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Relembre as guerras na antiga Iugoslávia nos anos 1990

Conheça detalhes do conflito que redefiniu o mapa da Europa no fim do século 20

Por Salus Loch
Atualizado em 4 nov 2016, 19h20 - Publicado em 25 Maio 2015, 19h00

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a união de seis repúblicas (Sérvia, Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro e Macedônia), e de duas províncias autônomas (Kosovo e Vojvodina), deu origem à República Federal Socialista da Iugoslávia. Instituída sob o regime comunista, e governada com mão de ferro entre 1945 e 1980 pelo marechal Josip “Tito” Broz, a Iugoslávia foi capaz de resistir por 35 anos às diferenças dos povos que a formavam. Mas não foi para sempre. A morte de Tito, em 1980, e o enfraquecimento do sistema comunista ao longo da década seguinte (culminando com a queda do muro de Berlim, em 1989), fez com que os comunistas começassem a perder o controle do país. Com isso, divergências do passado começaram a se agravar. O palco se tornou favorável para vários tipos de discursos, do nacionalismo sérvio à crença de que era chegada a hora para eslovenos, croatas, bósnios e kosovinos fundarem seu próprio país.

Os primeiros a agirem foram Eslovênia e Croácia, que em 25 de junho de 1991, via referendo, declararam independência. A decisão desagradou o presidente sérvio Slobodan Milosevic. O primeiro alvo de Milosevic foi a Eslovênia, numa guerra de “tiro curto” que durou 10 dias. Depois de algumas bombas e ameaças, um acordo foi firmado pelo governo esloveno e a Iugoslávia. Resolvida a questão da Eslovênia (que sempre foi mais “Ocidental” do que “Oriental”, e continha pequena representatividade sérvia no país), o exército iugoslavo – sob o comando de Milosevic – focou seus esforços na Croácia e, prontamente, invadiu o país com a ajuda das milícias sérvias locais. Com o sangue respingando nas coberturas televisivas (mesmo que em doses homeopáticas), ONU e Comunidade Europeia intervieram no conflito.

Seguindo os passos da Eslovênia e da Croácia, a Bósnia e Herzegovina foi a terceira república da antiga Iugoslávia a declarar independência, em fevereiro de 1992 (também via referendo). Contrários à decisão, os sérvios, que defendiam a permanência da Bósnia na Iugoslávia, deram início aos confrontos na capital Sarajevo. Pelo país, integrantes de diferentes culturas e religiões estavam se aniquilando. Começou um processo de limpeza étnica liderado pelos sérvios. Valia tudo, desde massacres coletivos a estupros sistemáticos de mulheres bósnias, que, pela lei vigente, tendo filhos de pais sérvios, dariam à luz a crianças “sérvias legítimas”.

Desde o fim da guerra na Bósnia, em 1995, a tensão entre a província autônoma de Kosovo, de maioria albanesa, e o que restou da Iugoslávia também começou a crescer. Em 1998, os confrontos entre as forças de segurança sérvias e o Exército de Libertação de Kosovo (ELK) se intensificaram. Na luta pela independência, separatistas de Kosovo chegaram a controlar parte da província – quando tiveram sua autonomia ‘castrada’ por Milosevic, graças ao fechamento do parlamento kosovino e a entrada em ‘campo’ das tropas sérvio/iugoslavas. A situação chegou ao extremo em 1999, quando após uma tentativa fracassada de assinar um acordo de paz com os sérvios, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) atacou a Iugoslávia em março daquele ano – no centro de Belgrado, capital da Sérvia, até hoje prédios que foram alvo do ataque restam intocados, e destruídos.

Em 2008 Kosovo conquistou, finalmente, sua independência. Porém, 13.500 pessoas foram mortas no período, conforme levantamento do Humanitarian Law Center (HLC). Este episódio, ainda não bem resolvido, segue sendo um dos motivos que barram a entrada da Sérvia na Comunidade Europeia.

Fruto desta série de episódios, a Iugoslávia deixou de existir, oficialmente, em 2003, dando lugar a um ‘novo país’, chamado Sérvia e Montenegro. Em 2006, porém, as duas nações também se separaram, após referendo, criando os hoje independentes países da Sérvia e de Montenegro. O espólio da guerra, entretanto, ficou com a Sérvia, por motivos óbvios. No total, nove enfrentamentos armados foram registrados envolvendo as seis repúblicas da antiga Iugoslávia e as duas unidades autônomas, num número aproximado de 140 mil mortos, outra centena de milhares de desaparecidos e, pelo menos, 2,2 milhões de refugiados, entre 1991 e 2001.

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Guerra na Croácia: Vukovar, símbolo de resistência

Entre 31 de março de 1991 e 12 de novembro de 1995, Croácia e Sérvia travaram, no território croata, uma batalha que deixou mais de 23 mil mortos, e cicatrizes em ambos os povos. Para os croatas, o episódio é chamado de “homeland war” (luta em defesa da terra e da propriedade/casa). A versão sérvia da história trata o tema como uma das guerras civis que resultaram no desmantelamento da antiga Iugoslávia.

A verdade é que, pelo caminho, restaram corpos de homens, mulheres, jovens e idosos. Estima-se que até 40% das vítimas do conflito tenham sido civis. Mais de 700 mil pessoas tiveram que deixar a Croácia, se refugiando em países vizinhos – dentre estes, mais de 250 mil sérvios que viviam na Croácia voltaram ao seu país de origem ou se abrigaram na vizinha Bósnia, especialmente após a Operação “Storm” (Tempestade).

A guerra, que teve início paralelamente à declaração de independência da Croácia, colocou frente a frente o exército croata (inicialmente constituído por apenas 1,5 mil homens), as milícias rebeldes sérvias que viviam na Croácia (e eram contra a independência), e as forças do exército iugoslavo (JNA), liderado pelo presidente sérvio, Slobodan Milosevic. O líder embasava seu discurso intervencionista na necessidade de evitar que as minorias sérvias tivessem seus direitos suprimidos, ao mesmo tempo em que buscava “manter a união” das repúblicas que constituíam a Iugoslávia. Em outras palavras, para salvar os sérvios que moravam em outros países, Milosevic estava disposto a tudo. Até invadir territórios e matar gente.

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Aproveitando-se da fragilidade inicial das forças de defesas do presidente croata Franjo Tudman, os sérvios chegaram a ocupar um terço do território da Croácia – notadamente em áreas habitadas pela população de origem sérvia. As forças leais a Tudman, no entanto, foram aos poucos ganhando envergadura, até reconquistarem a totalidade de seu território. O governo croata investiu cerca de 1 bilhão de dólares para equipar seu exército e formar novos combatentes. Mas o prejuízo em infraestrutura e custos relacionados a refugiados foi bem maior: 37 bilhões.

Entre os vários momentos da Guerra na Croácia, três episódios marcaram o conflito: a destruição praticamente total da cidade patrimônio cultural da Unesco, Dubrovonik, no litoral sul do país (dezembro de 1991); a Operação “Storm” (Tempestade) (agosto de 1995); e o cerco à Vukovar.

Chamada de a “cidade dos heróis”, Vukovar é o símbolo da resistência croata e, ao mesmo tempo, palco de um dos piores massacres do enfrentamento. Lá, cerca de 4 mil civis e militares croatas defenderam a cidade dos ataques do exército iugoslavo/sérvio por três meses, entre agosto e novembro de 1991. Do lado sérvio, havia 6,8 mil soldados e 15 tanques de armamento pesado. Do lado croata, só a metade dos soldados improvisados tinha armas.

O resultado do embate, contudo, foi devastador: 1.739 pessoas morreram. A cada três vítimas fatais, duas eram civis. Centenas de croatas foram encaminhados a campos de concentração na Sérvia. Mais de duas mil pessoas ficaram feridas e 20 mil desalojadas. Apenas no dia 20 de novembro de 1991, 260 pessoas foram retiradas do hospital de Vukovar e executadas pelos sérvios. Os corpos foram enterrados numa vala coletiva na localidade vizinha de Ocvara. As vítimas eram civis feridos, militares e o corpo médico do hospital da cidade, com idades entre 16 e 72 anos. O local onde a vala coletiva foi descoberta é sede, hoje, de um memorial.

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Atualmente, Vukovar tem 27 mil habitantes. E segue dividida. Há escolas específicas para filhos de croatas (que representam 60% população) e sérvios (35% dos moradores) e bares onde, dependendo de sua origem, você não pode pisar.

 

Guerra na Bósnia e Herzegovnia: Cerco de Sarajevo e o túnel da esperança

A Guerra na Bósnia e Herzegovina durou três anos, oito meses e oito dias. Começou em 6 de abril de 1992 (data em que o país foi admitido como membro da ONU) e só acabou em dezembro de 1995. A independência da multiétnica república da Bósnia – então habitada por bósnios muçulmanos (44%), sérvios ortodoxos (31%) e croatas católicos (17%) – havia sido definida por um referendo pouco tempo antes do início do conflito, em em 29 de fevereiro de 1992. Só que os sérvios não levaram a independência a sério e decidiram estabelecer, dentro da Bósnia, sua própria República (Srpska). Estava lançada mais uma guerra no território da antiga Iugoslávia.

O conflito deixou aproximadamente 100 mil mortos. Entre as vítimas, 40 mil civis. Cerca de 50 mil mulheres bósnias foram estupradas e 1,5 milhão de pessoas ficaram desabrigadas ou refugiadas. Foi o primeiro caso de genocídio na Europa pós-Segunda Guerra Mundial. Campos de concentração também se tornaram comuns.

Na linha de combate se enfrentaram os representantes de cada etnia da então República: sérvios e bósnios de origem sérvia (representantes da República de Srpska, apoiados pelo exército Iugoslavo (JNA), de Slobodan Milosevic), croatas e bósnios de origem croata, e bósnios de origem muçulmana – grupo que registrou as maiores perdas.

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O mundo acompanhou ao vivo os principais momentos do conflito. Especialmente, o cerco da capital Sarajevo – o mais longo da história moderna, entre abril de 1992 e fevereiro de 1996 (cerca de dois meses após o fim da própria Guerra na Bósnia). Sem água ou energia elétrica e aprisionados em suas próprias casas, os moradores de Sarajevo estavam sendo dizimados pelas forças sérvias, que se posicionaram ao longo das montanhas que circundam a capital. A cobertura da imprensa fez com que a ONU tivesse que agir. Um acordo foi feito com as lideranças sérvias para que o aeroporto de Sarajevo servisse de base para a chegada de alimentos, roupas, cuidados de saúde e outros.

Com a crianção da “zona livre de guerra”, representantes bósnios tiveram uma ideia: construir um túnel debaixo da pista do aeroporto – o que permitiria o ingresso de mais comida e utensílios que já não eram encontrados na cidade. O serviço foi executado por 133 pessoas, entre militares e civis, e durou quatro meses e quatro dias, entre março e junho de 1993. Um dos homens que trabalhou na construção do túnel, Abid Jasar, 58, falou com a equipe da SUPER. “Tínhamos duas equipes cavando em lados opostos sob a pista do aeroporto. A ideia era nos encontrarmos no meio do caminho abrindo, assim, o túnel para o transporte de mantimentos e deslocamento de pessoas. Tivemos sucesso, e, certamente, a iniciativa garantiu a sobrevivência da cidade, que estava completamente batida”, lembra o veterano que fez parte do exército bósnio e hoje mantém uma loja de souvenirs ao lado do túnel. O lugar, inclusive, é um dos principais pontos turísticos da cidade.

Mesmo duas décadas depois da Guerra, Sarajevo segue repartida e longe de ostentar o padrão de vida europeu, ou de capitais próximas, como Belgrado e Zagreb. O cerco de Sarajevo deixou cerca de 15 mil mortos (40% civis) e legou à Capital um impressionante número de cemitérios, muitos estabelecidos em espaços que antes do conflito serviam como parques abertos ao público.

 

Mostar: uma cidade, dois povos

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A “Ponte Velha” (Old Bridge) da cidade de Mostar é, talvez, o mais difundido e, certamente, um dos mais belos pontos turísticos da Bósnia e Herzegovina. No entanto, poucos sabem que a ponte, construída pelo Império Otomano no século XVI, foi destruída em 1993 durante a guerra que cortou o País. Reinaugurada em 2004, ela segue representando a “divisão” entre os dois lados da cidade, o ocidental (ocupado majoritariamente por croatas católicos) e o oriental (habitado pelos bósnios muçulmanos). Conforme Sladja M., gerente de um restaurante localizado ainda na “parte Ocidental”, é comum encontrar pessoas que até hoje não fizeram a travessia da ornamental Ponte Velha, justamente, por não saber o que poderiam encontrar “do outro lado”. Sobre o período da guerra, ela ensina: “O melhor é esquecer”. Porém, nem todos conseguem. E alguns simplesmente não querem.

 

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