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Diploma não dá dinheiro

Para a professora inglesa Alison Wolf, fazer faculdade não garante bons salários. Na era do conhecimento, a saída pode ser o telemarketing - ou consertar encanamentos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h26 - Publicado em 31 out 2007, 22h00

Pedro Burgos

Século 21, Era do Conhecimento. Nunca a educação foi tão importante para as pessoas. Quem não tiver qualificação dificilmente terá oportunidades no mercado de trabalho. Corra para a universidade. O discurso faz sentido: está por trás das políticas públicas que influenciaram a explosiva expansão do ensino superior no Brasil e no mundo nos últimos 15 anos. Só faltou combinar com o mercado… Na vida real, as profissões de nível universitário não cresceram o suficiente para sustentar a multidão que tomou de assalto o banco das faculdades. O telemarketing, por outro lado, cresceu. Como cresceram outros empregos que exigem pouca especialização. Não dão tanto dinheiro, mas são uma opção melhor que o desemprego. Fuja da universidade. A idéia de que o canudo atrai grana é uma furada.

A defensora da polêmica tese é a inglesa Alison Wolf, professora de educação do King’s College, de Londres. A autora do livro Does Education Matter? (“A Educação É Importante?”, sem tradução para o Brasil) explica por que desconfia da necessidade de tanta gente com diploma universitário. Depois de estudar diversos países, ela aponta que melhores níveis educacionais são provavelmente resultado – e não causa – do crescimento econômico.

Por que hoje, no Brasil e no mundo, as pessoas vão mais à universidade?

O principal motivo para essa expansão é o aumento da demanda dos estudantes, e não do mercado. As pessoas acham muito arriscado não ter um diploma universitário. A idéia básica é que, se você não tiver curso superior, não estará competindo pelos melhores empregos.

Há vagas para todos esses formados?

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Não. E há um outro problema: a massificação do ensino superior mudou o comportamento dos empregadores. Vários trabalhos que não precisavam dessa qualificação agora precisam, simplesmente porque as empresas consideram que quem nem se deu ao trabalho de fazer faculdade não está preparado para o mercado. O diploma não serve mais para abrir portas profissionalmente, mas, sim, para não fechá-las.

Onde estão os empregos no mundo atual?

Basicamente, nos setores que não necessitam de tanta especialização. O chamado telesserviço ou telemarketing, por exemplo, é uma das atividades que mais crescem no mundo e que não requer experiência anterior. Na Inglaterra, existe mais gente empregada nesse setor hoje do que nas indústrias tradicionais de carvão, aço e automóveis juntas. Apenas 10% dos empregados do setor, em todo o mundo, têm curso superior.

Ok, mas quem vai sonhar com um emprego como atendente de telemarketing?

Mulheres que trabalham meio período, por exemplo. Principalmente em países em desenvolvimento, haverá uma boa parcela da população que terá apenas a questão de precisar de um trabalho e pegar o que estiver disponível. E esse tipo de emprego não é necessariamente terrível – há algumas décadas, as pessoas iam trabalhar nas minas!

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A maioria dos cursos de prestígio no Brasil dura 4 anos ou mais. Vale a pena gastar todo esse tempo e dinheiro no ensino superior?

As pessoas devem achar que vale a pena. É um risco, mas talvez o investimento se pague. Os humanos são, por natureza, muito otimistas, especialmente os jovens. Agora, se fosse difícil e caro entrar na universidade, as pessoas poderiam pensar: “Bom, eu quero um diploma, mas de repente posso utilizar outras habilidades e fazer dinheiro muito mais fácil”. Na Inglaterra, por exemplo, um encanador pode ganhar bastante dinheiro. É bobagem essa história de que todos precisam ser altamente educados porque os trabalhos da sociedade do conhecimento exigem isso.

No seu livro, você afirma que o padrão hoje é os jovens mudarem de área de atuação logo depois da faculdade. Por que isso ocorre?

Não sei exatamente como isso acontece no Brasil, mas é uma tendência absolutamente verdadeira nos EUA e na Inglaterra. Essa situação sugere que é maluco tentar planejar as coisas tão cedo e fechar as pessoas em pequenas caixas de interesse quando elas têm 17, 18 anos.

Cursos profissionalizantes ou de menor duração seriam uma solução?

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Pode ser, mas criar algo assim é muito difícil. Nos países onde isso funciona, como na Suíça ou na Alemanha, o sistema dá certo porque a admissão na universidade é extremamente seletiva. Na França, surgiram os Institutos Tecnológicos, que normalmente dão cursos mais específicos, de dois anos. Só que a classe média começou a freqüentar os institutos, aproveitar seus benefícios e depois completar a educação nas universidades. As pessoas são boas em ajustar o sistema às suas necessidades.

Por que você defende a entrada no mercado de trabalho mesmo antes da universidade?

Porque é importante ter um trabalho na juventude, antes de optar por um curso superior ou profissionalizante. Pesquisas na Inglaterra mostram que os jovens que têm trabalhos temporários e até bicos têm chance muito maior de conseguir um emprego estável em um futuro próximo.

Educação demais é um problema?

Se a educação servir para expandir sua mente, aumentar o conhecimento, não há razão para ser contra, é maravilhoso. Mas, se o único propósito da educação for treinar para o trabalho, aí o excesso pode ser um problema. Infelizmente, muitos governos encaram a educação assim, como uma preparação para o mercado.

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Sempre ouvimos falar da experiência da Coréia do Sul, que hoje tem altas taxas de crescimento graças ao investimento em educação…

Acreditar que a Coréia teve sucesso econômico por causa da educação é uma simplificação gigantesca. Foi o crescimento econômico que sustentou a ampliação da educação. Na Coréia, quem se graduava ia trabalhar na iniciativa privada, que estava crescendo, estimulando outras pessoas a fazer o mesmo. Mas o período de expansão econômica diminuiu, e agora os coreanos têm um terrível problema: todos querem ir à universidade e ninguém quer fazer qualquer outro tipo de trabalho. Só que não existem vagas. É um problema interessante de supereducação.

Mas os governos não devem investir em educação?

É claro que é uma boa idéia ter um bom sistema de educação, mas isso não garante crescimento econômico. Países como Egito e Sri Lanka gastaram em educação o mesmo que a Coréia, mas a economia dos dois países foi um desastre no mesmo período. Nesses países, os jovens se formavam e a única carreira que realmente compensava era a de servidor público. Para não gerar um problema social, esses países começaram a contratar esse excesso de pessoas graduadas para cargos públicos. Essa não é a receita para nada, a não ser para uma máquina inchada de governo.

No Brasil, a maior parte das vagas está em universidades particulares. Mas as mais concorridas ainda são as de universidades públicas. Isso é comum?

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Ao que me parece, no seu país os ricos conseguem a melhor educação superior de graça e os mais pobres pagam. Isso acontece em vários lugares, é o pior dos mundos. Esse sistema ficou assim porque os governos, de maneira inocente, acreditaram que a educação deveria ser totalmente gratuita.

Não deve?

Não. Se as pessoas vão ter uma vantagem tão grande por causa de um diploma de uma universidade de prestígio, e se elas vão ganhar mais dinheiro por causa disso, faz sentido que elas paguem, certo? Aqui na Inglaterra, finalmente mudaram esse sistema. Não se paga mensalidade desde o início, mas depois que se forma a pessoa paga de volta aos poucos. Não há dinheiro para dar boa educação a todo mundo.

No Brasil, o governo gasta 14 vezes mais com um estudante da educação superior do que com o aluno da educação básica. Isso faz sentido?

Esses números são malucos. O problema é que num país em desenvolvimento não se pode simplesmente abandonar a universidade. A sociedade precisa de universidades atrativas, que sejam reconhecidas e gerem conhecimento, e o governo precisa efetivamente de pessoas altamente qualificadas – médicos, professores… Senão, como o país pretende crescer? Se as universidade públicas fossem gerenciadas de maneira mais profissional, talvez não se gastasse tanto. E acredito, novamente, que, se você vai à universidade e tem um grande benefício com essa educação, é totalmente razoável que você pague de volta depois. Se houver a obrigatoriedade do pagamento da universidade, as pessoas vão ver que têm mais escolhas que não passam necessariamente pelo ensino superior.

Ensino superior em xeque

Mercado Restrito

Enfocando prioritariamente o caso britânico, o livro de Alison Wolf esboça uma tendência que já se confirma no Brasil: em algumas áreas, há mais formados que a demanda do mercado. O caso dos graduados em direito é um dos mais dramáticos. Os mais de 1 000 cursos no país oferecem cerca de 220 mil vagas. Mas, de acordo com uma pesquisa da Universidade Cândido Mendes, do Rio, o desemprego entre os bacharéis em direito quase quadruplicou nos últimos 10 anos. E, entre os que têm trabalho, quase metade não atua na área de formação:

Mercado de direito no brasil

38% – trabalham na área jurídica

37% – trabalham em outras áreas

25% – desempregados

Investimento perdido

Para crescer economicamente, vários países seguiram a receita coreana e investiram pesado na educação. O Egito foi um deles. Entre 1970 e 1998, a porcentagem de adolescentes no ensino médio aumentou de 32% para 75%. O acesso ao ensino superior (99% público) mais que dobrou: 20% dos jovens entre 18 e 22 anos passaram a freqüentar a universidade. Do ponto de vista econômico, a receita não funcionou. Durante esse mesmo período, o país subiu apenas um posto no ranking de nações por PIB per capita:

Educação e economia no Egito

População na universidade*

1970 – 9%

1998 – 20%

Posição no ranking de pib per capita

1970 – 158º

1998 – 157º

* Entre jovens de 18 a 22 anos

Alison Wolf

• Tem 56 anos, é casada e tem 3 filhos. Dois estão na universidade.

• Acredita ser a única pessoa na Inglaterra a não torcer para um time de futebol. Gosta de esquiar de vez em quando.

• Já trabalhou para o governo americano nos anos 80, como analista de políticas educacionais.

• Sempre que pode, escreve reportagens para a revista Prospect, autoproclamada “a revista de debate cultural mais inteligente da Grã-Bretanha”.

• Não planeja se aposentar. “Vou escrever até que ninguém mais queira ler o que tenho a dizer.”

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