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Bruce Lee: O mito do dragão

Bruce Lee virou um herói para fãs do mundo inteiro, de Hong Kong ao sertão do Brasil. As circunstâncias misteriosas de sua morte só aumentaram a lenda em torno do seu nome

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 jul 2004, 22h00

Assim como Elvis Presley e John Lennon, cujos seguidores mais radicais duvidam que tenham passado desta para uma melhor, Bruce Lee também está vivo – vivíssimo – no imaginário de legiões de fãs em todo o mundo. Os fãs-clubes e sociedades de culto ao ator e mestre das artes marciais se estendem de Hong Kong ao sertão brasileiro. A descida do seu corpo ao túmulo do Cemitério Lakeview, em Seattle (EUA), no finalzinho de julho de 1973, teria sido apenas uma encenação para despistar os inimigos.

As próprias circunstâncias da morte precoce, com apenas 32 anos, ajudaram a construir uma das maiores lendas pop de todos os tempos. Quando foi enterrado, coberto pela mesma indumentária chinesa que serviu de figurino no filme Operação Dragão (1973), os admiradores se dividiam em dois grupos distintos: os que simplesmente duvidavam que Bruce Lee pudesse estar morto e os que apostavam nas mais diversas causas para o falecimento – menos no motivo aparentemente real aceito pela família.

Bruce Lee teria morrido na cama, de tanto transar com a atriz Betty Tingpei. “O gozo mortal”, insinuavam os jornais sensacionalistas da época.

Não. Morrera de overdose, como especulavam outros.

Nada disso. A culpa havia sido um mau negócio que fizera: a compra de uma casa mal-assombrada, em Hong Kong. Vendera a alma ao diabo, diziam os crentes no escambo do espírito pela fama e fortuna, como em um mito nada pop e muito antigo – o Fausto.

Ou ainda por conta de uma trama mais espetacular: gângsteres chineses revoltados – que reivindicavam um “pedágio” em dinheiro para protegê-lo e não receberam nada – resolveram liquidar o “mocinho”.

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Para os médicos que trataram do caso, Bruce morreu devido a um edema cerebral agudo, causado por uma sensibilidade exagerada ao uso de um medicamento chamado Equagesic, um analgésico composto de meprobamato e aspirina. Essa é a versão aceita pelos familiares, mas nunca engolida pelos admiradores mais fanáticos.

Quem deu o comprimido fatal ao artista foi Betty Tingpei, atriz e suposta amante do lutador. “Ele se queixou de uma dor de cabeça infernal naquele momento”, disse ela. Tomou a drágea e capotou no sono, por volta das 19h30, no seu apartamento em Hong Kong. Cerca de duas horas depois a mulher tentou despertá-lo – estavam atrasados para um jantar com o amigo e produtor de cinema Raymond Chow. À mesa, discutiriam Jogo da Morte, filme que só ficaria pronto em 1978, cinco anos após o sepultamento do “pequeno dragão”, como era conhecido o mestre.

Já na companhia de Chow e de um médico, a atriz tentou reanimar Bruce. Não houve jeito. Levaram-no ao Hospital Rainha Elizabeth, onde chegou sem sinais de vida. Nascido em 27 de novembro de 1940, em San Francisco, bebê prematuro sob o signo de dragão no horóscopo chinês (símbolo que o acompanhou até a morte), Bruce teve o seu caixão conduzido por anônimos e famosos como os atores Steve McQueen e James Coburn, que foram seus alunos de artes marciais.

Bruce nasceu americano por acaso. Seu pai, Hoi Chun, era ator do Teatro de Ópera Cantonense e excursionava com a mulher, Grace Lee, pelos Estados Unidos. Ainda de colo, com menos de um ano de vida do novo rebento, a família retornou para Hong Kong. O pequeno logo se revelou um arruaceiro, bom de briga. “Eu vivia procurando encrencas”, revelou depois da fama.

Sua estréia no cinema também foi precoce, logo aos 6 anos, por obra e graça do pai, que era reconhecido no mercado artístico chinês. A primeira fita foi The Beginning of a Boy. Até completar a maioridade, atuou em duas dezenas de filmes. Somente aos 13 anos despertou seu interesse pelo kung-fu. Demorou para pegar o espírito zen que adotaria depois. Envergonhava os pais com tantas arruaças. Uma vez acertou, durante um simples treinamento, a costela de um mestre de tai-chi-chuan com um petardo desleal. “Nosso Bruce nos envergonha”, dizia o sr. Lee, decepcionado com a conduta do filho.

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Em 1959, o garoto chamou a atenção da polícia nas ruas de Hong Kong com seguidas brigas. Mesmo com o choro da mãe, a família decidiu mandá-lo a San Francisco, sua cidade natal, sede de uma grande comunidade chinesa. Bruce tinha 19 anos incompletos. Viajou com uma passagem de terceira classe, no porão de um navio. Tinha na mochila o equivalente a 115 reais.

Em San Francisco, abrigou-se na casa de um amigo do pai. De saco cheio, mudou-se para Seattle, já com emprego certo no restaurante Ruby Chow, de proprietário de um amigo da família. Revelou-se um ótimo garçom, mas sentia falta do kung-fu, arte que começou a lecionar nas calçadas e jardins da vizinhança. Para ele, não bastava o domínio dos golpes da luta. Sua intenção era juntar o que lhe sobrara de sabedoria oriental à filosofia ensinada no Ocidente. Matriculou-se na Universidade de Washington. Curso: filosofia, claro.

Depois de alguns insucessos no amor, fez um convite para uma moça que daria golpes fatais no seu coração. “Não há como vencê-la”, ironizava. O nome da moça já dizia tudo: Linda Emery, futura senhora Linda Lee. “Quando me apaixono, fico meio bobo”, declararia o bravo dragão, beijando, da forma mais brega e humana, o tatame sentimental. Casou-se com Linda em agosto de 1964.

Entre o amor e o kung-fu, nesse mesmo ano havia fundado o Instituto Lee Jun Fan, em Seattle, que seria um sucesso – com uma segunda escola em Oakland com menos de um ano no ramo. O sucesso do instituto, aberto a todos os interessados, começou a incomodar os chineses mais tradicionais da comunidade de Chinatown, em San Francisco. Para eles, aquela arte marcial era uma sabedoria restrita aos orientais.

No mesmo mês em que se casara, o destino tinha reservado ao “pequeno dragão” um grande desafio. Wong Jack, renomado lutador de Chinatown, mandou-lhe um recado: “Vamos tirar as dúvidas em uma peleja. Se for derrotado, terá que fechar imediatamente as suas escolas”. Bruce topou o desafio. O adversário beijou a lona em apenas 2 minutos. Nascia ali os primeiros ensaios do jeet kune do, o estilo de luta inventado por Bruce, combinando a base das lutas marciais orientais, o boxe e o improviso.

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A força nos cabelos

Mas o que Bruce nunca imaginara, no seu mundo tão “macho”, é que a sua sorte estivesse, a partir daquele momento, nas mãos zelosas de um cabeleireiro. Mais precisamente, de Jay Sebrig, que cuidava das madeixas do elenco de Batman. Sebrig, havia testemunhado outra façanha do “pequeno dragão”. Convidado para uma apresentação conjunta, em agosto de 1964, pelo “pai do karatê americano”, Ed Parker, então campeão olímpico, Bruce simplesmente jogou o cicerone do evento a 2 metros de distância. Foi preciso apenas um “soco de 2 centímetros”: assim ficou conhecido um dos golpes mais contundentes de Bruce Lee, uma pancada desferida com o punho a uma ínfima distância do adversário.

O cabeleireiro presenciou tudo e ficou simplesmente “passado”, como diriam hoje seus colegas de ofício. Começava aí, com a indicação de Sebrig, a carreira de Bruce em Hollyoood, para onde foi imediatamente fazer um teste. Emplacou, em 1965, na série de TV The Green Hornet (O Besouro Verde), na pele do personagem Kato, um coadjuvante que, graças às suas habilidades com as lutas marciais, o tornaria um grande sucesso. Daí para as telas do cinema, foi um pulo.

O entrosamento com o mundo cinematográfico e sua fama levaram dezenas de celebridades a contratar suas aulas. Entre os seus alunos estavam os atores Steve McQueen, James Coburn, James Gardner e Lee Marvin, o diretor Roman Polanski e o jogador de basquete Kareem Abdul Jabbar.

Em 1971, filmou o seu primeiro grande sucesso de bilheteria, The Big Boss, na Tailândia. Até 1973, ano da sua morte, a trajetória foi sempre marcada por êxitos no cinema. Por uma dessas loucas coincidências da vida, Brandon Lee, o mais velho de um casal de filhos do lutador, também acabaria no cinema. Como o pai, que morreu durante O Jogo da Morte, o jovem herdeiro de Bruce foi vítima de um tiro, que deveria ser de festim, durante as filmagens de O Corvo, em 1993, aos 28 anos. Morte muito mais cercada de mistério que a do pai. Repetiram-se todas as especulações anteriores vividas pela família Lee. Ambos foram representados por dublês para que seus filmes pudessem ser finalizados.

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“Se eu morrer amanhã, não terei nenhum remorso. Fiz o que quis fazer. Você não pode esperar mais da vida.”

(Bruce Lee)

 

Herói popular

Filmes piratas “vendem feito banana” em bancas de camelôs

Até os anos 80, em muitas cidades do interior do Nordeste, era comum ver um pôster de Bruce Lee dividir a mesma parede, em bares e mercearias, com uma imagem do padre Cícero. Embora menos intenso, o culto ao ator e mestre de lutas marciais resiste ainda hoje no Brasil inteiro. Prova disso é a venda de DVDs dos seus filmes, que fazem sucesso nas bancas de jornais e são um fenômeno nos tabuleiros de produtos piratas dos camelôs das grandes cidades. “O que eu mais vendi até agora foi O Vôo do Dragão (1972)”, diz Carlos Silveira Amorim, 37 anos, camelô do centro de São Paulo. “Esse chinesinho tem freguês certo, vende feito banana.” Enquanto um Bruce Lee legítimo custa, em média, 35 reais nas lojas, nas bancas dos camelôs sai por 10 reais. “Filme de luta vende muito. O povo gosta de ver o pau quebrar”, diz Amorim. Até os anos 80, Bruce reinava nas salas populares dos cinemas brasileiros. Garantiu a sobrevida de muitos cinemas de rua quando a pornochanchada nacional começou a decair. Sob sua influência foram abertas muitas academias de lutas marciais. Bruce também está presente em Kill Bill (2003) filme de Quentin Tarantino, o que mostra a sua influência na indústria pop. O cineasta preferido dos “modernos” fez uma citação e homenagem ao “pequeno dragão” ao vestir a atriz Uma Thurman com a mesma roupa que Bruce Lee usou no filme O Jogo da Morte (1978).

Sopapos com estilo

Ator criou o jeet kune do, fusão de várias técnicas de luta

O que mais contribuiu para Bruce Lee se tornar um mito pop foi a invenção de uma nova luta. Ele patenteou o jeet kune do (modo de interceptar um punho), um novo estilo que perturbou os mestres de artes marciais tradicionais. Achavam que a criação desrespeitava a linguagem mais antiga do seu povo. O jeet kune do foi revolucionário por juntar técnicas do kung-fu mais histórico com elementos do judô, jiu-jitsu e boxe ocidental. “Ao iniciar o aprendizado, descobrirá que é estranho para você”, alertava Bruce. “Isso ocorre porque uma boa técnica inclui mudanças rápidas, grande variedade e velocidade. Pode ser um sistema de opostos muito parecido com o conceito de Deus e o Diabo.” Ele associava a nova luta aos ensinamentos do budismo. Estava em jogo não apenas derrotar o adversário, mas a busca pelo autoconhecimento permanente. O método criado por Bruce inclui diversas possibilidades de derrubar o adversário, pois junta variados tipos de luta. Na técnica do “agarramento com rasteira circular”, por exemplo, ele reuniu cinco lições básicas que mostram a sofisticação da sua filosofia:

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1) Manter-se sempre em movimento.

2) Estar preparado para contragolpes.

3) Desenvolver movimentos parecidos com os dos gatos. 4) Fazer o adversário lutar da sua maneira. 5) Ser agressivo. Fazer seu adversário pensar na defesa.

 

Briga de resultados

A luta criada por Bruce Lee é pragmática: considera eficiente tudo o que funciona

O jeet kune do nasceu da realidade das ruas – ainda garoto, Bruce Lee apanhou certa vez de uma gangue, e isso serviu de estímulo para se dedicar a artess marciais. Por ser uma luta pragmática, o JKD pode combinar todos os demais estilos, isto é, utiliza quaisquer técnicas que ajudem a derrotar o adversário. O importante é que a técnica dê resultado para uma determinada situação. Veja a seguir um exemplo:

1. Em uma luta a curta distância, quando enfrentar um oponente mais alto do que você, mantenha as mãos para cima e os cotovelos próximos do seu corpo

2. Incline-se e faça movimentos serpenteantes, movendo-se de um lado para outro. Ao mesmo tempo, avalie os golpes do seu adversário

3. Faça o seu oponente errar e entre nos seus socos, abaixando a cabeça, deslizando, esquivando-se ou prendendo com as mãos

4. Um direto de esquerda curto, em vez de um violento que revele involuntariamente suas intenções, resolverá o problema

5. A oportunidade surge só por um instante. Por isso, o direto de esquerda rápido e curto é melhor do que um golpe circular de esquerda

Fonte: O Tao do Jeet kune do, Bruce Lee (Conrad, 2004)

 

Saiba mais

Livro

O Tao do Jeet Kune Do – Filosofia e Arte do Grande Mestre, de Bruce Lee, Conrad do Brasil

Tudo sobre a luta que consagrou Bruce Lee, com direito a ilustrações, desenhos originais do autor, detalhes dos movimentos para derrotar um adversário e os aforismos zen-budistas também patenteados pelo “pequeno dragão”.

Filme

O Vôo do Dragão (The Way of the Dragon), dirigido e estrelado por Bruce Lee

Último filme completo que fez (O Jogo da Morte foi terminado com imagens de dublês e cenas antigas). Mais importante ainda pela presença de Chuck Norris, outro bamba das lutas marciais. O duelo entre Bruce e Chuck, filmado no Coliseu de Roma, é antológico.

Dragão, a História de Bruce Lee (Dragon: the Bruce Lee Story), dirigido por Rob Cohen

Documentário sobre a vida do ator e lutador.

 

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