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O segredo do sucesso é amar o que você faz?

Quando proferidas por gurus como Steve Jobs, frases de efeito acabam se tornando mantras. Mas se você não tem a genialidade do criador da Apple, é mais sensato não segui-las cegamente

Por Horácio Gomes
Atualizado em 13 jul 2018, 16h04 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00
(skynesher/iStock)

O mundo dos negócios cultua como poucos os seus gurus. Empresários que tiveram alguma ideia brilhante e fizeram fortunas com o seu trabalho veem suas dicas ganharem status de mandamento, espaço cativo em apresentações de Power Point e e-mails motivacionais. São como conselhos de grife. Se foi um gênio dos negócios que disse, só pode ser bom. E, apelo extra, foram testados. Quem vai questionar? Só tem um detalhe: foram testados por ELES. E eles são a exceção, os outliers. Já o resto da população está mais para a regra. É sensato seguir um conselho que funcionou para um cara com, provavelmente, mais capital, crédito, contatos, credibilidade e brilhantismo no ramo dele do que você? Não é o mesmo que milhares de adolescentes brasileiras seguirem a receita infalível da Gisele Bündchen para ser uma top internacional?

Esse tema ficou quente quando, com a morte de Steve Jobs, seu discurso aos formandos da Universidade de Stanford em 2005 virou febre na TV, nos jornais, na internet e emocionou até quem não era fã do criador da Apple. No texto, ele defende o famigerado “o segredo do sucesso é amar o que faz”. Mas com ainda mais ênfase: ninguém deveria se contentar enquanto não achasse um trabalho que fosse sua paixão genuína. O público achou edificante, mas especialistas em carreira cobriram o discurso de críticas. A começar pela mais óbvia: se todo mundo seguir esse conselho, como a sociedade vai funcionar, se há centenas de trabalhos que talvez ninguém ame? Será que alguém ama ser coveiro, por exemplo?

Essa distância entre o que funciona para os gênios e o que resolve a vida dos mortais é abordada no livro do jornalista americano David H. Freedman, Wrong: Why Experts Keep Failing Us (algo como “Errado: por que especialistas continuam nos levando ao fracasso”, sem edição no Brasil). O livro mostra que é preciso desconfiar dos conselhos dos sabichões primeiramente porque eles não são universais. Pelo contrário, estão ligados às experiências e aos dilemas que esses caras enfrentaram ao longo de sua carreira. “A mídia tende a validar essas frases antes de elas terem sido devidamente interpretadas, qualificadas, testadas e replicadas por outros especialistas”, escreve Freedman.

A seguir, alguns conselhos dos homens de negócios mais admirados do mundo e seus furos mais gritantes. Para pensar duas vezes antes de dar um “like” naquele post motivacional.

(mphillips007/iStock)

“A única forma de se fazer um ótimo trabalho é amar o que você faz. Se você ainda não encontrou o que é, não sossegue” 
Steve Jobs, cofundador da Apple, em seu famoso discurso motivacional para a turma de formandos da Universidade de Stanford, em 2005.

Do ponto de vista da felicidade geral da nação, o conselho é a fórmula do pandemônio: numa sociedade de seguidores desse mantra, uma minoria conseguiria realmente fazer o que ama, o resto seria desempregado, e trabalhos corriqueiros fundamentais para que uma cidade, um hospital ou uma escola funcionem não seriam feitos. Ok, mas, você pode retrucar: os outros são os outros, por que eu não posso adotar esse conselho?

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Primeiro, porque ele é intransigente. Carol S. Dweck, professora de psicologia da Universidade de Stanford e autora do livro Código Mental: Por Que Algumas Pessoas Fazem Sucesso e Outras Não, define aqueles que só querem fazer o que gostam como pessoas de “código mental fixo”. Eles não são adaptáveis, não transigem ou não enxergam oportunidades inesperadas. A pesquisadora ressalta que as habilidades do ser humano não são estáticas e podem ser desenvolvidas naqueles que adotam um “código mental construtivo”. Em outras palavras, todo mundo pode aprender a gostar do que faz (não só fazer o que gosta). E isso não é necessariamente acomodar-se. “Quando você aceita um emprego `abaixo da expectativa¿, oportunidades inesperadas podem surgir no próprio ambiente de trabalho”, afirma Dweck.

Uma pesquisa dos psicólogos Edson Nunes e Márcia de Carvalho, da Universidade Cândido Mendes, de Santa Catarina — com base em dados do Censo 2000 do IBGE — mostrou que 53% dos jovens formados no país não trabalham em sua área de interesse. Outra, feita pelo Centro de Estudos sobre Mercado de Trabalho da Universidade de Northeastern, em Boston, aponta que 40% dos jovens egressos dos cursos de graduação nos EUA acabam empregados em cargos que sequer exigem um diploma. Com um mundo tão dinâmico, e profissões novas surgindo o tempo todo, é vantajoso ter uma atitude rígida com relação à escolha do emprego?

Em segundo lugar, o conselho carece de verossimilhança. Em algumas carreiras supercompetitivas, sobressair-se, ou mesmo conseguir um emprego, não é uma questão de amar, mas de avaliar se você tem talento suficiente para estar entre a nata das pessoas que conseguem ganhar a vida com aquilo. Não é todo mundo que vai ser um artista plástico renomado com exposições mundo afora, ou o criador do novo Facebook, ou o capitão da seleção brasileira a levantar a taça da Copa do Mundo. “Os gurus costumam vender uma receita mágica que não existe”, diz José Baptista Brandão, coordenador do curso Master em Gestão de Pessoas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. “Os jovens ficam nessa busca incansável para trabalhar no que gostam e, no final, conseguem um cargo que frustra as suas expectativas.” É a dura constatação: nem sempre você está à altura da sua expectativa.

Terceiro: Jobs insinua, ao longo do discurso, a existência de um trabalho ideal, digno de um amor que, “como em qualquer assunto do coração, você vai saber quando encontrar”, nas suas palavras. Para os estudiosos do tema, buscar o emprego perfeito é como procurar o príncipe encantado: a soma exata de atributos que você deseja não existe em trabalho nenhum. Essa é a posição de Srikumar Rao, criador do badalado curso de MBA, Creativity and Personal Mastery, da Escola de Negócios da Universidade de Colúmbia, cujos alunos aprendem a descobrir sua criatividade e seus objetivos autênticos. Em seu livro mais recente, Happiness at Work: Be Resilient, Motivated and Successful — No Matter What, de 2010, Rao inverte a lógica proposta por Jobs: o importante é achar a paixão em você, e não no seu emprego. Mudar a sua atitude em relação ao trabalho pode ajudar muito mais do que trocar de trabalho em si. Carol S. Dweck complementa: “É importante perseguir carreiras pelas quais você seja apaixonado, mas é também importante ter em mente que muitas coisas que você terá que fazer não serão divertidas”. As pessoas de código fixo, segundo ela, não sabem lidar com mudanças de planos — elas geralmente têm ambições de alcançar o topo sem muito esforço e acabam encontrando frustração no caminho.

(kyoshino/iStock)

“Não seja um peixe grande em um aquário pequeno”
Carlos Slim, empresário mexicano e homem mais rico do mundo, falando sobre a escolha de em quais empresas investir.

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Já ouviu por aí conselhos do tipo “esse lugar está ficando pequeno pra você, é hora de alçar voos mais altos”? Então, isso exemplifica o chamado “efeito do peixe grande em aquário pequeno”. O termo foi cunhado em 1984 por Herbert Marsh, influente pesquisador de psicologia social e da educação da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Ele descreve como a autoimagem de uma pessoa seria construída em perspectiva, em comparação aos que a cercam.

Em um estudo com 3787 alunos de 7a série de escolas alemãs, Marsh observou que os estudantes consideravam seu desempenho bom ou ruim com base na comparação com os resultados de seus colegas. Isso significa que duas pessoas igualmente capazes podem ter percepções diferentes de suas habilidades, dependendo do nível de cobrança e do cenário ao redor. Hoje, Marsh está à frente de pesquisas que mostram que esse efeito é mais universal do que se imaginava, aplicável a vários indivíduos em contextos, níveis de ensino e países diferentes.

Ok, mas quem não for um investidor bilionário, como Slim, vai aplicar seu conselho à sua própria vida profissional. E, segundo a teoria de Marsh, quem pensa que merece um cargo ou salário melhor pode ter chegado a essa conclusão simplesmente porque trabalha em um ambiente de pouca exigência, e não porque fez uma avaliação isenta, baseada em indicadores objetivos, de sua própria capacidade. A falha do conselho de Slim, portanto, é incentivar que todos meçam seu valor em comparação aos colegas ou aos concorrentes, e então ajam a respeito. Não querendo ser um peixe grande em aquário pequeno, um sujeito pode pedir demissão de uma empresa onde ele tem perspectivas reais de ascensão profissional, porque espera se dar bem em companhias mais competitivas, que impõem metas agressivas — e dão bônus mais gordos. Ou pode investir todas as suas economias para abrir um novo negócio. Deu uma coceirinha? Diante do risco de ser muito benevolente consigo mesmo, nunca é demais contrapor o mandamento do magnata mexicano àquele velho conselho da sua mãe: “não dê um passo maior que a perna”.

(SilviaJansen/iStock)

“Uma marca para uma empresa é como a reputação para uma pessoa. Você ganha reputação por fazer bem coisas difíceis”
Jeff Bezos, fundador e presidente da Amazon, em seu livro Nos Bastidores da Amazon: O Jeito Jeff Bezos de Revolucionar Mercados com Apenas um Clique, sobre como obteve êxito em seu negócio de vendas de livros online.

Algumas lições vindas do próprio varejo mostram que isso está longe de ser uma regra. E mostram justamente o contrário: você ganha a confiança das pessoas por errar pouco. Há contextos em que quem faz bem o “arroz com feijão”, e é constante nisso, poder ser mais reconhecido do que quem é um perito em descascar abacaxis. Por quê? Porque os erros, por menores que sejam, sempre serão lembrados e divulgados pelas pessoas. É o que mostra um estudo de 2008 de dois professores americanos, Dan Ariely, da Universidade de Duke, e Uri Simonsoh, da Wharton School. A dupla observou o comportamento dos consumidores em quase 15 mil leilões do site eBay. Uma das conclusões a que chegaram foi que os compradores observam com muita frequência a decisão das outras pessoas antes de tomar a sua. Com isso, se alguém registrou alguma reclamação no site onde o produto está à venda, o próximo cliente em potencial fica com o pé atrás.

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Outra objeção é que quem faz bem as coisas difíceis não necessariamente consegue espalhar essa qualidade aos quatro ventos, o que traz a reputação. O best-seller americano How to Build Your Reputation: The Secrets of Becoming the ‘Go to’ Professional in a Crowded Marketplace, de Rob Brown, resume reputação como “o que as pessoas pensam sobre você pelas suas costas”. Segundo o autor, é necessário não apenas ser bom no que se faz, mas também ganhar fama por isso. E, em tempos de xingar muito no Twitter, de conteúdo colaborativo na internet, pode ser mais fácil ficar famoso por um pequeno deslize no dia a dia do que por grande desempenho em um projeto desafiador.

(LuisPortugal/iStock)

“Sempre entregue mais do que o esperado”
Larry Page, cofundador e presidente do Google, no manual da filosofia da empresa, no tópico que prega que ser ótimo não é bom o suficiente.

Trata-se do mantra de muita gente ambiciosa que atua em carreiras ou mercados muito competitivos. E há empresas que estimulam essa conduta abertamente, como o Google, e muitas outras que o fazem veladamente. Se quase ninguém vai argumentar contra ser surpreendente e proativo diante do chefe ou cliente, achar que isso tem que acontecer sempre é prato cheio pra gerar ansiedade e frustração, já que a tendência é se colocar metas irreais. Para José Baptista Brandão, coordenador do curso Master em Gestão de Pessoas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, esse é um modelo de gestão equivocado. “Ele funciona em alguns casos específicos, mas acaba sendo um moedor de carne. Uma hora ou outra, a pessoa falha, e a frustração de quem sempre dá ou espera mais é grande”, defende.

(t_kimura/iStock)

“O sucesso é um péssimo professor”
Bill Gates, cofundador da Microsoft, em seu livro A Estrada do Futuro, sobre a sua trajetória profissional.

Para Bill Gates, o sucesso é arriscado porque pode gerar acomodação. É o time campeão que fica de “salto alto”, como se diz no futebol. Mas isso não é bem uma regra. Para a psicóloga de Stanford Carol S. Dweck, a percepção do sucesso, assim como a capacidade de lidar com as aptidões, também é diferente para pessoas de código mental fixo ou construtivo. Para os de código fixo, perseguir o sucesso é focar no resultado, porque ele tem a ver pura e simplesmente com a afirmação de sua superioridade. Já para os de código construtivo, o foco está no processo, em fazer o melhor possível, aprender e aperfeiçoar-se a cada erro ou acerto. “Ter um código mental construtivo é a melhor forma de obter sucesso. Pessoas assim aceitam desafios, aprendem novas coisas e continuam seguindo em frente”, defende a professora. Para estas, ganhar o jogo — acepção de sucesso implícita no conselho de Gates — não acomoda, portanto.

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Há outro lado da moeda: quando a falta sucesso derruba a motivação — e gera menos ganhos ainda. De acordo com a teoria de Kurt Lewin, psicólogo alemão refugiado nos EUA na época da Segunda Guerra Mundial, da chamada escola Gestalt (palavra alemã que se refere ao processo de dar forma ao que é colocado diante dos olhos), ser bem-sucedido é uma percepção que muda de acordo com as expectativas de cada um. As aspirações e a motivação de uma pessoa dependem de sua autoestima, mas também de outros fatores, como sua trajetória e suas realizações pessoais. Para muita gente, enxergar as vitórias de sua carreira é o único jeito de seguir em frente. O risco aí seria o da desistência diante da falta de estímulo que o sucesso traz, não de acomodação quando o sucesso vem.

Seguindo a lógica de Bill Gates, todos os gurus desta matéria, inclusive ele, têm recebido más lições vindas de todo o sucesso que têm. Então, por que devemos aprender com eles?

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