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Os jogos por trás dos Jogos

As Olimpíadas do Rio contam com duas novidades: rúgbi e golfe. Mas um esporte bilionário foi cortado, o mais tradicional de todos quase dançou - e o mais popular do mundo vive sob ameaça. Entenda como o Comitê Olímpico decide quem entra e quem sai.

Por Luiza Guerim
Atualizado em 4 nov 2016, 19h17 - Publicado em 10 ago 2016, 15h30

O clima no estádio era elétrico. A final olímpica estava prestes a começar. De um lado a equipe da Grã-Bretanha, campeã mundial. Do outro a Suécia, apoiada pela torcida local. Na primeira bateria, os escandinavos levaram fácil. Na segunda, não. Os ingleses lutaram com unhas e dentes, resistindo heroicamente à força do time sueco. Até que, depois de um embate prolongado e dramático, começaram a sucumbir – e cair no chão. Acabou! Suécia, medalha de ouro no cabo de guerra das Olimpíadas de 1912!

Naquela época, o cabo de guerra atraía multidões. Ele foi disputado em cinco edições dos Jogos, até 1920, quando a Grã-Bretanha se consagrou como maior medalhista da história (dois ouros, duas pratas e um bronze). Hoje, mesmo tendo times profissionais, uma federação internacional e raízes históricas invejáveis – já era praticado na Grécia e na China no século 8 a.C. -, o cabo de guerra é visto pela maioria das pessoas como uma bobagem, mera brincadeira de colégio. Em grande parte, porque nunca conseguiu voltar às Olimpíadas. Ficar fora delas pode destruir um esporte. E estar dentro pode transformá-lo em fenômeno global. É um poder de vida ou morte.

A regra (não) é clara

O Comitê Olímpico Internacional (COI) decide quais esportes vão entrar ou sair dos Jogos. Tem uma comissão, formada por 22 delegados, que analisa os pedidos das federações esportivas. Os esportes são avaliados em 39 critérios. Os delegados consideram a história e a tradição, o nível técnico dos atletas e a popularidade de cada modalidade.

Também checam se ela atende a certos requisitos das Olimpíadas, como quantidade equivalente de atletas homens e mulheres, além de viabilidade de transmissão televisiva. “O esporte precisa ter presença global e forte apelo entre os jovens”, explica Michael Payne, ex-diretor de marketing do COI. Se a modalidade for aprovada pelos delegados, a palavra final é dada durante a Assembleia Geral do COI, que acontece todo ano com representantes dos 92 países-membros.

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Na prática, existe um critério que sobressai a tudo isso: a força do lobby. Tanto que as federações esportivas costumam contratar consultores e marqueteiros, a peso de ouro, para organizar suas campanhas. “É como na política. Essas empresas ajudam as federações a construir suas narrativas”, explica Payne. É o poder político que vem garantindo a manutenção de alguns esportes nem tão populares assim. As provas de equitação, por exemplo, costumam ser criticadas por seu alto custo e baixa audiência – sem falar no uso de animais. Mas seguem intocadas. “As pessoas que acompanham essa modalidade são ricas e têm influência”, diz David Wallechinsky, presidente da Sociedade Internacional de Historiadores Olímpicos.

A política também determina quem vai sair dos Jogos. De tempos em tempos (a frequência varia), o COI dedica uma de suas reuniões anuais à revisão do programa olímpico. Todas as modalidades são colocadas em votação, e só permanecem as que tiverem o “sim” de pelo menos 51% do plenário. Três fatores podem levar à exclusão de um esporte: a falta de evolução técnica, a perda de interesse do público (e de audiência) e a incapacidade de reunir os maiores atletas daquela modalidade. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o beisebol.

Maratona política

O beisebol pode não ser o esporte mais popular do mundo, mas ninguém questiona o fato de que é bastante conhecido – especialmente em potências olímpicas como EUA, Japão e Cuba. Tem público e tem dinheiro: só a Major League Baseball (MLB), que abrange as principais ligas norte-americanas, vale US$ 36 bilhões (15 vezes mais do que o Campeonato Brasileiro de futebol, segundo estudo feito pela consultoria BDO em 2015). É uma enormidade de dinheiro. Mesmo assim, o beisebol e o softbol (versão light, com campo menor e jogos mais curtos) foram cortados – sua última aparição foi em 2008, em Pequim.

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A explicação está num impasse entre o COI e as grandes federações do esporte. A MLB nunca quis ceder seus maiores atletas para a Olimpíada. Além disso, o sistema de fiscalização antidoping do beisebol norte-americano é diferente do exigido nos Jogos. Isso foi irritando os delegados do COI, até que o esporte dançou. “O COI impôs diversas barreiras. Nos países onde não havia estádios, os países eram obrigados a construir 12 campos. E esses espaços são tão caros quanto as arenas de futebol”, resume Jorge Otsuka, presidente da Confederação Brasileira de Beisebol e Softbol (CBBS).

A exclusão do beisebol foi um golpe duro – inclusive porque nenhum esporte havia sido cortado em 69 anos. (O último a dançar havia sido o polo a cavalo, disputado até os Jogos de 1936, em Berlim.) Mas a história olímpica também é marcada por grandes partidas de modalidades que seriam inimagináveis hoje, como lacrosse (jogo em que o objetivo é pegar uma bolinha com uma rede), pelota basca (espécie de squash sem raquete) e até motonáutica – corridas de lancha em alta velocidade.

Os esportes que estão de fora geralmente querem voltar. É o caso da Federação Internacional de Cabo de Guerra, que tem 78 países-membros. “O cabo de guerra tem valor histórico e cultural, que atrai praticantes em muitos países”, diz Anton Rabe, presidente da entidade. O cabo de guerra pediu para entrar nas Olimpíadas de 2020, mas já foi rejeitado. Agora, tenta participar como um evento de integração, que não valeria medalha – e reuniria atletas de várias modalidades. “Seria muito divertido, e [o COI] não precisaria adicionar atletas ao evento”, concorda o historiador Wallechinsky. Hoje, por decisão do COI, cada edição dos Jogos pode receber no máximo 10.500 atletas.

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Além do cabo de guerra, outros 26 esportes estão tentando entrar nas Olimpíadas, como futebol americano, bocha, frisbee, bridge (um tipo de jogo de cartas) e até dança de salão. O squash, cuja federação está presente em 185 países, é um dos que têm maiores chances. Ele chegou a entrar nas listas dos Jogos de 2012 e 2016, mas não obteve a autorização final do COI. Tentou um espacinho nos Jogos de 2020, em Tóquio, mas já foi rejeitado. Tudo por pressão de outro esporte: a luta greco-romana.

Em fevereiro de 2013, o COI decidiu excluir a luta dos Jogos de Tóquio. A entidade queria cortar custos, e resolveu que iria abrir mão de alguns dos chamados “esportes-núcleo” das Olimpíadas – ou seja, aqueles que têm participação garantida em todos os Jogos. Um ano antes, o Comitê havia feito uma pesquisa para saber quais modalidades despertavam maior (e menor) interesse do público. E a luta greco-romana foi a escolhida para o sacrifício. Deu polêmica, já que ela é o esporte competitivo mais antigo do mundo, com registros do século 7 a.C. O lobby da Federação Internacional de Lutas Associadas (Fila, em francês) foi tão forte que o Comitê voltou atrás. E o squash levou a pior.

No Rio e além

Nas Olimpíadas do Rio, o golfe retorna depois de 112 anos fora dos Jogos. A evolução técnica, o crescimento da audiência e a disponibilidade de atletas de ponta foram decisivos para que o COI desse uma nova oportunidade ao esporte. Mas o maior nome do golfe mundial, Tiger Woods, não participa dos Jogos. É que ele terminou 2015 na 416a posição no ranking mundial, depois de se machucar várias vezes (e enfrentar uma série de polêmicas envolvendo sua vida amorosa). O favorito ao ouro é o irlandês Rory McIlroy, de 26 anos.

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Outra novidade do Rio 2016 é o rúgbi, que esteve presente em quatro Olimpíadas, até a de 1924 (Paris). Agora, depois de 92 anos, está de volta em outro formato: o rugby sevens, com menos atletas – são sete em vez dos 15 da modalidade tradicional. “É um jogo muito mais simples em termos logísticos, e mais curto também”, explica Agustin Danza, CEO da Confederação Brasileira de Rúgbi. Fora dos EUA, o rúgbi já é o segundo esporte mais popular do mundo (o último campeonato global, em 2015, foi transmitido para 207 países).

O Comitê Olímpico já sinalizou que, em 2020, vai fazer alterações profundas, podendo abrir espaço para esportes radicais, como o surfe, o skate e a escalada esportiva. Também é possível que caratê e beisebol voltem (a lista será divulgada em agosto). “Provavelmente será uma combinação entre aquilo que é importante para o Japão, como o beisebol, e o que é importante para a Olimpíada, a necessidade de ganhar apelo entre o público jovem”, diz Michael Payne. Ao mesmo tempo, a tendência é que o COI elimine alguns esportes que são muito tradicionais, mas não empolgam os jovens. É o caso do pentatlo moderno (que reúne esgrima, natação, corrida, tiro esportivo e hipismo).

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Várias outras modalidades vivem na berlinda. Inclusive o todo-poderoso futebol. Por um lado, ele é o esporte mais popular do mundo, traz atenção e prestígio. Mas o futebol olímpico é meio fraco, pois só aceita jogadores com menos de 23 anos. Essa regra é uma exigência da Fifa, que não quer tirar o foco da Copa do Mundo, que ela própria organiza. Quando o futebol começou a se transformar em uma potência, no começo do século 20, o Comitê ficou incomodado e tentou boicotá-lo – queria que não tivesse campeonatos nem times profissionais, o que a Fifa não aceitou. Por tudo isso, há quem diga que o futebol de campo vai acabar saindo. “Haveria espaço para variações dele, como o futsal e o futebol de areia”, argumenta Payne.

As Olimpíadas ainda vão mudar um bocado. Mas uma coisa é certa: “As pessoas sempre vão parar para assistir aos Jogos Olímpicos”, diz Wallechinsky. Inclusive os atletas que estiverem em casa, jogados no sofá e vendo tudo pela TV – porque, na corrida dos Jogos para se renovar e ganhar novos fãs, os esportes deles acabaram sendo cortados.

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