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Uma hora com Tarantino

A SUPER esteve na entrevista coletiva do diretor em São Paulo e viu muito mais do que os xingamentos dele a Spike Lee

Por Felipe Germano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 8 mar 2024, 11h32 - Publicado em 26 nov 2015, 15h30

“Eu não vou perder meu tempo com o p**** do Spike Lee, o dia em que trabalhei com ele, foi o dia mais feliz da vida daquele filho da p***”, cravou Quentin Tarantino momentos antes da entrevista ser encerrada por ultrapassar o tempo previsto. A frase, em resposta a uma pergunta sobre o relacionamento dele com o cineasta de Malcolm X, estampou algumas manchetes ao redor do mundo. Um Tarantino explosivo, que durou exatos 21 segundos. A cena se passou em São Paulo, na última segunda-feira (23), em um hotel de luxo na zona oeste da cidade. Lá, foi possível observar durante uma hora o cara por trás de Cães de Aluguel, Kill Bill, Bastardos Inglórios e seu próximo filme, Os Oito Odiados.

A última vez que Tarantino veio à São Paulo foi em 1992, quando trouxe Pulp Fiction à Mostra Internacional de Cinema da cidade. De lá para cá, o diretor fez seis filmes, e aumentou a fama que já se consolidava na época.

“Lembro que quando vim pela primeira vez, me empolguei tanto que pensei em aprender português. Eu era um jovem sonhador”, contou à plateia de jornalistas, que ainda tentava se acostumar com a presença do diretor. Não aprendeu a língua nos EUA, e também não tentou fazer um intensivão local.

Em 2009, até chegou a anunciar uma vinda ao Rio de Janeiro, mas cancelou na última hora. Essa lacuna de 23 anos se refletiu na coletiva de imprensa. Não era uma simples entrevista, era um marco. Muitos jornalistas sabiam que nunca mais veriam o cineasta ao vivo. Em dado momento, um dos repórteres pegou o microfone e afirmou “antes de ser jornalista eu sou seu fã, autografa minha camiseta, por favor?”. O diretor ficou sem reação. Concordou com a cabeça, enquanto sorria constrangido. Do outro lado da sala, a assessora de imprensa do evento mudava de cor. Branco. Vermelho. Roxo. Branco. Mais tarde, ela se direcionou aos repórteres e pediu encarecidamente “Não peçam um selfie pra ele, por favor. Ele odeia isso”.

O diretor nervoso xingando Spike Lee representa em nada o estado de humor de Quentin. Na verdade, o cara é bem doce. Tarantino entrou no auditório disparando tchauzinhos enquanto era ovacionado. De repente, parou de caminhar, focou em um rapaz da primeira fileira, apontou e disse, “Gostei da sua camiseta!”. No peito do homem era possível ler as palavras “Kill Bill”.

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Nem mesmo o terno escuro e o lápis de olho o deixavam mais sóbrio. Enquanto fala, olha para pontos estratégicos da sala. Primeiramente para quem fez a pergunta, depois segue lentamente para todas as direções, dando a impressão de olhar no no olho de cada um, mesmo sem focar em ninguém. Ato gentil e que se reflete no set. “Quentin tem uma coisa muito especial quando está dirigindo. Ele move a câmera e se mexe de uma forma que deixa claro para todos os presentes que você é o centro de tudo naquele momento. É hipnotizante”, contou o ator Tim Roth, que atuou em Cães de Aluguel, em Oito Odiados e estava presente na sala.

Roth, na verdade é uma das pessoas que mais pode falar sobre o trabalho de Tarantino. Os dois filmes em o intérprete atuou correspondem respectivamente ao primeiro e último filme do diretor. “Tim me ajudou muito. Quando filmei Cães, mal havia entrado em um set, ocasionalmente, ele me puxava para o canto e dizia ‘aquele cara quer te ferrar. Você não sabe disso. Mas eu sei. Ele está te ferrando’, agora, quando ele entrou no set de Odiados, me falou ‘É assim que tinha que ser. Eu sabia que era’”. Roth, no canto da mesa, enrubesce.

Apesar de ser gentil com as pessoas, Quentin deixa claro que sua verdadeira paixão são os frames. “Não tenho esposa, não tenho filhos, tudo que eu tenho são meus filmes, e eu sou muito sortudo por isso.”, afirmou enquanto continuava com o mesmo sorriso. No auditório foi possível ouvir um jornalista comentar com o colega “isso seria muito triste se qualquer outra pessoa dissesse, mas com ele soa tão certo!”. Risos e acenos com a cabeça.

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Esse amor se reflete na forma como ele trata o cinema, em geral, tentando fugir do óbvio. Isso aparece na sua forma de assistir filmes – quando perguntado sobre o cinema brasileiro, falou que ama Cidade de Deus, mas que quando pensa no Brasil sempre lembra de Pixote -, mas principalmente na forma como faz seus filmes, o que, basicamente, se traduz na forma de uma violência caricata e com muito sangue. “Definitivamente vermelho é uma cor na minha paleta de cores”, conta enquanto se serve um copo d’agua. “Mas a gente está falando sobre faz de conta. O sangue na vida real, é assustador, é triste, mas no cinema é falso, na verdade ele tem um gosto bem bom”, completa rindo. “Na ficção, eu vejo o sangue como uma tinta, e você a pinta da forma que preferir. Às vezes para ficar lindo, às vezes para ficar assustador, e outras é só engraçado mesmo”, explica.

Aparentemente, essa alegria toda já tem data de validade. O diretor deixa claro que só vai fazer 10 filmes em sua carreira (Os Oito Odiados, é o oitavo) as datas para os outros filmes, entretanto, não são nem citadas “Eu não tenho nem ideia do que eu vou fazer daqui pra frente”, afirma quando questionado, mas já é possível ter alguns palpites. O diretor afirma que gostaria de fazer outro filme de Velho Oeste (o terceiro depois de Django Livre e Odiados), em outras entrevistas, ele já falou também sobre a possibilidade de fazer Kill Bill 3, mas a melhor ideia talvez tenha surgido no meio da coletiva paulistana. “Você já fez filmes sobre mulheres se vingando de homens, judeus se vingando de nazistas, escravos se vingando de escravagistas. Quando você vai fazer um filme sobre gays dando o troco em homofóbicos?”, perguntou o jornalista com a camiseta de Kill Bill, provocando aplausos no auditório. O diretor sorriu, olhou para Roth, deu os ombros e respondeu: “Eu não tinha planos para isso, mas agora que você colocou essa ideia na minha cabeça…”.

A última pergunta foi o que mudou tudo. No meio da entrevista, um jornalista questionou se Tarantino tinha algum interesse de trabalhar com Spike Lee, diretor famoso por defender a causa negra, assim como os dois últimos filmes de Quentin. “Nunca. Próxima pergunta”, respondeu secamente, arrancando risos. O grande problema é que Tarantino e Lee tem uma notória briga pública. O diretor negro afirma que o responsável por Django Livre se apropria da cultura afro, e que usa em seus filmes muitas vezes o termo “nigger”, altamente ofensivo para a comunidade negra. Tarantino se defende afirmando que usa o termo para dar realismo aos personagens, e que enxerga como racismo o ato de impedir diretores brancos a contar histórias negras.

Os dois diretores que já haviam  trabalhado juntos (Tarantino faz uma ponta no filme Girl 6, de Lee), não se dão muito bem depois da discussão. A última jornalista a fazer uma pergunta na coletiva, voltou ao assunto. “Eu tenho só dois filmes pela frente, eu não vou perder meu tempo com o p**** do Spike Lee”. Muita gente na sala já sabia qual seria o título da matéria. Aplausos. Fim da entrevista. Clima pesado. Tarantino, ainda visivelmente desconfortável, volta a sorrir. Levanta, posa para fotos e se despede. Talvez não demore 23 anos para voltar.

Os Oito Odiados estreia em 7 de janeiro, no Brasil.

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