a internet para promover uma atividade tão marginal quanto a prostituição.

Poucas coisas se adaptam tão bem às novas tecnologias como o mercado do sexo. O primeiro filme pornográfico foi produzido em 1895, no mesmo ano em que o cinema foi inventado. Foi a pornografia, também, que popularizou o uso do VHS na década de 70, pois a concorrente da VHS proibia a gravação de filmes eróticos. Não é difícil imaginar que a prostituição tenha invadido a internet assim que ela foi criada. O difícil é calcular o crescimento dessa indústria nos últimos anos – afinal, blogs mudam de nome, sites são abandonados, novas e velhas profissionais entram e saem do mercado – mas os americanos têm um número aproximado para essa tendência. Sudhir Venkatesh é um sociólogo da Universidade Columbia que durante 10 anos analisou a prostituição em Nova York. De acordo com sua pesquisa, em 2003, em 83% dos casos as garotas de programa encontravam clientes no tradicional tête-à-tête: em bares e hotéis, clubes de striptease ou por meio de agências de prostituição intermediadas por cafetões. Em 2008, esse número havia caído para 57%. E, pasmem, já na época, em 25% dos casos as meninas conseguiam clientes por meio do Facebook. Hoje, Venkatesh calcula que 83% das profissionais angariem clientes pelo Facebook – e que a rede social se transforme, ainda em 2011, no maior serviço de prostituição online do mundo.

No Brasil, não é muito diferente. Orkut, Twitter e blogs viraram o cartão de visita das garotas de programa e deixam bem claro os serviços que cada uma fornece (“beijo na boca: sim; oral sem camisinha: sim; anal: não”). Em termos práticos, a internet facilitou o trabalho das prostitutas. Sem intermediários, quando elas negociam diretamente com os clientes, ficam também com todo o dinheiro para si – cafetões e agentes costumam embolsar no mínimo 50% do cachê das meninas. Algumas aceitam até pagamento em cartão de crédito. “Tive que me adequar à realidade. Além de dinheiro, o cliente pode pagar com cartão na internet, podendo parcelar. Facilidade pra ele e para mim”, explica Alexia Champagne, uma acompanhante de São Paulo que cobra R$ 250 por hora. Por não passarem mais as noites nas ruas em busca de clientes, as garotas de programa da internet também sofrem menos agressões: 50% a menos, de acordo com uma pesquisa americana. E, não raro, essas prostitutas free-lancer são mais seletivas para escolher os clientes. Muitas conversam antes com o interessado pelo MSN ou trocam gentilezas pelo Twitter.

Amanda Marques, de 33 anos, faz parte de uma geração de garotas de programa que nunca precisou ir até a esquina para trabalhar. Desde que decidiu entrar na profissão, há dois anos, ela vende seus serviços pela internet. Primeiro, por meio de cafetões virtuais – agentes que atuam dentro de salas de bate-papo e agem como olheiros, indicando as iniciantes para clientes específicos. Depois, como “independente”, com blog próprio. Hoje, ela cobra R$ 200 a hora e diz tirar até R$ 15 mil por mês. “Vejo como um negócio próprio, um estilo de trabalho norte-americano, onde determino metas e me organizo de modo prático e seguro na minha casa. Eu que determino meus horários”, diz Amanda. Esse “estilo de trabalho norte-americano” só é possível graças à internet – e nos últimos anos. É só pensar em como esse mundo mudou rapidamente. A mais famosa expoente da prostituição na internet no Brasil é Bruna Surfistinha, que ficou conhecida graças a um blog que descrevia o dia a dia de seu trabalho e que virou filme este mês. Bruna se tornou garota de programa em 2001, mas teve de começar a carreira do modo tradicional: oferecendo seus serviços a uma casa de prostituição. Em 10 anos, muito mudou.

No boca a boca
29/07 – 15:04 Assunto: Bruna Ninfeta
Alguém tem informações sobre a menina? Preço, tempo e TD’s anteriores?

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20/08 – 13:51 RE: Bruna Ninfeta
Voltou a fazer programa esta semana. Cachê de R$ 300,00. Tel segue.

14/11 – 09:07 RE: Bruna Ninfeta
Comparsas, tive a oportunidade de estar com essa menina faz uns 3 meses. Achei que ela tá caidaça, ou seja, gorda mesmo, mas trabalha muito bem. Aí é vocês que sabem o que fazer.

27/01 – 11:31 RE: Bruna Ninfeta
Alguém conseguiu falar com ela? Ligo e cai na caixa postal. Se ela for realmente do jeito que falam, vou realizar meu maior sonho de consumo!

É assim, analisando a mercadoria, que os usuários dos fóruns de discussão de prostituição discutem os detalhes (tamanho, cheiro, cor) das meninas e dão dicas e pechinchas das mais indicadas. Só assim, dizem eles, é possível ter certeza de que estão contratando as garotas que mais combinam com seus gostos. A lógica é a mesma dos sites de compra online: o interessado tem à disposição dezenas de resenhas para comparar preços, serviços e ofertas. E, caso a menina seja “mau negócio”, já evita o contato.

“Tem que ter uma certa malícia, não dá pra acreditar em tudo que está postado”, diz o bancário de Campinas Márcio, que há 3 anos frequenta os fóruns. Ele, Amandinho, do começo desta reportagem, e muitos outros dizem já terem sido enganados por TD’s (test drives, primeiro programa com uma garota) falsos. Geralmente, são resenhas escritas pelas próprias meninas para se promover, ou fotos que não correspondem à realidade. De acordo com um estudo americano, 22,4% das fotos de prostitutas online não retratam as meninas de verdade.

As enganações, no entanto, também acontecem para o lado das garotas de programa: muitas vezes, elas são abordadas por homens que não pagam pelo programa, que aparecem drogados ou, pior, que são violentos. Em um dos casos mais famosos, Dave Elms, fundador do site The Erotic Review, o maior fórum de prostituição americano, foi pego extorquindo sexo de prostitutas para evitar a publicação de críticas ruins em seu site. Elms acabou preso. Por isso, é comum também que as garotas de programa troquem informações sobre clientes indesejados em tópicos voltados especialmente para elas e aos quais só elas têm acesso. Às vezes, a queimação é mais pública e elas colocam nome, telefone e e-mail dos homens caloteiros em seus sites e blogs. Mas, de um modo geral, as resenhas nos sites são aprovadas pelas garotas de programa: quanto mais críticas positivas recebem, mais trabalho elas conseguem. Algumas organizam até mesmo promoções – dão desconto para o cliente que prometer fazer um comentário elogioso na internet. O tradicional boca a boca (sem trocadilhos) continua imbatível, só que agora está na internet. A prostituição, na verdade, se apropriou de todas as vantagens da internet (troca de informações, sites colaborativos) para lucrar.

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Luis Rocha é um físico brasileiro da Universidade Umea, no norte da Suécia. Ele queria entender o padrão de propagação de doenças sexualmente transmissíveis e, para tanto, resolveu estudar os comentários de usuários de um fórum de prostituição brasileiro (embora ele não revele qual). O fórum é o campo de estudo ideal para isso: é o único lugar público no qual pessoas voluntariamente descrevem com detalhes seus hábitos sexuais, o que, em qualquer outro ambiente, seria considerado constrangedor.

Primeiro, o físico confirmou, com estatísticas, o efeito “bola de neve” dos fóruns: quanto mais bem avaliada é a menina, mais clientes ela consegue angariar. “Observamos também que as garotas de mais sucesso no site oferecem uma maior diversidade de serviços sexuais”, conclui Rocha. Acontece que os serviços mais procurados na prostituição (sexo oral sem camisinha, sexo anal) são justamente os hábitos sexuais mais arriscados. Ou seja, as prostitutas mais bem avaliadas – e, por consequência, com mais clientes – são as que arriscam mais a sua saúde. E é aí que mora o perigo. A descoberta do brasileiro é assustadora. “Embora a rede sexual tenha mais de 16 000 pessoas espalhadas por todo Brasil, em média, é necessária apenas uma sequência de 6 pessoas para conectar quaisquer dois indivíduos na rede”, diz Luis Rocha. Em outras palavras, se uma garota de programa com vasta clientela em Recife tiver uma DST, são poucos os graus que separam um homem do Rio Grande do Sul de se contaminar com a mesma doença.

Ainda assim, a internet trouxe mais vantagens do que desvantagens para as garotas de programa que se sustentam online. Até mesmo um relatório de uma empresa de consultoria americana, a Compass Lexecon, concluiu que a internet acarretou mais segurança e prosperidade para as prostitutas – isso em um país onde a compra e venda de sexo é proibida por lei! E foi a internet, aliás, que permitiu também que essa reportagem existisse. Foi só por meio do MSN, dos e-mails e de mensagens de fórum que as garotas de programa e os clientes toparam conversar com a SUPER. Não vai ter o que as faça voltar para as ruas.

Para saber mais
O Doce Veneno do Escorpião
Bruna Surfistinha, Panda Books, 2005.

Information Dynamics Shape the Sexual Networks of Internet-Mediated Prostitution
Luis E. C. Rocha, Fredrik Liljeros, Petter Holme, 2010.

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