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Somos todos platônicos

Vivemos presos numa caverna, onde tudo é uma ilusão. Mas podemos nos libertar dela - e enxergar a verdadeira luz das coisas

Por Alexandre de Santi (edição: Bruno Garattoni)
Atualizado em 23 out 2020, 19h03 - Publicado em 8 dez 2015, 14h45

Livro: A República
Autor: Platão
Ano: 380 a.C.
Por que ler? Para entender por que estamos sempre insatisfeitos.

Você larga a faculdade porque não era aquilo que imaginava de um curso universitário. Desiste de um emprego porque a vaga estava longe de preencher as suas ambiciosas expectativas profissionais. Briga com o namorado porque ele não era o par ideal que você sempre sonhou.

Você é platônico. E todo mundo é em alguma medida. No monumental A República, o grande trunfo de Platão foi sintetizar esse nosso jeito peculiar de pensar na mais famosa passagem do livro: a Alegoria da Caverna. O trecho está no sétimo dos dez livros que formam a obra. Nele, Sócrates, mestre de Platão e personagem principal de A República, descreve prisioneiros que vivem acorrentados numa caverna escura e olham somente para a frente, sem poder virar a cabeça. Quando é dia, enxergam apenas os reflexos dos objetos do mundo exterior na parede e acham que aquilo é a realidade. Um belo dia, um deles consegue sair da caverna. Primeiro, fica ofuscado com a luz do Sol, mas depois se habitua e percebe que está diante do mundo real, onde as formas perfeitas e verdadeiras existem. A parede da caverna exibe uma ilusão.

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Para Platão, a gente vive nessa caverna onde tudo não passa de uma cópia deformada do mundo das ideias e das essências, que era como o filósofo chamava esse universo perfeito. Estamos fadados a permanecer na caverna se não buscarmos o caminho da luz, uma metáfora poderosa usada pelo grego para representar a inteligência e a sabedoria. A genialidade de Platão foi perceber que o mundo das ideias é acessível somente pelo pensamento. No nosso dia a dia, temos que nos contentar com empregos e pares imperfeitos. E a possibilidade de comparar o mundo ideal com o real causa grande frustração. Platão separou a realidade do ideal. Dividiu o mundo em dois, e o nosso coração também. Na verdade, ele não foi o primeiro a fazer isso – seu antecessor Heráclito (535 – 475 a.C.) já dizia algo parecido. Mas Platão universalizou a separação e atribuiu uma enorme importância a esse mundo das formas perfeitas, que fica tão longe da realidade e tão próximo dos nossos sonhos. De alguma forma, estamos sempre à busca de um mundo ideal, o que tanto pode ser um caminho para a sabedoria, como queria Platão, quanto para a eterna insatisfação.

Embora seja a mais famosa, a Alegoria da Caverna é apenas uma das passagens do livro mais ambicioso do filósofo. Em A República, Platão discute o que é o bem e a justiça, como deve ser uma sociedade perfeita e uma boa educação e quem devem ser seus governantes. Fala de ética, metafísica, teoria do conhecimento e política em diálogos entre personagens reais (Platão mistura ficção e realidade o tempo todo, tanto que a conversa que compõe o livro se passa em 422 a.C., quando o filósofo teria então cinco anos, ou seja, o conteúdo do papo é fruto da sua prodigiosa imaginação). Não é à toa que o comparam a Shakespeare. Depois de cruzar a primeira página, você se sente no meio de uma mesa de bar grega. Lá pela metade, já começa, por si próprio, a perceber as incoerências apontadas por Sócrates e entende como funciona a dialética, método de encontrar a verdade por meio de posições contraditórias.

Sócrates – Quando duas coisas, uma maior, outra menor, possuem o mesmo nome, são elas diferentes, enquanto possuem o mesmo nome, ou semelhantes?
Glauco – Semelhantes.
Sócrates – Assim sendo, o homem justo, enquanto justo, não será diferente da cidade justa, mas semelhante a ela.

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Mas a República criada por Platão é bem diferente do ideal democrático do século 21. Platão zomba da democracia, comparando-a com uma grande colcha de retalhos. No seu Estado, não há embate de ideias ou busca por consensos. Em vez disso, Platão coloca uma única classe de governantes, os guardiões, como aptos para exercer o mais alto posto na carreira política platônica, e no topo, claro, os filósofos, aqueles que conseguem sair mais facilmente da caverna e depois têm a obrigação de voltar para resgatar os demais. Essas ideias podem parecer elitistas, mas o filósofo grego acerta em cheio no modo de fazer as coisas darem certo: educação. Ele propõe um plano educacional que dura 30 anos. Para chegar a guardiões, os jovens iniciam por um aprendizado que envolve ginástica, ciências exatas, arte e treinamento militar. Há 2,5 mil anos, o filósofo já tinha percebido que a educação era o caminho para civilizar o homem e moldar seu espírito.

Outra ideia original de Platão é a conexão estreita entre educação, ética e política. No primeiro livro, em que o diálogo gira em torno da justiça, Sócrates liga os pontos: para saber o que é o justo, é preciso saber o que é uma cidade justa. E cidades justas nascem de uma política justa, que não passa de uma extensão da ética individual, que por sua vez nasce de uma boa educação.

Como ocorre em toda grande obra filosófica, não entre nessa leitura sozinho. Livros de história da filosofia e dicionários filosóficos precisam estar sempre à mão para entender A República por completo. Como ele defende, não se contempla o belo com os olhos, mas com a inteligência e conhecimento.

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