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Um último passeio pelo Orkut, antes do adeus definitivo

Antes que fosse desativada, em 2014, visitamos os escombros daquela que já foi a maior rede social no Brasil – até perder o trono para o Facebook

Por Rodolfo Viana
Atualizado em 24 jan 2019, 20h00 - Publicado em 31 jul 2014, 22h00

Quatro crianças pulam felizes, tocam flautas e sorriem em êxtase. No rodapé do desenho, a inscrição “boa semana” salta aos olhos. A mensagem pisca freneticamente. É com esse gif animado que Nara deseja a Josy uma semana repleta de felicidade. Acho que são amigas. Acho que se gostam como tais. Mesmo assim, o cartão virtual, de abril de 2012, permanece sem resposta.

Aos olhos de quem esteve no Orkut e acompanhou sua efervescência, ele hoje lembra uma cidade semiabandonada. A rede social que já foi a mais popular do Brasil – em 2008, chegou a 40 milhões de usuários ativos – é um amontoado de entulho: carcaças de comunidades engraçadinhas, perfis abandonados, vírus camuflados de álbuns de fotos, convites para o jogo Colheita Feliz esquecidos no tempo… Retrato de uma internet do passado.

Era a época de escrever scraps e depoimentos, de fuçar quem tinha visto seu perfil recentemente, de participar de comunidades estapafúrdias, de comemorar quando a capacidade do álbum de fotos subia para 25 imagens e de ficar amigo de perfis falsos e debochados de celebridades. Tudo isso ficou para trás. E o maior culpado não foi a concorrência, mas um problema que surgiu dentro do site: spam.

A partir de 2009, uma avalanche de publicidade invasiva devastou o Orkut. Com a popularidade da rede, muita gente passou a usá-la para outros fins. Era fácil criar perfis para as mais diversas finalidades, como divulgação de festas e outras propagandas impertinentes. E você não podia fazer nada. O Orkut não disponibilizava ferramentas para limitar sua exposição. A cada dia, mais mensagens inúteis pulavam no mural, escondendo recados dos amigos em uma lixeira colorida e pegajosa. Os convites para ganhar dinheiro fácil, entre outras tranqueiras, transformaram o Orkut nessa Chernobyl virtual.

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“Ele perdeu a guerra para os perfis falsos”, diz Mauricio Cid, fundador do site Não Salvo. Cid é um fruto do Orkut. Conhecido na época como C! The Space Cowboy, ele era dono de 1.024 comunidades de humor. Essas páginas cresceram e viraram celeiros de piadas na internet. Tudo ia bem até que uma reportagem do Fantástico sobre pedofilia na internet exibiu, de relance, uma das comunidades de Cid. “Era para zoar o Michael Jackson, não tinha nada a ver com o assunto”, lembra. Mesmo assim, o episódio foi o suficiente para Cid receber um e-mail do Orkut alertando que não saísse do País, pois estava sendo investigado pela Polícia Federal. Ele não foi preso, mas acabou banido do Orkut. Para continuar a zoeira, que não tinha limites, criou o “Não Salvo”, um dos maiores portais de humor do Brasil até hoje. É um dos mais bem-sucedidos exemplos de gente que debandou do Orkut, contra a vontade ou não. A maioria das pessoas, porém, apenas trocou de ferramenta para seguir a vida nas redes sociais.

Na virada da década, a vasta terra próspera do Facebook, tão limpa e civilizada, fincada e estabelecida na maioria dos países do globo, surgia convidativa no horizonte. Até então, ele servia mais para manter contato com estrangeiros. O Orkut era a rede dos brasileiros. Só que a situação mudou. Com um sistema de confirmação de identidade para evitar a proliferação de perfis falsos e spams, o Facebook (que logo seria abrasileirado para “feice”) era o futuro. Era um ambiente com mais recursos que permitiriam à rede de contatos ser, de certo modo, restrita. “Isso o Orkut não tinha. Você era quem quisesse ali e encontrava qualquer pessoa”, lembra Luli Radfahrer, professor de Comunicação Digital da USP. (Universidade de São Paulo) “Aí aparece algo melhor e você troca. É como beber vinho: você começa com os mais vagabundos e, depois de um tempo, quer algo mais refinado.”

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Enquanto isso, na comunidade “Colheita Feliz – O Jogo”, Alona anuncia repolho verde, repolho roxo e batata doce. Kelly aceita o negócio e só não compra repolho roxo. Muita gente ainda toma “vinho vagabundo”. Mais precisamente, 6 milhões de pessoas.

Sobreviventes

Quatro anos após cancelar minha conta no Orkut, voltei a navegar em suas páginas azul-bebê. Era uma das últimas chances de dar o derradeiro adeus, já que a rede seria desativada em 30 de setembro de 2014. (Nota: parte do conteúdo, como as 51 milhões de comunidades e 120 milhões de tópicos, ainda ficaria disponível até 2017, é verdade, mas só para visualização).

Em comparação à 2010, tudo mudou. Até a linguagem dos usuários. O miguxês, dialeto recorrente no auge da rede, eh HJ 1 LInguAh mORtAH. O uso do Orkut também é outro, mais prático. Ele virou uma rede de fóruns de gente disposta a se ajudar. Na comunidade “Apple iPhone”, por exemplo, descobri que posso substituir a Siri do meu celular pela prima burra e sarcástica Sara, que, além de efetuar boa parte das ações da assistente de voz oficial do iPhone, canta músicas do Justin Bieber. Em “Stanford University”, aprendi como fazer a bateria do laptop durar mais.

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Outro hábito sobrevivente à hecatombe do spam são as brincadeiras frívolas. A mais comum é aquela de dizer se eu beijo ou não a pessoa que comentou antes de mim no tópico “Beija ou passa”. Bruna? Passo. Vanessa? Beijo. Carol? Beijo. E caso. Uma me adicionou, mas não falou nada. As que eu solicitei amizade, após ter visto que acessaram no meu perfil, não me aceitaram. Um fracasso retumbante nessa barata radioativa da internet brasileira.

A ideia de que o Orkut pode resolver muitos problemas, como um Yahoo Respostas, é um dos motivos para ele ainda ter usuários fiéis. É por isso que, apesar da queda brusca, ele ainda é a quinta maior rede social do Brasil, maior até que o Twitter. Em 2013, 6 milhões de pessoas ainda usavam o Orkut mensalmente, segundo a comScore.

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Um desses 6 milhões é Muller Nascimento, 24 anos. Já teve três perfis, todos apagados a pedido da ex-namorada. “Ela ficava brava quando uma amiga me deixava um ‘depô’. Já chegou a invadir meu login”, diz. De tanto trocar de perfil, Muller trocou de namorada. Para ele, Orkut é amor verdadeiro, amor eterno.

Radfahrer atribui a permanência no Orkut à simplicidade de suas funções. “Por que tanta gente tem Fusca hoje em dia? Porque ele entrega o que promete, que é levar você de um lugar a outro. O Orkut é assim para quem deseja uma rede social sem tantas funcionalidades.”

Uma dessas poucas e queridas ferramentas é o Buddy Poke, espécie de interação que simula o contato físico. Fred, um avatar de vasta cabeleira e camisa listrada, faz cócegas em Rafael, que usa um boneco de olhos puxados e óculos. Haja fofura.

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Está um silêncio aqui

Dentre as funcionalidades que separam Orkut e Facebook, a timeline é a mais significativa. Graças a ela, no Facebook toda hora alguém está falando, reclamando, esperneando, corneteando, autoproclamando, vendendo, comprando, desejando, grunhindo, xingando ou recalcando. No Orkut, não. A ausência de uma linha do tempo ajuda a manter um espírito quase pacífico. Sem muita exposição, não há tanto julgamento. Christiane Ng, coordenadora de mídias sociais, 36 anos e usuária do Orkut há nove, percebe essa diferença quando acessa ambas as redes. “No Facebook você se mostra cada vez mais. Eu gosto do Orkut pelo saudosismo”, diz. “Era uma rede para fazer e encontrar amigos, tirar dúvidas, fazer compras, marcar de sair”.

A maior comunidade do Orkut ainda é a mesma dos tempos áureos: “Eu Odeio Acordar Cedo” (6.129.539 membros). Nem todos eles são ativos, por isso o número é maior até mesmo que o de usuários do Orkut no Brasil (exatos 6.009.000. No mundo todo, são 6.945.000*). Mas nem de longe a página está morta. Só no dia 24 de janeiro, aniversário de 10 anos da rede social, os membros da comunidade fizeram 391 posts em 20 tópicos. A moderadora da comunidade é Wilma Smith, 29 anos, oito de Orkut e zero de Facebook. Ela é hardcore, não quer saber da rede de Mark Zuckerberg. “Ali há excesso de exibicionismo alheio”.

O Facebook tirou o lugar do Orkut como o grande centro sociocultural da internet brasileira. Mesmo assim, hoje eles podem coexistir, pois assumiram vocações diferentes. Enquanto procurava links para encontrar Bonitinha, mas Ordinária e seguia na malfadada brincadeira de tentar beijar a pessoa de cima no mural, acompanhei outras informações no Facebook: denúncia de machismo em universidade portuguesa, reclamação da política de transporte público em Porto Alegre, notícia sobre aluguel de crianças por parte do Exército da Salvação, frase que eu duvido que seja de Luis Fernando Veríssimo… É, deve ser um alívio ter uma folga de tudo isso. Sorte do dia: no Orkut, mesmo que você tenha centenas de amigos, é possível ter um pouco de silêncio.

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