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Um código ao alcance de todos

A linguagem visual pode ser encontrada por toda parte - aeroportos, rodovias, fábricas. De compreensão imediata para pessoas de idiomas diversos, ela já faz parte da moderna paisagem urbana.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 31 dez 1987, 22h00

Martha San Juan França

A placa com o desenho de um avião indica o caminho para o aeroporto; com um prato entre uma faca e um garfo alerta que há um restaurante logo ali; o cartaz com um cigarro aceso, cortado por uma faixa vermelha, lembra que não é permitido fumar; o contorno de um homem ou mulher sobre uma porta informa que ali é um banheiro — masculino ou feminino; flechas apontam as mãos do trânsito; silhuetas humanas imitando determinados movimentos simbolizam atividades esportivas; degraus avisam que há uma escada por perto; e a clássica caveira sobre duas tíbias cruzadas adverte: perigo à vista.

Estes são exemplos de glifos, palavra grega que significa inscrição. Se comparados a seus ancestrais — os aristocráticos hieroglifos egípcios —, os modernos até que são sinais muito corriqueiros.

Enquanto os egípcios usavam os hieroglifos apenas para adornar monumentos, templos e túmulos, os atuais glifos podem ser encontrados por toda parte. A tal ponto estão incorporados à paisagem urbana, em lugares públicos, mas também em fábricas e escritórios que chegam a ser uma imagem de modernidade.

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Hieroglifos, em grego, significa inscrições sagradas. Mas os glifos atuais são apenas utilitários. Eles foram se espalhando à medida que a revolução nos transportes e comunicações produziu o turismo internacional de massa, pondo a circular pelo mundo milhões de pessoas pouco familiarizadas com a língua dos países visitados. Daí a necessidade de uma linguagem que pudesse ser compreendida por qualquer um, principalmente em lugares grandes, movimentados e complexos, como os aeroportos, onde a informação rápida e precisa é fundamental não apenas para os viajantes como também para o funcionamento do próprio sistema.

Aliás, essa é mais uma diferença entre os atuais e antigos glifos. Enquanto os sinais dos egípcios eram de propósito indecifráveis para os mortais comuns, os atuais só têm sentido se forem facilmente identificáveis pelo maior número possível de pessoas de todas as condições. No meio de tantas diferenças, há pelo menos uma semelhança. Cada qual à sua maneira, os dois tipos de glifos são bonitos. Os atuais, como resultado de muitas pesquisas dos especialistas em arquitetura, comunicação visual, arte gráfica e design. Os antigos, como resultado de uma valorização cultural comparável às tradicionais formas de arte, como a pintura ou a escultura.

Os glifos modernos começaram a aparecer aos poucos, nos primeiros anos do século. A iniciativa coube aos clubes automobilísticos da Europa e dos Estados Unidos. Preocupados com a sorte dos calhambeques e de seus arrojados, mas por definição inexperientes, motoristas, que irrompiam por cidades, vilarejos e estradas instalaram as primeiras e toscas placas de trânsito.

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Como é fácil imaginar nesses tempos pioneiros, as placas às vezes vinham mais para confundir do que para explicar. Tanto que, em 1909, um congresso em Paris tentou pôr ordem nos sinais. Desde então, o código internacional de trânsito incorporou dezenas de glifos, uniformizando cada vez mais os tamanhos, símbolos e cores. Por isso, quando os motoristas ignoram suas mensagens, como acontece com tanta freqüência no Brasil, não é por não compreendê-las.

Como ocorre com qualquer linguagem, os glifos também evoluíram, ficando mais padronizados. Por exemplo, os pormenores dos desenhos foram reduzidos ao mínimo indispensável. As linhas ficaram mais uniformes, com o objetivo de atrair a atenção e permitir o entendimento instantâneo da informação contida na placa; os limites foram suavizados com curvas. Em sua maioria, os glifos passaram a apresentar figuras sólidas e escuras sobre um fundo claro. As cores tornaram-se convencionais: amarelo, para destacar; vermelho, quando indica proibição. Aliás, ao exprimir uma proibição, os glifos sempre têm uma faixa em diagonal, do canto superior esquerdo para o inferior direito.

Apesar da padronização, nem sempre os glifos são os mesmos em toda parte. Na maioria dos países, o sinal proibido estacionar é a letra P cortada por uma faixa vermelha, e no Brasil a letra cortada é o E. Isto porque nem todos entendem que a letra P é a inicial da palavra parking (estacionamento) em inglês. Enquanto o código internacional vigorou entre nós, muita gente levou multa sem saber o motivo.

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Justamente para evitar confusões como essa, os criadores de glifos foram abandonando sempre que possível o uso de letras ou palavras, substituindo-as por imagens.

As vantagens, ao menos teoricamente, são evidentes — diminuem os mal-entendidos e amplia-se o número de pessoas capazes de perceber do que se trata. Nesse sentido, a placa onde se vê o desenho de um homem com uma pá cheia de terra informa mais depressa que há uma obra naquele local do que a velha tabuleta com o aviso Cuidado — homens trabalhando, que evidentemente é grego para quem não domina o idioma no qual está escrito. Por isso, pode-se dizer com segurança que a placa onde a mensagem é apresentada por meio de uma figura passa seu recado melhor do que se contiver um símbolo com uma letra. Em países onde os analfabetos têm direito de voto, as cédulas eleitorais identificam os partidos por seus emblemas — e não por suas siglas.

É o que acontece na Índia, por exemplo. Já no Brasil, o eleitor, mesmo analfabeto, precisa saber distinguir o nome e o número dos candidatos a governador, prefeito, vereador, deputado e senador.

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É claro que a criação de um glifo deve levar em conta o tipo de gente que irá vê-lo. Do contrário, a emenda pode ficar pior que o soneto. A cápsula com a substância radioativa césio-137, que causou a tragédia de Goiânia em outubro último, provavelmente trazia impresso o desenho obrigatório indicativo de material radiativo adotado pela Agência Internacional de Energia Atômica. Talvez uma advertência mais eficaz fosse a caveira com os ossos cruzados, que todo mundo sabe que representa perigo.

Além disso, os especialistas observam que os glifos precisam acompanhar as mudanças tecnológicas para não se desatualizar. Assim, a corneta cruzada por uma faixa em diagonal que indica proibição de buzinar não significaria mais nada para os automobilistas da nova geração. O mesmo se aplicaria a objetos de uso cotidiano cuja forma tende a mudar, como o telefone, onde o disco em muitos países já foi totalmente substituído por teclas.

Os fãs dos glifos sonham com o dia em que esses sinais se tornarão a base de um novo esperanto, a língua universal. A antropóloga norte-americana Margaret Mead (1901-1978) já dizia em 1964 que os sinais visuais deveriam “falar todas as línguas, existir sob todos os céus e ter uma significação clara e inequívoca para todos os povos do mundo”. O professor Décio Pignatari, da Universidade de São Paulo, acredita que isso ainda vai ocorrer. Para ele, a tendência é o estabelecimento de uma linguagem glífica internacional, “que todo mundo aceite por convenção”. Por sua vez, os idioletos — expressões próprias de um indivíduo — poderiam, com o tempo, generalizar-se e acabar incorporados aos glifos internacionais.

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Para saber mais:

O gênio das aparências

(SUPER número 11, ano 4)

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