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Lição de matemática vira castigo na escola

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 30 abr 1993, 22h00

Renata é uma bela menina de 10 anos de idade. Alfabetizou-se cedo e é, em minha opinião, uma futura devoradora de livros, pois lê muito e com prazer. Por isso, não vejo como uma garota assim possa desgostar da escola. E, de fato, nem sempre gosta. Semanas atrás, percebi nela alguns indícios perturbadores. Seus pais tinham um compromisso e ela, acompanhada dos irmãos, passou uma tarde em minha casa. Reproduzo abaixo, o diálogo que tivemos e que justifica minha apreensão:

-Oi, Renata, tudo bem?

– Tio, estou cheia dos meninos lá da escola!

-Já sei, um deles te chamou de Renata pata, não foi?

– Se fosse só isso eu nem ligaria. Foi muito pior.

Para não aborrecê-la ainda mais, levei-a para brincar com o Rudy Gulit, um dos meus cachorros, que assim chamei em homenagem ao goleador do Milan, o quase invencível time de futebol italiano. E enquanto ela afagava o irrequieto cão, achei que devíamos conversar sobre a escola.

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– Renata, hoje é natural que os meninos te chateiem, mas logo, logo, alguns vão lhe parecer bem interessantes. Lembra como o Gulit parecia chato e amedrontador? Agora, ele é seu grande amigo.

Enquanto você brincava, criei um problema de Matemática para você resolver. Em outras circunstâncias, ela se interessaria em saber do que se tratava, pois não era de recusar desafios. Mas, Renata, para minha surpresa, nem ligou. E foi aí que eu me certifiquei de que ela estava mesmo chateadíssima e quis saber a razão.

– Sabe tio – disse ela em tom grave – a minha tia lá da escola até que parecia legal no começo do ano. Já na primeira semana de aula, ela dizia que só daria lição de casa até sexta-feira pois, no fim de semana, a gente devia brincar.

– Nada mais justo, ponderei. – Acontece que naquele mesmo dia, um menino fez a maior bagunça e pronto, ela deu lição extra para todo mundo fazer no final de semana.

Confesso que me é difícil ouvir tal disparate sem dar razão a Ivan lllich, quando escreveu: “É preciso desescolarizar a sociedade”. E entre triste e conciliador argumentei:

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– Bem Renata, acho que você teve razão em ficar meio brava, mas fazer bagunça é natural e sua professora, certamente, não quis misturar a idéia de fazer lição no fim de semana com a necessidade de mostrar aos meninos que não deviam exagerar na bagunça (disse isso, confesso, sem muita convicção nas minhas palavras).

– Ela quis sim – disse-me Renata com firmeza – porque toda semana tem bagunça e todo fim de semana, lição extra. E agora ainda ficou pior. A tia viu que não adiantava aumentar a lição e disse que, a partir de agora, a cada bagunça na classe, vai ter lição, de Matemática. Já pensou, tio? Acho que nem você ia querer tanta lição de Matemática.

Não raro, tenho usado esta coluna para me insurgir contra os preconceitos, mas acho que nunca fui tão explícito. Será muito difícil para uma mãe perceber que, em vez de fazer enfadonhas preleções aos filhos contra o preconceito de cor, seria melhor não ameaçá-los com aquela clássica frase: “se você não comer tudo, o pretão da esquina vai te pegar”. Ou ainda ameaçá-los com a polícia ou o fogo do inferno. Desconfio de que quando Adolf Hitler tinha 10 anos, provavelmente, algumas pessoas lhe diziam que a culpa de suas frustrações era dos judeus.

Como se pode esperar que deixemos de ser considerados uma nação de sambistas cordiais quando uma professora age assim? Aliás, samba e futebol, felizmente, não se aprende na escola. Ao que me parece, o currículo escolar está se tornando cada vez mais o túmulo do prazer e, por isso, não posso deixar de me solidarizar com a Renata.

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