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O melhor que pode acontecer com o Brasil é ficar fora da Copa

Fracassar nas eliminatórias pela primeira vez seria bom para a economia, para a política, para o futebol e até para o futuro da seleção.

Por Denis Russo Burgierman
Atualizado em 4 nov 2016, 19h02 - Publicado em 11 nov 2015, 17h45

Para começo de conversa, essa excursão à Rússia vai sair bem cara, e todo mundo sabe que não estamos podendo muito. Com o real valendo menos que farelo, e um país-sede que promete superar até mesmo o Brasil em termos de extorsão aos visitantes, esta tem tudo para ser a Copa mais cara de todos os tempos para a delegação brasileira. Como a economia nacional está em frangalhos, o setor privado, pedindo penico, e a população, desinteressada da seleção, não vai ser fácil fazer a conta fechar com os patrocinadores.

E vão sobrar gastos inclusive para o Estado, já que é praxe que as “autoridades” assistam ao evento. Some a isso as perdas de produtividade que Copas geralmente causam, com feriados em dias de jogo e o gerenciamento de bolões tomando o tempo de quem sabe operar planilhas. Ano passado, uma pesquisa da consultoria Wiabiliza revelou que 70% das empresas relataram baixas na produção enquanto a bola rolava.

Enfim, a conta é bem alta. E a CBF, moralmente falida, com seus principais dirigentes na cadeia, vai repassar tudo o que puder para os clubes de futebol. Azar do seu time, que paga não sei quantas centenas de milhares de reais de salário para o seu craque favorito ir jogar de amarelo nas estepes russas, enquanto desaprende o que sabe nos treinos com o técnico Dunga. Se bobear, ainda volta contundido.

Sem Copa, não vai ter outro jeito. Teremos que trabalhar em junho e julho de 2018. Admito que não é uma notícia muito boa para a maioria de nós. Mas o Brasil precisa mesmo de foco para reconstruir as suas instituições e a sua economia, que estão tremendamente abaladas.

2018 é ano de eleição para presidente, governador, deputados e senadores, péssima hora para dispersar assistindo futebol na TV. Copa antes de votar só pode resultar em duas coisas: eleitores revoltados ou eufóricos. Nenhum dos dois estados de espírito é adequado para inspirar o solene dever do voto.

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Esse problema ganha importância porque o sistema político brasileiro está falido. Todos os grandes partidos estão desmoralizados – lambuzados em escândalos de corrupção ou incompetência, carentes de projeto e de propósito. As maiores empresas estão igualmente cobertas de lama, algumas delas com seus presidentes no xadrez, cumprindo pena por subornar o governo em troca de contratos, conforme revelou a Operação Lava-Jato da Polícia Federal. Essas empresas são as mesmas que financiam as campanhas políticas, jogando suspeitas sobre todos os níveis do poder, em todos os escalões. O pano de fundo dessa meleca geral é a maior crise ambiental de nossa história, o que torna ainda mais urgente a tomada de decisões acertadas e o ajuste das nossas combalidas instituições democráticas.

Para complicar ainda mais, a mídia, que cumpre um papel-chave em qualquer democracia, também está numa crise profunda – não só econômica, mas existencial. Muitas publicações importantes imiscuíram-se tanto na disputa política que perderam a confiança de grandes fatias da população. Fora que as redações estão minúsculas e não têm dinheiro para nada. A Copa será caríssima para a imprensa também, que dedicará seus parcos recursos a cobri-la, deixando descobertos todos os temas relevantes, justo no momento em que mais precisaremos entender o que está errado e conversar sobre como consertar.

 

Mas ficar fora da Copa seria bom inclusive para o futebol brasileiro, hoje nas mãos de uma cleptocracia fuleira. A CBF é uma entidade privada que explora bens públicos (nossa identificação com a pátria, nossa paixão por futebol, o talento que brota desta terra) para ganho de uma meia dúzia (por sorte, o FBI interveio para botar alguns deles na cadeia).

O ex-presidente da confederação, Ricardo Teixeira, foi sincero quando disse que “cagava montão” para a opinião pública. A CBF está mesmo se lixando para mim e para você, como bem demonstrou quando, em vez de nos pedir desculpas por nos obrigar a ouvir piadinhas de gringos sobre os 7X1 pelo resto de nossas vidas, contratou Dunga outra vez como técnico.

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É que eles podem. Embora se apropriem de algo que é de todos nós – o nome “Brasil”, para começo de conversa -, a lei permite que eles nos deem a banana que quiserem. E vão continuar podendo, enquanto nos hipnotizarem a cada quatro anos com uma Copa. Ficar de fora na Rússia seria ótimo para nos tirar do torpor e nos forçar a expulsar essa gentinha do esporte que amamos e, assim, mudar profundamente nosso modo de geri-lo.

Também não ia ser mau esvaziar a festa da Fifa. Afinal, a CBF não é uma quadrilha nacional – ela é só o braço local de uma quadrilha global. Com os principais dirigentes da Fifa sendo investigados pelo FBI e pela Interpol por esquemas bilionários de corrupção, nada como a ausência da camisa canarinho para sublinhar a deturpação do esporte.

Outro que merece que a festa mie é o presidente russo Vladimir Putin, um ditador que se esconde atrás de uma simulação de democracia. Putin planeja usar a Copa para aumentar a satisfação popular – algo que normalmente acontece nos países-sede de Copas bem-sucedidas – e com isso se safar de abusos aos direitos humanos. 2018 é ano de eleição presidencial na Rússia também, e Putin não vai querer despediçar oportunidades de aparecer com o evento. Só de nos poupar de ter que ver fotos do sujeito ao lado da mítica amarelinha, a eliminação já terá sido uma bênção.

 

E ficar de fora da Copa não é nenhum fim de mundo. Quem ama futebol vai assistir aos jogos do mesmo jeito. Vai ser uma experiência nova, que o mundo inteiro já teve: acompanhar a Copa apenas pelo futebol. Vai ter Messi, vai ter Cristiano Ronaldo, vai ter o toque de bola da Alemanha, vai ter um monte de brasileiro jogando por federações mais organizadas ou mais confiáveis que a nossa. Não vai ter Neymar, é verdade. Mas tem jogo do Barcelona na TV toda semana.

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E aí, em 2022, ou 2026, o Brasil voltará para a Copa. Até lá, quem sabe, Fifa e CBF terão acabado, ou se reinventado. O País terá se reencontrado. E vai ser lindo ver a amarelinha em campo na Copa do Mundo outra vez.     

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