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Uma breve história do Estado Islâmico

Saiba como o 11 de Setembro, a Guerra do Iraque e o caos da Síria forjaram o mais rico e monstruoso grupo terrorista de todos os tempos.

Por Carol Castro
Atualizado em 23 Maio 2017, 16h02 - Publicado em 23 mar 2016, 13h46

Colin Powell sentou-se na cadeira do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, rodeado por câmeras, para um pronunciamento que mudaria para sempre o mundo islâmico – e, mais tarde, atingiria em cheio o Ocidente. Era 5 de fevereiro de 2003 e o ex-militar carregava o fardo de ser o Secretário de Estado de uma nação aterrorizada pela tragédia de 11 de Setembro. E de um presidente, George W. Bush, sedento por vingança. Powell agradeceu pela presença de todos e iniciou o discurso naquele “importante dia para rever a situação a respeito do Iraque”.

Em 75 minutos de fala, Powell apresentou evidências da presença de armas de destruição em massa no país de Saddam Hussein. E mais do que isso: teria desmascarado a ligação do ditador com a Al-Qaeda. No telão da sala da ONU, surgiram fotos de terroristas escondidos nas montanhas no nordeste iraquiano, com a conivência do ditador. Em destaque, o líder local do grupo: Abu Musab al-Zarqawi.

“O Iraque hoje abriga uma rede de terroristas mortais encabeçada por Abu Musab al-Zarqawi, um associado e colaborador de Osama bin Laden e de seus tenentes da Al-Qaeda”, afirmou Powell.

Semanas antes do discurso, Bush e Powell haviam escutado dos especialistas em terrorismo da CIA, chefiados por Nada Bakos, detalhes sobre a localização e as atividades do grupo de Al-Zarqawi. Os agentes monitoraram por meses o esconderijo – e sabiam que de fato se tratava de uma célula terrorista ligada a Bin Laden. Mas não havia qualquer prova de que Hussein apoiava Zarqawi. Pelo contrário, os analistas duvidavam muito sobre qualquer ligação entre os dois. Filho do nacionalismo árabe secular, Saddam se opôs a qualquer ligação entre fé e política até os anos 1990. Se falou de religião, foi por populismo. Além disso, a região iraquiana onde se escondia a Al-Qaeda ficava fora do controle do regime de Saddam Hussein.

Antes do pronunciamento de Powell, quando Zarqawi nem desconfiava da presença da CIA no terreno ao lado, os agentes pediram autorização para invadir e prender os terroristas no Iraque. Bush negou. Ele queria a todo custo reunir argumentos para invadir o país e depor Saddam. E o esconderijo de Zarqawi era a prova perfeita para ligar o ditador aos terroristas e tornar possível a guerra contra o país. Powell anunciou uma versão deturpada dos relatórios da CIA, dando o aval final para o início da Guerra no Iraque. Quando os agentes invadiram o esconderijo, Zarqawi já estava longe dali, em Bagdá.

Bush não apenas deixou Zarqawi escapar como o lançou ao estrelato. “Com um discurso, a Casa Branca transformou Zarqawi, um jihadista desconhecido, em uma celebridade internacional e ídolo do movimento islâmico”, conta o jornalista Joby Warrick, em seu livro Black Flags: the rise of ISIS (Bandeiras Negras: a Ascensão do ISIS). “Ao decidir usá-lo como uma desculpa para abrir um novo front na guerra contra o terrorismo, a Casa Branca lançou a carreira de um dos maiores terroristas do século”, completa. Extremistas islâmicos de todos os cantos começaram a procurar Zarqawi para fazer parte do time dele. O jordaniano seria o empecilho mais mortal dos EUA no Iraque – e deixaria legados ainda maiores: a ideologia e os sonhos do futuro Estado Islâmico.

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POR DENTRO DO EI

ESTADO ISLÂMICO – TAMBÉM CHAMADO DE ISIS, ISIL E DAESH

NOME ORIGINAL: Ad-Dawlat Al-Isl-Miyah, em árabe

ÁREA DE ATUAÇÃO: Oriente Médio e Norte da África

IDEOLOGIA: Jihadismo sunita
ATIVIDADE: 2006 – hoje

OBJETIVO: Construção do califado, a monarquia universal de todos os islâmicos do mundo

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MEMBROS: 100.000

MORTES ATRIBUÍDAS: >50.000*

ATENTADO MAIS PROEMINENTE: Ataque de Paris, 13 de novembro de 2015: 130 vítimas.

*Nenhuma fonte sabe dizer o total. Há 24.000 mortos apenas no Iraque, segundo a ONU

Al-Qaeda 2.0

O ódio de Zarqawi pelos americanos havia crescido em 2001, quando o Exército de Bush invadiu o Afeganistão. O jordaniano conhecia bem o país. Islâmico fervoroso, em 1989, Zarqawi havia cedido ao apelo de um dos pensadores mais influentes dos muçulmanos, o palestino Abdullah Azzam, para expulsar outros invasores: os soviéticos. “Ele argumentava que os muçulmanos tinham tanto uma obrigação individual, quanto comunitária, de expulsar exércitos conquistadores de suas terras sagradas. Azzam tornou a campanha antissoviética prioridade para todos os muçulmanos crentes, não apenas afegãos”, escrevem Hassan Hassan e Michael Weiss, no livro Estado Islâmico: desvendando o exército do terror. Zarqawi nunca lutou – a guerra acabara logo que chegou. Mas foi lá que entrou em contato com extremistas religiosos e onde pegou gosto pela guerra. Retornou ao país dez anos depois para virar membro da Al-Qaeda. Ficou pouco tempo: os EUA invadiram o país e, num ataque aéreo, chegou até a atingir Zarqawi, que fugiu para o nordeste do Iraque.

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Zarqawi se mudou para o Iraque atrás de um sonho: reconstruir o califado – um sistema de governo islâmico proposto pelos seguidores de Maomé após a morte dele, em 632. A ideia principal é eleger um soberano (o Califa) para aplicar a lei islâmica, atuando como monarca e líder espiritual de todos os muçulmanos do mundo. Zarqawi e bin Laden concordavam em alguns pontos: o último califado, o Império Otomano, havia terminado após a Primeira Guerra Mundial, quando os europeus dividiram o Oriente Médio e criaram novas nações. E que o novo califado seria liderado por um sunita.

Para Bin Laden o califado era algo distante, ele apenas preparava o terreno para que um dia o sonho virasse realidade. Zarqawi acreditava em sua instauração imediata. O Iraque, imerso no caos causado pela invasão americana, era o melhor ponto de partida.

Se expulsar estrangeiros das terras árabes era obrigação, Zarqawi não demorou para começar a missão. Poucos meses após a queda de Hussein, colocou um carro-bomba em frente à embaixada da Jordânia (o país apoiava parcialmente as decisões americanas) e outro próximo ao prédio das Nações Unidas em Bagdá, que matou o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello. Mas atacar apenas os ocidentais não bastava. Criar uma guerra civil em um país rachado pelo sectarismo religioso seria fácil – e era a melhor maneira de prejudicar a permanência das tropas americanas no Iraque. Zarqawi, então, orquestrou um ataque a uma mesquita xiita, matando o aiatolá Mohamed Baqr Hakim. Enraivecidos, os xiitas partiram para o ataque e saíram à caça de sunitas. O caos estava instalado. E a segurança no Iraque tornou-se ainda pior do que na época de Saddam Hussein, o que incitou o ódio dos iraquianos contra os americanos.

O massacre contra os xiitas tinha mais um objetivo: acordar os sunitas para a luta. “A prescrição de Al-Zarqawi era começar uma guerra civil. Ele dizia: `Se tivermos sucesso em arrastá-los [os xiitas] para a arena da guerra sectária, será possível despertar os sunitas desatentos à medida que sentirão o perigo iminente e a morte aniquiladora nas mãos destes Sabeus [pagãos]¿”, contam Hassan e Weiss. Desamparados, os sunitas correriam para os braços dos seguidores de Zarqawi – e ajudariam a construir e manter o califado. Deu certo. A gangue de Zarqawi se fortalecia a cada novo ataque contra sunitas.

A estratégia radical chocou até os membros da Al-Qaeda. Eles eram contra ataques a outros muçulmanos. E mesmo a estratégia de terror aos americanos parecia a eles excessiva: foi o jordaniano quem começou a gravar e publicar vídeos de decapitações e assassinatos. Mas Zarqawi não se importou – já tinha fama, soldados e fontes de renda (contrabando de petróleo e armas, e sequestros de reféns) suficientes para se manter sem os líderes da Al-Qaeda.

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Mas tanto terror e derramamento de sangue cansou até os sunitas aliados a Zarqawi. Moradores e guerrilheiros capturados começaram a fornecer informações aos americanos. Em junho de 2006, com a ajuda de drones e de agentes antiterrorismo da Jordânia, a CIA encontrou o esconderijo onde Zarqawi se reunia com outros líderes da Al-Qaeda. Os terroristas morreram nos ataques aéreos. Mas o sonho do califado e as estratégias de Zarqawi permaneceram vivas nas mentes de seus seguidores que sobreviveram.

O nascimento do ISIS

Um desses sobreviventes atendia pelo então obscuro nome de Abu Bakr al-Baghdadi. Esse era um velho conhecido do Exército americano. Doutor em assuntos islâmicos pela Universidade de Ciências Islâmicas de Adhamiya, em Bagdá, ele havia passado uma curta temporada no Campo Bucca, uma prisão no Iraque, em 2004, por supostas ligações com atos terroristas. Lá dentro, era considerado pelos soldados como um “solucionador de problemas”. Quando os prisioneiros discutiam, Abu Bakr era convidado pelos americanos a colocar um basta na confusão com seus conhecimentos sobre o Islã. Acabou solto por ser considerado inofensivo.

De volta às ruas, o acadêmico se reintegrou ao grupo de Zarqawi. Após sua morte, passou a fazer parte do Conselho Shura, que reúne vários grupos extremistas, e foi galgando posições até conseguir a maior promoção de todos os tempos. O anúncio veio por meio de um porta-voz em junho de 2014, logo após a tomada da cidade de Mosul, no Iraque, pela Al-Qaeda iraquiana.

“Líderes e membros do Conselho Shura decidiram anunciar o estabelecimento do califado Islâmico, e o apontamento de um califa para os muçulmanos – o acadêmico que pratica o que prega, o líder, o guerreiro, o descendente da família do Profeta: Al-Baghdadi. Ele é o Imã e califa para os muçulmanos de todos os lugares”.

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Abu Bakr se tornou o autoproclamado líder de todos os muçulmanos do planeta Terra. A partir daí, a Al-Qaeda do Iraque passou a se autodenominar Estado Islâmico do Iraque e da Síria – ISIS, na sigla em inglês, e Daesh, na em árabe. Depois, apenas Estado Islâmico.

A essa altura, eles já controlavam Alepo, a maior cidade da Síria. O controle das duas áreas, em países diferentes, significava o fim das barreiras territoriais estabelecidas após a 1ª Guerra Mundial – e representava a criação do tão sonhado califado, sem fronteiras.

O califa seguiu à risca os ensinamentos de Zarqawi. E quando explodiu uma guerra civil na Síria, em 2011, agiu exatamente como seu antecessor: ampliou e espalhou o caos. O país do presidente Bashar al-Assad mostrava o mesmo potencial do Iraque de Zarqawi. Com alguns bônus: o governo sírio fazia corpo mole com os terroristas e os EUA não pretendiam invadir o país.

Quando os protestos pedindo a deposição de Assad começaram na Síria, inspirados na (em retrospecto, otimistamente batizada) Primavera Árabe, o governo respondeu violentamente, matando e prendendo milhares de rebeldes. O presidente herdou a cadeira de seu falecido pai, Hafez al-Assad, em 2000. O velho estava no poder desde 1971.

O maior medo de Assad era perder o poder para a maioria sunita – assim como no país vizinho, mas com bandeiras trocadas, uma minoria religiosa (os alauitas, um ramo do Islã xiita) dominava o sistema político e se beneficiava por meio dele. Assad então reprimiu agressivamente toda forma de protesto. Criticado mundo afora, o presidente bolou uma estratégia para evitar represálias: chamar todos os rebeldes de terroristas da Al-Qaeda. Para provar seu ponto, Assad libertou vários terroristas presos na Síria – sob a falsa promessa de soltar, na verdade, os presos políticos encarcerados durante os protestos. O governo ainda fechou os olhos para a entrada de terroristas vindos do Iraque e armados até os dentes. A ideia dele era simples: deixar os terroristas acabarem com os rebeldes, o que de fato aconteceu, e ainda ganhar apoio internacional. Difícil seria conter o avanço deles.

Antes enfraquecido, os discípulos de Zarqawi viram na Síria uma chance para se reerguer. E justamente no país que abriga o distrito de Dabiq. Segundo um dito (hadith) atribuído a Maomé, a luta do fim dos tempos entre cristãos e muçulmanos acontecerá nessa pequena comunidade rural da cidade de Alepo. Não à toa, foi a primeira a ser dominada pelos extremistas. Com um terreno fértil à disposição, Abu Bakr se articulou, recrutou novos soldados, rompeu barreiras e instaurou o califado – mesmo sem o apoio da Al-Qaeda, que rompeu os laços com os discípulos do iraquiano (veja mais na página 38). Hoje, segundo o Exército dos EUA, a área dominada por eles ultrapassa os 190 mil km², o equivalente ao Estado do Paraná, e com uma população superior a 8 milhões de pessoas. Até 2020, o grupo deseja dominar todo o Oriente Médio, norte da África, Espanha, Áustria, Cazaquistão, China e Índia.

Os soldados

A primeira edição da Dabiq, a revista oficial do Estado Islâmico, saiu no mês seguinte à divulgação do califado. É por meio dela que os extremistas se vangloriam de seus atos (a edição de dezembro destacava o sucesso dos atentados em Paris – cheia de fotos das vítimas). E repassam suas interpretações sobre a palavra de Maomé. Publicada em inglês, a revista quer atrair recrutas do mundo todo. Suas páginas divulgam não só textos, mas convites para que muçulmanos de todo o mundo se unam pela manutenção do califado, como imagens de soldados mártires e heróis.

Periodicamente, o Estado Islâmico também publica vídeos, como fazia Zarqawi, para mostrar a rotina agitada de seus guerrilheiros, com treinamentos e batalhas – como se suas vidas fossem iguais às dos personagens dos jogos de tiro, uma espécie de Call of Duty da vida real. Contas espalhadas por redes sociais também endossam os convites para muçulmanos se aventurarem na guerra santa – e garantirem seu espaço ao lado de Alá. Tem dado certo: segundo Alain Grignard, agente da Polícia Federal da Bélgica e professor de política islâmica na Universidade de Liege, o exército do EI conta com, no mínimo, 30 mil soldados.

A propaganda funciona tão bem que muçulmanos mais aventureiros do que religiosos se juntam a eles. E, só então, passam a acreditar cegamente nas palavras de seus líderes. “O que percebemos é que a experiência da guerra reforça o componente religioso. O estresse dessa vivência reforça a fé. Compartilhar as condições de guerra com outras pessoas cria relações fortes que facilitam a disseminação de mensagens radicais dentro desses grupos”, explica Michaël Dantinne, doutor em criminologia e terrorismo da Universidade de Liege. Fora isso, o especialista vê outros dois pontos importantes: os salários oferecidos pelo EI e a sensação de pertencimento. Se em suas cidades natais, geralmente em nações ricas europeias, esses jovens muçulmanos sofrem preconceito, como uma subclasse incrustada no país, nas nações dominadas pelo Estado Islâmico eles são tratados como reis, poderosos e temidos.

Mas os campos de treinamento não são tão agitados quanto diz a propaganda. Até porque o “curso” começa com exaustivas aulas de doutrinação religiosa. São 15 dias de exaustão psicológica e moral. “Evidentemente, para separar os fracos dos verdadeiros guerreiros”. Pelos próximos 45 dias, os recrutas vão aprender a lidar com armas leves e pesadas (como lançadores de mísseis). Por último, recebem aulas sobre táticas de guerra. A “graduação” de um novo terrorista pode durar de duas semanas a até um ano – depende do grau de conhecimento do aluno. E só depois desse tempo vão encarar as batalhas do grupo. É um tempo tão longo que alguns terroristas capturados chegaram a reclamar do tédio na Síria.

Por dentro do EI

Uma coisa Abu Bakr aprendeu com os erros de Zarqawi: é preciso conquistar a população de uma região dominada e oferecer proteção. Na cidade de Minjib, por exemplo, o EI chegou quase como uma salvação para os moradores. Dominada por rebeldes em 2012 e símbolo das revoltas anti-Assad, com direito à formação de uma nova e independente prefeitura, a cidade virou um caos. Saques e assassinatos eram cenas diárias em Minjib. No ano seguinte, com a chegada do EI, a situação se acalmou. Os novos manda-chuvas, liderados por um emir local (equivalente a um prefeito), tirararam as armas dos moradores e impuseram a sharia. Os índices de roubos e brigas de gangue caíram drasticamente. Fora isso, o EI devolve às cidades alguns serviços básicos destruídos durante a guerra (saneamento e distribuição de alimentos, por exemplo).

Todo esse modus operandi de governar vem acompanhado por uma política econômica. A começar pelas taxas: serviços de energia elétrica, rádio e telefonia são cobrados pelo Estado, que também recebe por meio dos donativos islâmicos obrigatórios (todo trabalhador precisa dar ao EI uma parte do lucro que ganhou). Cristãos têm ainda um imposto extra: a jizya, pagamento de 2 a 4 gramas de ouro por ano.

Obviamente, passar a sacolinha entre iraquianos pobres não chega nem perto do suficiente para manter o grupo terrorista mais poderoso do mundo. Sorte deles que Mosul fica sobre um imenso campo de petróleo. Os barris atravessam a fronteira com a Turquia e são vendidos a dinheiro vivo. Lá são misturados com petróleo de origem legal, um jeito de “lavar o óleo”. E sua origem suja desaparece para sempre. Os serviços de inteligência do Iraque estimam que o lucro do EI com petróleo seja de US$ 50 milhões por mês.

Com o dinheiro do petróleo, os terroristas podem se dar ao luxo de abolir a economia de mercado. O EI congelou preços e limitou a margem máxima de lucros. Medidas populistas em outros países, mas que ali são parte de sua interpretação da sharia, que proíbe coisas como o empréstimo com juros.

O fim dos tempos

Não é só a economia que foi afetada pela sharia. O EI também tem uma noção nostálgica de justiça. Quando alguém é condenado por um crime – e hoje os “crimes” incluem ser gay, cortar a barba ou usar o relógio no braço errado – os terroristas matam, esquartejam e prendem os pedaços do corpo pelos postes da cidade, para dar como exemplo.

Mas algumas coisas que são crime em outras socieades, islâmicas inclusive, acabaram liberadas pelos extremistas. Isso vem das doutrinas apocalípticas disseminadas por eles. O exemplo mais ultrajante é a escravidão sexual. “De acordo com um hadith, o apocalipse virá quando `a escrava der à luz o [seu próprio] mestre¿. A abolição da escravatura, portanto, tornaria a realização dessa profecia impossível”, explicam Hassan e Weiss.

Outra parte da tradição islâmica usada para guiar as ações dos fanáticos é a destruição por Maomé dos ídolos pagãos em Meca. Isso explica o destino do sítio arqueológico de Palmira. Um dos cartões-postais da Síria, ela era uma cidade criada pelos árabes pré-islâmicos, no século 1, com belíssimos templos que lembravam os de Atenas. Pura idolatria, sentenciou o EI, ao dinamitar tudo em 2015.

A parte mais central da doutrina do EI tem a ver com outra profecia, a batalha prevista por Maomé em Dabiq. Será o confronto final entre as forças do Islã e as “de Roma” (cristãs), após o que começa o Muslim Malahim, o apocalipse islâmico. O EI acredita que a Roma dessa mitologia sejam os Estados Unidos, e as forças do Islã, obviamente, eles próprios. Então tentam provocar uma guerra cujo ápice será essa batalha. Um detalhe curioso, lembrado frequentemente pelo EI: Jesus Cristo em pessoa, chamado de Issa pelos islâmicos, vai então voltar e ensinar aos cristãos que eles estavam errados em idolatrá-lo, tratá-lo como um deus – uma imensa heresia segundo Maomé. Jesus vai, em outras palavras, afirmar que ele é islâmico e que o EI está certo. E guiar os exércitos do Islã na conquista do planeta.

(Diego Sanches/Superinteressante)

O presidente dos EUA, Barack Obama, não se interessou em fazer cumprir a profecia: não quer um confronto tão direto. Já garantiu que não enviará militares para lá – a saída encontrada foi bombardear a Síria e o Iraque com ataques aéreos e ajudar os rebeldes (aqueles que querem derrubar Assad e expulsar o EI) com armas e munição. Mas a fidelidade dos rebeldes sempre está a perigo. Não dá para saber quando, e se, esses militantes sucumbirão à tentação de entrar para o EI, que oferece bons salários e proteção – além de, “generosamente”, perdoarem rebeldes que se entreguem e jurem lealdade ao califa. França, Dinamarca, Reino Unido, Austrália, Canadá e Holanda também bombardeiam os territórios do Estado Islâmico na coalizão formada com os americanos. Rússia, Turquia e Irã lançaram alguns mísseis em terras dominadas por terroristas após os ataques do grupo a Paris, em dezembro de 2015.

O fim dessa guerra segue em aberto. “É possível vencer o EI, mas não adianta só destruir os campos de treinamento e os esconderijos. Os problemas que contribuíram para a criação do EI [governos repressivos, guerras sectárias] continuam presentes”, diz Grignard. “O erro seria esquecer que o terrorismo no Oriente Médio demonstra uma profunda disfunção nessas sociedades. E se o caminho para políticas efetivas, inovadoras e de longo prazo não for tomado, dificilmente a situação vai melhorar.” A história também mostrou: Abu Bakhar substituiu Zarqawi, que tomou o lugar de Bin Laden. E o discípulo sempre se tornou ainda mais violento que o mestre. Ou seja: sempre deu para piorar. E nada impede que a curva da barbárie continue ascendente.

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