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De bem com a natureza

No final do milênio, a Terra continua pedindo socorro, mas a consciência a respeito dos perigos provocados pelo descuido com a natureza já mudou o cotidiano de muita gente. Talvez você não tenha nem percebido.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h00 - Publicado em 31 out 1999, 22h00

Mariana Barbosa, de Londres

Lembra-se daquele sujeito que largou o emprego para montar uma pousada na praia? Ou daquele que decidiu morar numa cidade menor para ter mais contato com a natureza? Pois é, essa gente está cada vez menos sozinha.

A constatação de que dinheiro não traz felicidade engrossa neste final de milênio a lista dos que buscam um cotidiano mais simples e respeitoso com a natureza. A tendência é suficiente para fazer soar os alarmes dos economistas. Em 1996, o The Wall Street Journal, principal jornal financeiro americano, alertou que a onda de consumo frugal e seletivo poderia afetar o ritmo de crescimento da economia dos Estados Unidos. Naquele ano, de 5% a 10% dos trabalhadores do país optaram por ganhar menos trabalhando menos. E a tendência continua.

“Eles não são ecologistas de carteirinha, mas retomam a bandeira de redução do consumo por um estilo de vida autônomo e com menos impacto no planeta”, disse à SUPER Stephan Harding, professor de Ciências Holísticas do Schumacher College, na Inglaterra, uma das instituições mais respeitadas no estudo do ambientalismo.

Essa é a principal bandeira da Ecologia Profunda. A corrente de pensamento criada no início dos anos 70

pelo filósofo norueguês Arne Naess acrescentou uma dimensão ética e filosófica ao discurso ambientalista.

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Hoje, quase trinta anos depois, pode-se dizer que a Ecologia Profunda pegou. Além das atitudes individuais, organizações de defesa ambiental investem mais em assuntos de relevância global do que em campanhas do tipo “salve as baleias”. Transformado em filosofia, o ecologismo de Naess entrou de mansinho nas casas. Agora, os moradores podem olhar mais tranqüilos pela janela.

Um jeito de ser

Veja como a consciência ambiental transforma o dia-a-dia.

1. Experiência

Uma situação de contato com o ambiente desperta a consciência para a natureza e para o fato de que somos apenas uma parte dela.

2. Questionamento

A experiência leva à percepção da degradação ambiental e ao questionamento sobre o lugar do homem no centro de tudo.

3. Compromisso

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O pensamento ecologicamente correto inspira a ação, as mudanças no cotidiano que vão preservar o ambiente.

A preocupação com a natureza está presente em casa e no trabalho. Todos querem escritórios ou oficinas saudáveis. Há muitas opções profissionais ecológicas. Um advogado pode se especializar na legislação da área e um empresário de turismo investir em roteiros ecológicos. Preferir frutas e verduras da época e tradicionais da região em que se mora virou questão de bom senso.

Ter filhos depois dos 30 anos virou algo comum. Um só, de preferência.

Muitos se associam a entidades ecológicas. Ou fazem propaganda delas. Fins de semana e férias são cada vez mais voltados para o contato com a natureza.

Já não é difícil ver gente indo para o trabalho de bicicleta, dando ou pedindo carona.

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Reciclar o lixo, consertar eletrodomésticos quebrados e usar roupas até o limite são tendências difundidas.

Algo mais

Para o fundador da Ecologia Profunda, o filósofo norueguês Arne Naess, o único jeito de sensibilizar o homem para o problema ambiental é dar a ele, desde criança, a chance de entrar em contato com a natureza. Não faz mal que seja apenas com um pedaço dela. O importante é que esse pedaço não esteja sob o domínio do homem.

Radicalismo é um perigo a ser combatido

Para se tornar adepto da Ecologia Profunda é preciso desenvolver aquilo que Arne Naess chama de “sabedoria ecológica”, a soma de uma experiência individual intensa de contato com a natureza com uma atitude crítica e engajada. O resultado é um conjunto de idéias que boa parte dos ecologistas já adotou. “Nossa atuação é holística, tentamos pensar a natureza como um todo”, disse à SUPER o porta-voz do Greenpeace, maior organização do ramo no mundo, o inglês James Williams.

Mas há riscos. Como são muito amplas, as idéias de Naess podem dar margem a interpretações errôneas. Nos anos 80, por exemplo, Dave Foreman, líder do grupo radical Earth First, ficou famoso pelo infeliz comentário sobre o povo da Etiópia: “Que morram de fome. É a natureza buscando seu equilíbrio natural”. “Isso é um absurdo”, diz Stephan Harding. “Não tem nada, nada a ver com o que prega a Ecologia Profunda.”

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Oito mandamentos

As bases da Ecologia Profunda.

1. Todas as formas de vida possuem valor independentemente de sua utilidade para o homem. (Formas de vida são também rios, montanhas, ecossistemas, culturas e o próprio planeta.)

2. A riqueza e a diversidade da natureza têm valor intrínseco e contribuem para o bem-estar da vida na Terra. (Não adianta preservar pequenas reservas, é preciso haver abundância.)

3. Seres humanos não têm direito de reduzir essa riqueza, a não ser para satisfazer necessidades vitais. (A definição dessas necessidades deve levar em conta as características econômicas e sociais de cada povo.)

4. O impacto da interferência do homem é excessivo e a situação piora bem depressa. (É preciso reduzir o consumo nos países ricos.)

5. Para que a vida de todo tipo possa florescer, a população humana deve ser reduzida. (Estratégias de controle devem ser discutidas e desenvolvidas abertamente, sem radicalizações.)

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6. As estruturas econômicas, tecnológicas e ideológicas devem ser reformuladas. (O crescimento econômico difundido pelos países industrializados é incompatível com as formulações anteriores.)

7. Mudanças ideológicas são fundamentais para melhorar a qualidade da vida. (Não confundir qualidade, que não se mede, com padrão de consumo.)

8. Quem concorda com as formulações anteriores deve contribuir para implementar as mudanças necessárias. (Só as ações pacíficas são bem-vindas.)

Rebelde com causa

Hoje com 87 anos, Arne Naess, o filósofo mais famoso da Noruega, animador da ecosofia, teme o século XXI.

Professor de Filosofia da Universidade de Oslo de 1939 a 1969, Arne Naess foi preso várias vezes. Na década de 40, porque liderava protestos contra a Segunda Guerra Mundial. Nos anos 60, por manifestações contra a construção de uma usina hidroelétrica em seu país.

Órfão de pais e mãe, Naess despertou cedo para o montanhismo. Mas se cansou de competir e resolveu passar a “honrar”, em lugar de “conquistar”, os montes. No alto deles, no centro de seu país, o Hallingskarvet, construiu um chalé onde, desde 1938, passa três meses por ano. Ali elaborou as bases da Ecologia Profunda, inspirado pelas idéias do filósofo holandês Barch de Spinoza (1632-1677) e pela desobediência civil pacífica do líder indiano Mahatma Gandhi (1869 – 1948). Mas não conseguiu seu próprio conselho em relação ao controle populacional. Teve três filhos. Ainda hoje se aventura nas montanhas ao lado da Quarta mulher, a filósofa Kit-Fai, 37 anos mais jovem. Sua cabeça, assim como o corpo, continua em ótima forma. Ele dá palestras pelo mundo e está escrevendo um livro sobre Spinoza.

A casa em que mora, num subúrbio de Oslo, revela o conforto e o estilo “natural” da classe média européia. Com uma calça remendada e tomando chá em uma xícara térmica de quase quarenta anos, Naess recebeu a SUPER para a seguinte entrevista:

SUPER – Como o senhor vê o futuro do planeta?

Arne Naess – Estou pessimista com o próximo século. Todo mundo quer adotar um alto padrão para o seu cotidiano e isso não deixa ninguém mais feliz, só piora a situação da Terra. Mas eu acredito que no século XXII as pessoas estarão vivendo melhor e de um jeito mais simples.

Como o senhor imagina o século XXII?

Imagino um mundo dividido em unidades pequenas. Mas não será uma anarquia. Continuaremos precisando de governos democráticos para dar apoio às artes, às ciências, às universidades.

O que mudou desde o surgimento do ambientalismo?

A quantidade de gente consciente tem crescido, mas os problemas também. Há uma forte internacionalização dos mercados e continuamos emitindo níveis insustentáveis de poluentes.

Será preciso uma catástrofe para mudar isso?

Espero que não. Mas, só quando sérios problemas afetarem o estilo de vida nos países ricos – com muito consumo e impacto exagerado no ambiente – , deverá se generalizar a consciência de que esse modelo é impraticável. Nós, do Primeiro Mundo, precisamos mudar e cooperar com o Terceiro Mundo para que seu povo não caia no falso ideal. Somos os responsáveis pela crise. Cem bebês em Bangladesh causam menos impacto que um bebê americano ou norueguês.

A população já chegou à marca dos 6 bilhões. Como o senhor vê isso?

Não é “o” grande problema. Se não for discutido junto com outros problemas, como o nível de consumo nos países ricos, não chegaremos a lugar nenhum. Talvez uma solução seja dar incentivos fiscais para alcançar a redução populacional. Quem não tem filhos poderia receber 20% a mais de aposentadoria em recompensa por ter causado um impacto menor.

O homem deve abrir mão do papel principal

Sempre houve gente preocupada com o ambiente. Mas foi só em 1962, quando a bióloga americana Rachel Carson denunciou o risco dos pesticidas para a saúde pública, que o pensamento ambientalista começou a ser formulado. Até então, a natureza era vista como inesgotável. Depois, a ênfase no crescimento econômico passou a ser questionada até que se chegasse à Ecologia Profunda. Tentativas de conciliar os extremos não tiveram sucesso. O que continua fértil é a idéia de Arne Naess: para proteger a Terra, temos que ter a humildade de nos tornar coadjuvantes – e ir fundo nesse propósito.

Uma visão global

Economista alemão inspirou a Ecologia Profunda e a fusão da ciência com a filosofia.

Um dos primeiros livros a defender a redução do desenvolvimento e de seu impacto sobre o planeta foi Small Is Beautiful (Pequeno É Bonito), do economista alemão E.F. Schumacher (1911-1977). Mais tarde, em 1991, o nome do autor batizou o Schumacher College, no sul da Inglaterra, instituição acadêmica dedicada a promover a união entre a ciência e a filosofia. Seus cursos, especialmente o de mestrado em Ciência Holística, atraem gente do mundo todo. Entre os professores destacam-se o físico Fritjof Capra, o biólogo James Lovelock e o filósofo Arne Naess, todos famosos por suas idéias inovadoras.

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