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Um país africano é palco de um genocídio e ninguém faz nada. Parece roteiro de um filme em cartaz, mas é o que está acontecendo no Sudão, alerta a professora de Harvard Samantha Power

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 30 set 2005, 22h00

Eduardo Szklarz

O filme Hotel Ruanda está deixando muita gente chocada com as barbaridades vividas pelo povo tútsi em 1994. Mas poucos dos que saem abalados das salas de cinema sabem que uma tragédia de igual proporção acontece, neste momento, na região de Darfur, no Sudão, onde o governo leva a cabo uma limpeza étnica contra os habitantes não-árabes. “Cerca de 80% das vilas onde eles viviam foram queimadas”, diz a jornalista Samantha Power, que presenciou as atrocidades. Professora de política exterior americana e direitos humanos na Universidade de Harvard, Samantha ganhou o Prêmio Pulitzer com o livro Genocídio, que denuncia a falta de ação dos EUA e das democracias ocidentais para deter as grandes matanças do século 20. Em entrevista, ela diz que o mundo está silenciando de novo e que nós – sim, os brasileiros – deveríamos tomar a iniciativa para evitar mais mortes.

O que está acontecendo no Sudão?

Em 2003, um grupo de tribos africanas não-árabes se rebelou contra o governo exigindo mais estradas, hospitais e serviços públicos. O governo respondeu com uma brutalidade incrível: bombardeou cidades, queimou vilas e criou centenas de valas comuns. Há entre 200 mil e 500 mil mortos. Alguns milhões foram expulsos de suas casas e estão recebendo ajuda de organizações internacionais, mas os campos onde eles vivem em geral estão rodeados pelos janjaweed, milicianos árabes armados pelo governo. Os refugiados, portanto, continuam desprotegidos e ainda sendo obrigados a viver concentrados em campos, com as pessoas amontoadas umas sobre as outras e com movimento severamente restringido.

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O que tem sido feito para impedir o genocídio?

Tudo o que a comunidade internacional tem feito é dar ajuda aos sobreviventes e dinheiro para uma pequena força de monitoramento. São cerca de 4 mil homens da União Africana tentando conter os ataques contra os civis dos campos apenas estando parados ali. É a mesma lógica que se vê no filme Hotel Ruanda: esperava-se que as forças da ONU parassem o genocídio só por estar lá. Ou seja: que as pessoas ficariam com vergonha de matar e violar na presença de estrangeiros. Mas isso nem sempre funciona.

Qual a atitude dos governos ocidentais?

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Eles estão usando a União Africana como álibi. Dizem: “Já fizemos muito, mandamos a União Africana!” E a União Africana está usando os governos ocidentais como seu álibi, dizendo: “Adoraríamos ajudar, mas vocês não nos dão o dinheiro nem as armas de que precisamos.” Todos apontam contra todos, enquanto o povo de Darfur continua vulnerável. É tão patético que não há ninguém dentro da região para contar os mortos.

Hoje, qual é a solução mais realista para Darfur?

Fortalecer a União Africana e cuidar para que o dinheiro enviado não se perca em corrupção. Os países ocidentais também deveriam exercer maior liderança política na resolução do conflito, até porque logo Darfur será um outro Afeganistão, com terroristas se encontrando, treinando e fabricando bombas lá. E mesmo que os EUA sejam hoje tão impopulares, ainda são necessários nas ações de paz e diplomacia. Nenhum país europeu dá um passo adiante se os EUA não dão primeiro. Os europeus dizem: “Somos tão diferentes dos EUA! Temos mais moral, acreditamos no direito internacional, nos preocupamos com a humanidade!” Mas quando há um teste para tudo isso, eles se comportam exatamente como em Ruanda: ou são cúmplices do governo, como os franceses, ou ficam apenas assistindo, como os alemães e holandeses.

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Os EUA andam ocupados no Iraque, a ONU tem sido alvo de sérias denúncias de corrupção e a Europa não parece disposta a interferir militarmente. Quem vai parar esse genocídio?

Ninguém vai parar, como sempre. Mas a verdadeira decepção nesse caso é o comportamento dos poderes médios como Canadá, Argentina, Brasil, Japão e Turquia. Em inglês, existe a expressão “impotência aprendida”: você aprende a ser impotente ao longo do tempo. Depois de tanto tempo sendo tratados como poderes médios, Argentina e Brasil estão aprendendo a ser impotentes com a Europa – que por sua vez está tomando suas lições com os EUA.

O Brasil já está passando por dificuldades liderando tropas no Haiti…

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Mas os brasileiros não reclamam que o país quer entrar para o Conselho de Segurança da ONU e atuar no mundo ao lado dos big boys? O problema é que todos os países são motivados pela mesma coisa, o auto-interesse. Os cidadãos sempre querem ajudar a si próprios, não aos demais. E os políticos vêem o silêncio da sociedade e se perguntam por que vão se meter nesses lugares, já que o preço doméstico é muito alto.

Programas como os shows de rock promovidos no Live 8 podem ajudar a estabilizar a África?

O interessante no Live 8 foi a mensagem: “Não queremos seu dinheiro; queremos que pressione seu governo.” Como disse, é a pressão doméstica que move as democracias. Só essa pressão vai fazer com que os governos vejam o custo de não se preocupar com HIV, Darfur e Congo. Espero que o Live 8 não tenha sido só um dia, e sim o início de uma rede global de atuação.

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Como será o livro que você está escrevendo sobre o brasileiro Sérgio Vieira de Melo, comissário de direitos humanos da ONU morto no Iraque?

Será uma biografia política dos últimos 10 anos da vida dele, quando trabalhou na Bósnia, Camboja, Timor Leste e Iraque. Nos conhecemos quando eu era correspondente na guerra dos Bálcãs e sinto a perda dele todos os dias. O Sérgio é a melhor cara que a ONU já teve: a mais atraente, inteligente e charmosa. Uma cara humanitária e importante em países como o meu, onde há muito isolacionismo e onde as pessoas não entendem nada do que é a ONU. Ele era uma espécie de atleta de decatlo na construção de nações: tinha experiência com refugiados, justiça, educação. Ele foi para o Iraque quando nenhum país queria ir. Hoje, certamente estaria em Darfur.

Samantha Power

• Tem 35 anos e já entrou na lista das 100 personalidades mais influentes do mundo elaborada pela revista Time.

• Nasceu na Irlanda e se mudou aos 9 anos para os EUA.

• É fanática por beisebol. Vai a 40 jogos do Boston Red Socks por ano.

• Adora a banda irlandesa U2.

• Era repórter esportiva e cobria um jogo de beisebol, em Atlanta, quando a programação da rede CBS foi interrompida pelas imagens do massacre na praça da Paz Celestial, na China. “Pensei: meu Deus, o que estou fazendo com a minha vida? Foi quando decidi rever meus planos de carreira”, diz ela.

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