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Conselhos errados que as pessoas dão: “Chora, extravasa, que faz bem”

Cair em prantos não é um bálsamo para sair da lama ou aliviar a raiva - ao contrário, pode derrubar ainda mais o seu humor. Gritar, xingar ou espernear também não operam milagres. Fazer bem a si mesmo é tarefa um pouquinho mais complicada

Por Ana Prado
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

Às vezes, é incontrolável. Você tenta disfarçar no trabalho, faz o máximo para se distrair no caminho para casa, mas, quando chega, vem com tudo: as lágrimas brotam como se fossem a única coisa a se fazer para expulsar todo o estresse, mágoa ou decepção (ou tudo isso junto) do seu corpo. É nessas horas que sempre aparece alguém tentando confortar: “Chora mesmo, é bom”. Será que é? Alguns estudos começam a pôr em xeque essa máxima de que chorar tem uma função catártica, de purificação, que contribuiria para o nosso bem-estar. Além de constatar que as lágrimas podem até piorar as coisas, essa nova abordagem sugere que, quando chorar de fato alivia a dor emocional, esse alívio pode estar mais relacionado à presença da tal pessoa que aparece para consolar do que ao ato fisiológico de chorar.

Entregar-se aos prantos como técnica de descarga emocional é uma ideia muito enraizada na nossa cultura. A tal ponto que, em 2007, surgiram na Europa os chamados “clubes de choro”, lugares em que as pessoas se reúnem, cercadas de violinos e cebolas, para… chorar! A moda começou entre os japoneses cerca de um ano antes e foi chamada de crying boom (algo como “explosão de choro”). Lá, muita gente começou a trocar noitadas nos karaokês pelos clubes onde o programa era ver aqueles filmes feitos na medida para arrancar lágrimas.

Assim como os japoneses, muitos voluntários de pesquisas sobre o tema disseram que sentiam melhoras no seu humor após uma sessão de choro compulsivo. Mas não era assim com todo mundo. Para alguns, a emenda era até pior que o soneto: depois do berreiro eles se sentiam mais deprimidos, envergonhados e, em alguns casos, fracos e esgotados. Por que debulhar-se em lágrimas funciona para uns e tem o efeito oposto em outros? O que determina a eficácia do chororô?

Foi o que a psicóloga Lauren Bylsma, da Universidade do Sul da Flórida, nos EUA, em conjunto com pesquisadores da Universidade de Tilburg, na Holanda, procuraram descobrir. Eles pediram a 97 mulheres que registrassem em um diário, por dois meses, a relação entre seu humor e a vontade de chorar. Sempre que recorressem às lágrimas, elas deveriam descrever o motivo, anotar quanto tempo durou a crise, qual a intensidade, se havia outras pessoas junto, e como se sentiram depois.

Surpreendentemente, o resultado mostrou que chorar só fez bem em 30% dos casos, ao passo que 61% das voluntárias não sentiram qualquer mudança de humor nos dois dias seguintes e 9% delas sentiram-se pior. Ou seja, pelo menos para as mulheres, pôr tudo para fora numa crise de choro tem 2 chances em 3 de não ajudar em nada. A pesquisa, contudo, detectou um dado intrigante: soluçar na companhia de outra pessoa surtiu mais efeito do que fazer isso sozinho ou cercado de muita gente. O que leva a crer que não é o choro em si que melhora o humor, mas sim o fato de as lágrimas atraírem a atenção e o apoio dos outros. Quando isso acontece, é claro.

Um estudo anterior, da mesma universidade holandesa, descobriu que o alívio desencadeado pelas lágrimas pode ser influenciado pela forma como elas são vistas em determinada cultura e pela reação de quem estava ao lado. Se cair em prantos é considerado adequado ou justificado em uma sociedade, é mais provável que o indivíduo receba apoio emocional e, portanto, se sinta melhor. Se é visto como inapropriado, isso provavelmente levará à desaprovação social e fará a pessoa se sentir pior. Os pesquisadores holandeses, que recrutaram 1 680 homens e 2 323 mulheres de 30 países, ainda acharam dados curiosos: americanos choram 3 vezes mais que chineses, e homens brasileiros têm mais vergonha de chorar que alemães. Entre os sexos, também houve diferenças: os homens relataram ter chorado só uma vez nas primeiras 4 semanas do estudo, enquanto as mulheres reportaram média de 2,7 vezes.

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QUEM NÃO CHORA NÃO MAMA

Desvendar o motivo do choro também pode ajudar a medir sua chance de eficácia, segundo o livro Seeing Through Tears: Crying and Attachment (algo como “Vendo através das lágrimas: choro e ligação”), da psicoterapeuta Judith Kay Nelson. Para ela, a experiência de chorar é influenciada pelo modo como os pais da pessoa (ou quem a tenha criado) reagiam ao berreiro quando ela era bebê. O argumento é que, para uma criança, chorar é uma forma de atrair os cuidados dos pais. Daí, aqueles que tinham pais atenciosos tenderiam a achar, quando adultos, que as lágrimas podem proporcionar consolo, e choram buscando apoio emocional – o que ela chama de “choro de desespero”. Nessa modalidade, se ela atrair um ombro amigo já está valendo: o alívio vem. Já os que foram deixados chorando, ou cujos pais se irritavam nessas horas, repetiriam um padrão, quando adultos, chamado de “choro de protesto”. Este não faz bem porque visa um objetivo muitas vezes impossível: desfazer um erro ou recuperar uma perda.

Outra constatação nessa linha: se o tal “choro de protesto” vier de uma mulher e o seu intuito for o de suprir a falta de atenção ou interesse do parceiro, a coisa também tem pouca chance de dar certo. Na contramão do tradicional “quem não chora não mama”, cientistas do Instituto Weizmann de Ciência, em Israel, descobriram que as lágrimas femininas podem produzir um efeito inesperado: reduzir a libido e a produção de testosterona nos homens e, portanto, afastá-los delas.

Os pesquisadores deram aos voluntários tecidos borrifados com lágrimas femininas e outros com uma solução de água e sal. Nenhum homem soube identificar cada substância, mas os que inalaram as lágrimas tiveram seu nível de testosterona reduzido em 15% e ficaram menos excitados ao assistir ao filme 9 1/2 Semanas de Amor do que o grupo da água com sal. Além disso, exames mostraram que a atividade cerebral dos homens nas áreas ligadas à libido também foi mais baixa, confirmando o que os cientistas já supunham: que as lágrimas humanas contêm algum tipo de feromônio, substância química que costuma suscitar certas reações fisiológicas ou comportamentais.

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EXTRAVASAR SEMPRE AJUDA

Mas se chorar nem sempre faz bem, que tal extravasar com outra recomendação clássica, o “grite, xingue, soque um saco de boxe”? Os conselheiros, cheios de boas intenções, argumentam que, se você guardar esses sentimentos ruins, eles vão se acumular e um dia você vai explodir. Mas, de novo, não é bem assim que a coisa funciona.

Brad Bushman, psicólogo da Universidade de Iowa, nos EUA, defende que exorcizar as más emoções “é como usar gasolina para apagar um fogo – só alimenta as chamas”. Em sua pesquisa, Bushman provocou a ira de 600 universitários ao fazer comentários desagradáveis sobre textos que eles haviam escrito. Depois, eles foram divididos em dois grupos: um descontou a raiva em um saco de pancadas e o outro foi se distrair fazendo atividades diversas. Passadas algumas horas, a primeira turma estava mais agressiva que a outra.

Segundo Bushman, ao extravasar os sentimentos negativos, a pessoa estaria estimulando emoções, pensamentos e ações motoras violentas, o que não ajuda a acalmar os ânimos. Pode até rolar um alívio na hora, mas o efeito não dura muito e, no fim, isso só fortalece seus impulsos agressivos.

O mesmo vale para xingar em voz alta. Embora soltar uns palavrões às vezes pareça nos acalmar, isso na verdade pode desencadear reações profundas nos centros de emoção do cérebro. Os professores Jeffrey Christopher Bowers e Kit Pleydell-Pearce, da Escola de Psicologia Experimental da Universidade de Bristol, na Inglaterra, fizeram um experimento no qual 24 voluntários de 18 a 26 anos tiveram que ler em voz alta três listas: uma com palavrões, outra com eufemismos para aqueles palavrões e uma terceira com palavras neutras. Enquanto eles liam, os pesquisadores monitoravam atividades elétricas em sua pele para verificar alterações no sistema nervoso. O resultado mostrou uma resposta nervosa bem maior dos participantes ao ler os palavrões, indicando que isso foi mais estressante do que ler as outras palavras.

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Ok, se todas essas máximas não funcionam, como lidar com situações-limite? Bem, fórmula mágica não existe, e boa parte dos conselhos são furados justamente porque não levam em conta a particularidade da situação e da pessoa aconselhada. Mas se a sua necessidade de chorar e extravasar a raiva vira algo crônico, aí isso pode configurar um quadro de estresse. E como estresse é um problema de saúde pública, dadas as evidências médicas de que ele pode afetar o sistema imunológico, por exemplo, contra ele existem recomendações médicas e tratamentos em teste. “São necessárias medidas que aliviem os sintomas físicos, como a prática regular de atividades físicas, alimentação adequada e exercícios de relaxamento”, diz a psicóloga Marilda Novaes Lipp, diretora do Centro Psicológico de Controle do Stress (IPCS) e do Laboratório de Estudos Psicofisiológicos do Stress (LEPS) da PUC-Campinas. Já a recomendação para sair do quadro de tensão permanente é mais difícil de pôr em prática: “É preciso buscar a solução da causa do problema, mudar a forma de pensar”, diz Lipp. Ou seja, o que adianta é barrar as demandas excessivas e dizer não, por exemplo, em vez de gastar energia tentando achar o melhor jeito de lidar com o estrago de quando você aceita todas elas.

Vai precisar de anos de persistência ou terapia pra isso? Bem, há medidas mais banais que também quebram um galho – ao menos tão banais quanto socar o saco de boxe. Por exemplo: sorrir. Isso mesmo. Às vezes vale o clichê “só rindo para não chorar”. Sabemos, você estará revoltado, não precisa gargalhar. Mas um sorrisinho já pode bastar para mudar o seu humor.

Segundo estudo da Universidade de Cardiff, no País de Gales, nossas expressões faciais não são apenas consequência de nossas emoções. O contrário também pode funcionar: as emoções podem ser reforçadas, talvez até impulsionadas, por essas expressões. A hipótese testada pelos pesquisadores era de que poderia haver essa via de mão dupla. O experimento foi feito com mulheres que haviam aplicado botox, perdendo especialmente a capacidade de franzir a testa – expressão comum quando estamos nervosos, preocupados, tristes. O resultado: quem deixou de franzir a testa, mesmo que artificialmente por culpa do botox, relatou estar mais feliz e menos ansiosa do que quem não tinha injetado a toxina. O psicólogo Michael Lewis, autor do estudo, rebate com outro resultado o contra-argumento de que elas estariam se sentindo felizes porque o tratamento estético fez com que se sentissem mais bonitas: elas não demonstraram autoestima maior que as outras voluntárias. “Aparentemente, a forma como sentimos as emoções não está restrita ao cérebro: há partes do nosso corpo que reforçam o que estamos sentindo, como em um ciclo”, explicou ele. Se chorar não faz tão bem assim como dizem, sorrir, ao que tudo indica, não parece ter contraindicação.

E COMO NASCEU O CHORO?

Fisiologicamente, chorar é produzir mais lágrimas do que nosso olho é capaz de drenar – porque lágrimas, em pequena quantidade, nós produzimos a cada piscada, para lubrificar os olhos. Mas por que choramos? A história evolutiva do choro, segundo os especialistas no assunto, é bem bonitinha: o choro é anterior à linguagem e surgiu, provavelmente, porque só as expressões faciais não bastavam para expressar sentimentos mais abstratos e urgentes. Inicialmente ele expressava dor física. Mais pra frente, há cerca de 50 mil anos, junto com o surgimento da fala, ele passou a servir também como pedido de socorro diante de situações de medo, raiva, abatimento… Só depois teria vindo o choro de emoção, que serve a outro propósito: expressar nossa capacidade de ser tocado por dramas dos outros. Moral da história: chorar é uma maneira de se comunicar. Esperar que isso tenha o poder de expulsar os males que te afligem, “botar pra fora”, como diz o velho conselho, é forçar um pouco a barra.

Para saber mais
O Fim do Estresse Como Nós o Conhecemos. Bruce McEwen e Elizabeth Norton Lasley, Nova Fronteira, 2003.

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Conselhos errados para pessoas estressadas

Evite sempre o estresse, relaxe.
Por que é errado: É possível usar o estresse emocional a seu favor – em sua fase inicial, ele dá energia, vigor e força. Bruce McEwen, neurocientista da Universidade Rockefeller, em Nova York, vai até além, em seu livro O Fim do Estresse Como Nós o Conhecemos: diz que o estresse é fundamental para a nossa sobrevivência, porque o cérebro precisa dele para reagir ao perigo, tomar decisões mais rápidas e potencializar sua capacidade de superar um problema. O que é negativo é o excesso de estresse. E aí é mais eficiente tentar dosar suas forças e conhecer seus limites.

Você está estressado porque trabalha muito.
Por que é errado: O culpado, na maioria das vezes, não é o trabalho em si, mas os fatores agregados a ele, como o clima da organização, as relações com as pessoas e a má chefia.

Você é estressado porque quer. Basta ser mais positivo.
Por que é errado: Pode ser verdade em parte, pois o nosso modo de interpretar problemas e desafios determina como reagimos a eles. Mas há situações que ultrapassam a vontade própria, como a sobrecarga real de trabalho, a morte de alguém querido, um chefe que pratique assédio moral ou uma grande perda financeira.

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Respire fundo, que passa.
Por que é errado: É um paliativo. Ficar só respirando fundo não invalida o causador da ansiedade. É importante não fugir do cerne do problema, avaliar por que o surto de raiva ou angústia acontece e agir contra isso.

Você pode curar o estresse com exercícios.
Por que é errado: Exercícios físicos ajudam muito na hora, porque liberam dopamina, que dá sensação de bem-estar. Mas a causa do estresse permanece e é ela que deve ser atacada.

Beba para esquecer as preocupações.
Por que é errado: Beber é uma tática ruim para lidar com as tensões. Passada a bebedeira, o problema continua – fora os efeitos negativos no organismo e nas relações interpessoais.

Pare de se preocupar…
Por que é errado: Dependendo da situação, aconselhar a pessoa a “esquecer o problema” em vez de resolvê-lo pode piorar as coisas. Mas confiar em si mesmo frente a situações administráveis é um bom conselho.

Você deveria tomar um remédio, antes que o estresse piore…
Por que é errado: Não há remédio para o estresse em si, porque sua base é emocional. Medicamentos só devem ser usados por recomendação médica, como em casos de depressão, ansiedade excessiva, pânico etc.

Fonte: Marilda Novaes Lipp, diretora do Centro Psicológico de Controle do Stress (CPCS) e do Laboratório de Estudos Psicofisiológicos do Stress (LEPS) da PUC-Campinas.

 

 

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