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Caatinga

A beleza brasileira que persiste sol a sol

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h04 - Publicado em 30 set 2004, 22h00

Nenhum outro lugar do mundo mostra de forma tão escancarada a explosão da vida como na caatinga. Bioma que se apresenta em constante metamorfose, é o único exclusivamente brasileiro, a despeito dos preconceitos em torno dele. Erroneamente, diz-se da caatinga um pedaço grande de secura, miséria e bichos mortos pelo caminho. O sertanejo já foi retratado como homem amargurado e isolado. Sem dúvida há o problema da seca no Nordeste, há fome e há áreas em ameaça de desertificação. Mas não se pode negar a existência de fauna e a flora únicas na região semi-árida, que mostram suas cores não apenas na estação das chuvas.

A caatinga, na verdade, é rica em biodiversidade e quase toda inexplorada. Tem como aspecto mais marcante a força dos seres vivos que se adaptam misteriosamente a condições que até a ciência duvida. Espécies vegetais, animais e também os humanos: o sertanejo é mesmo um forte.

De clima semi-árido que um dia – até 12 mil anos atrás – já foi úmido, a região tem duas estações, a seca e a de chuvas. Na estação seca há uma economia em massa de energia por parte de todas as espécies. Onde havia folhas, há espinhos. Répteis e anfíbios somem quase que totalmente. Não se sabe se hibernam, se apenas se escondem, mas é certo que voltam. Os mamíferos maiores aglomeram-se em áreas mais úmidas, como as serras. Algumas aves e pequenos animais, como o tatu, ainda circulam pelas áreas secas. Dá para ver os seres vivos em resistência, mas o olhar tem de ser mais apurado para enxergar a beleza áspera. Não é qualquer aventureiro que chega no meio da estação seca e percebe os movimentos. Mesmo porque a lentidão impera, sons não são tão perceptíveis como numa mata tropical. Andar pela caatinga é mais fácil do que andar pela floresta – embora haja redutos de matas e árvores maiores no meio desse bioma – porque se vê melhor onde se pisa.

A fauna, comparada à da Amazônia ou mesmo à do Cerrado é mais reduzida, em quantidade e tamanho – a onça-pintada de lá é menor que a onça das florestas tropicais. A vegetação, caracterizada por cactos e bromélias é mais baixa, como os homens e os bichos. Ser menor em tamanho é ser do tamanho facilitado pela natureza para, no caso da fauna, se movimentar, andar por entre as mais de mil espécies espinhosas como o xique-xique, o facheiro, o quipá e a coroa-de-frade. Não é à toa que o pequeno mamífero que mais se vê no chão, entre os galhos finos e as plantas urticantes, é o tatu. Compacto, protegido por uma carcaça, sai em busca de comida dando curtos e rápidos passos. E se os vegetais também são compactos é por pura economia de energia. Cada gota de água armanezada não pode ser perdida – um organismo grande trabalharia muito mais nas reações químicas e biológicas para permanecer em tamanha secura. A vegetação da caatinga encolhe-se, troca folhas por espinhos e muda de posição para evitar um sol ardente tão em cima de seu organismo porque quer continuar viva.

A rigidez das espécies em estado de alerta acaba com a grande festa do sertão, que é a troca de estação, época do carnaval de cores que explode em menos de um mês de pluviosidade. Antes das chuvas começarem, os olhos dos bichos e dos homens já reparam em nuvens densas e escuras se aglutinando no céu. É um nublado, sim, mas em terra de céu azul constante o bonito é o cinza, o prenúncio da esperada queda d’água. Quem conhece bem o pedaço fica de olho no mandacaru, vegetação-símbolo, personagem até de letra de forró por ser um dos mais famosos sinalizadores da chuva. O cacto, que só existe lá, prenuncia a chegada da água céu abaixo quando mostra seus frutos vermelhos, cheios de gosmas por dentro, que alimenta aves e dá esperança a quem vive no solo rachado. (“Mandacaru quando flora na seca, é o sinal que a chuva chega no sertão”, Luiz Gonzaga em “Xote das Meninas”).

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Já por volta do 15º dia de chuva a paisagem se transforma. Passar pelo mesmo lugar duas vezes pode trazer a surpresa de um verde inusitado nas gramíneas, nos arbustos e árvores. Os animais que estavam muquiados nos troncos, se movimentando pouco e fugindo do sol dão as caras. Revoadas de borboleta cruzam os caminhos. É bicho que sai de todos os lados para se encontrar, reproduzir, tirar alimento novo dos ecossistemas.

O local de maior destaque nacional da caatinga é a serra da Capivara, no sudeste do estado do Piauí. Considerado pela Unesco patrimônio cultural da humanidade desde 1991, o parque nacional esconde relíquias naturais de cerca de 20 mil anos. Além da paisagem que ainda conserva exemplares vegetais da época em que a região era úmida – isso há mais de 10 mil anos –, encontra-se lá uma quantidade incrível de pinturas rupestres nas pedras que representam as relações dos homens e sua convivência com o meio ambiente.

O Museu do Homem Americano, no município piauiense de São Raimundo Nonato, abriga, além das pinturas, uma mandíbula de tigre- dentes-de-sabre, um pedaço de crânio fossilizado e um machado de pedra polida. Mais selvagem, difícil de explorar e quatro vezes maior em tamanho, a serra das Confusões só foi 20% explorada.

Andar pelo meio da vegetação, descer por entre os cânions e embrenhar-se em cavernas não é tarefa simples nem para os próprios sertanejos nessa região de pouco acesso. O nome – Confusões – mostra que muitos colonizadores já se perderam por ali, principalmente pela luz forte refletida das grandes pedras. Até com potentes óculos escuros é difícil se acostumar com tanta claridade. Muito ainda está escondido nesse ecossistema, como em todo o bioma da caatinga.

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Área total – 735 000 km²

Área intacta – 70%

Área protegida – 4,8%

Conservação e ameaça

Pobreza, desigualdade de divisão de terras, queimadas e expansão mal planejada da agricultura configuram as maiores ameaças a esse bioma. As entidades internacionais geralmente têm atenção voltada quase toda para a Amazônia, deixando de lado outros biomas brasileiros, como o da caatinga – apesar de a região ter sido reconhecida como reserva da Biosfera, pela Unesco. A primeira tentativa recente de mudar o preconceito em relação à região ocorreu no fim do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi realizado pelo Ministério do Meio Ambiente e um consórcio de entidades (bancos, ONGs e comunidade científica) um workshop de áreas prioritárias para conservação da caatinga, em 2000, em Petrolina (PE). A idéia era mostrar que a caatinga não é um “resto” de outros biomas, mas sim um bioma diferenciado que tem muito que oferecer em biodiversidade. O governo Lula, por meio do Ministério do Ambiente e Secretaria de Biodiversidade e Floresta, criou no começo de 2004 o Núcleo do Bioma Caatinga. Esse núcleo pretende potencializar o que já tem sido feito na região – trabalhos de ONGs e ações do governo, como o manejo da lenha e carvão – e articular novos trabalhos. Áreas que já estão em fase de implementação dos projetos: sertão que une Alagoas, Sergipe e Bahia, sudoeste baiano, norte de Minas Gerais, Petrolina/Chapada do Araripe, em Pernambuco, Seridó, no Rio Grande do Norte e Paraíba, Serra de Ibiapaba, no Piauí e Ceará, Cariri Paraibano e serras da Capivara e das Confusões, no Piauí. Está em pauta também a revitalização do rio São Francisco, que está quase todo localizado na caatinga. Ao que tudo indica, uma esperança para a vida do sertão.

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