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Não me toque!

Cuidado: ela tem apenas 5 centímetros, mas mata. Esta taturana, que aparece principalmente na Região Sul, já mandou centenas de adultos e crianças para o hospital. Pelo menos seis morreram.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 30 abr 1997, 22h00

Thaís Furtado, de Passo Fundo

Queima como óleo fervendo e faz sangrar

Ao encostar na massa de pêlos, meio escondida no tronco de uma árvore qualquer, vem a queimadura lancinante. O efeito é imediato. A sensação é de óleo fervendo sobre a pele. No mesmo dia surgem as dores por todo o corpo, especialmente na cabeça. Entre 8 e 72 horas, começará a hemorragia. Forma-se hematomas por toda parte, dos poros às gengivas. O mais perigoso é o que menos se vê: quando há sangramento dentro do cérebro, pode ser fatal.

O primeiro ataque da pequena Lonomia obliqua foi registrado em 1989. Até então, essas devoradoras de folhas de árvores, que aparecem do norte ao sul do país, não chamavam muita atenção. Nem têm um nome popular só para elas. Como outras larvas de mariposas, são simplesmente chamadas de bichos-cabeludos, orugas, bugius ou taturanas. Nenhum inseto desse tipo é agressivo, e a protagonista desta história não é exceção. Dedica tempo integral à única atividade que interessa em sua monótona existência, que é comer o máximo possível para acumular forças, entrar bem preparada na metamorfose e ganhar asas. Feito isso, a mariposa dura cerca de uma semana, durante a qual põe ovos e morre (veja o infográfico abaixo). Mas, depois de 1989, ela saiu do anonimato para virar uma ameaça.

O motivo, segundo os biólogos, foi a rápida destruição das florestas onde ela engordava sem grande risco de causar acidentes. Seu habitat natural ficou vinte vezes menor dos anos 50 até hoje. Com o desmatamento, ela passou a proliferar muito perto das residências, em fazendas, vilas e cidades, dando preferência a plantas domésticas como o abacateiro, a goiabeira e a ameixeira.

Uma temeridade. A oblíqua destila um dos venenos mais violentos encontrados na natureza.

A fera rastejante já queimou mais de 300 adultos e crianças só na região mais abalada, nas vizinhanças de Passo Fundo, RS, a 298 quilômetros de Porto Alegre. Até onde se sabe, seis pessoas morreram. No país todo estima-se que a quantidade total de vítimas seja superior a 800. Essas estatísticas não são precisas porque nem todos os que se machucam procuram os hospitais, e os médicos também podem se confundir. “No início, a hemorragia chegou a ser vista como sinal de câncer”, contou à SUPER o médico Alaour Duarte, de Passo Fundo, que é o maior especialista no assunto, atualmente.

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Foi Duarte quem descreveu os primeiros ataques da lagarta. Em 1989, ele conseguiu descobrir que o sangramento de dois pacientes, internados num hospital de Passo Fundo, se devia à queimadura da oblíqua. Além disso, Duarte ajudou a desenvolver um soro contra o veneno, cuja fórmula foi anunciada em 1995. Esse antídoto, preparado com as próprias cerdas da lagarta, pode salvar a vítima. Ele também abrevia substancialmente o período de recuperação. Sem socorro imediato, mesmo se sobreviver, o paciente pode precisar de cinco dias para ficar fora de perigo.

Soro é feito de anticorpos de cavalos

A taturana que mata ainda evoca terror, mas é cada vez menos provável que no futuro venha a morrer gente por sua causa. É que agora existe um soro capaz de anular o efeito da terrível toxina produzida por ela. O remédio foi preparado em 1994 e um ano depois já estava sendo usado em pacientes humanos. “Já o apliquei com sucesso em 80 pessoas”, explica o médico gaúcho Alaour Duarte. “Sinto até que o tempo de recuperação, que é de 52 horas atualmente, está diminuíndo”. O próprio Duarte trabalhou na confecção do soro, junto com a hematologista Eva Maria Kellen, do Butantã, em São Paulo.

A técnica consiste em fatiar cada uma das 75 cerdas da oblíqua e amassar cuidadosamente os pedaços para fazer um caldo. Depois de filtrado, o líquido é injetado em cavalos que, em resposta, produz anticorpos contra o veneno. O soro é extraído diretamente do sangue do animal. É curioso que se tenha inventado um antídoto sem que ninguém, até agora, saiba que tipo de substância a lagarta usa para provocar hemorragia. Existem somente indícios sobre sua natureza química e biológica.

Mosca versus taturana

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Antes de mais nada, está provado no laboratório que o veneno atrapalha a coagulação. Normalmente, basta deixar sangue em banho-maria por uns 10 minutos para ele endurecer, mas se for misturado à toxina, ele continua líquido. Duarte avançou um pouco mais nessa linha, descobrindo que o veneno deixa o corpo humano com falta de protrombina e de fibrinogênio, duas proteínas que têm papel decisivo na coagulação. Nos pacientes que tocaram na lagarta a quantidade dessas substâncias cai para cerca de 10% do valor normal.

Outra coisa que os pesquisadores querem entender são os hábitos e o habitat da lagarta. Foi assim que a bióloga Lisete Lorini, da Embrapa, descobriu duas moscas e uma vespa que são parasitas. Elas põem ovos no corpo da oblíqua. Depois que os ovos quebram, as larvas das moscas e da vespa devoram a taturana. Ou seja, são inimigas naturais da oblíqua, e podem se tornar armas contra ela. A idéia é criar os insetos no laboratório e, na hora certa, soltá-los para atacar sua inimiga.

É um bom começo, mas para aprimorar esse tipo de “arma” biológica seria melhor poder criar a oblíqua em cativeiro. É o que Lisete está tentando, mas o desafio não é pequeno, pois o bicho exige condições precisas. As mais difíceis de conseguir são a temperatura, de 25 graus Celsius, e de umidade do ar, de 70% (esse número indica que, se houver um aumento de 30% no vapor d’água dissolvido no ar, começa a chover). Basta uma pequena variação nesses números para causar a morte dos insetos. Lisete está tentando aumentar seus índices de sobrevivência. É um esforço louvável inclusive porque se sabe muito pouco sobre os lepidópteros. E a importância desses insetos na natureza pode ser avaliado simplesmente pelo número absurdo de espécies que reúne, perto de 150 000. Ou seja, quase um décimo de todos os seres do planeta.

PARA SABER MAIS

O Naturalista Amador, Gerald Durrell, Livraria Martins Fontes Editora, São Paulo, 1989.

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Espécies da Fauna Brasileira, Ladislau Alfons Deutsch, Serviço de Comunicação Social da Petrobrás, São Paulo, 1992.

As quatro caras da matadora

O inseto só é perigoso na segunda etapa da metamorfose.

O ninho na folha

A oblíqua fêmea costuma pôr duas ou três dúzias de ovos milimétricos numa única folha. A incubação demora 17 dias, um pouco mais ou menos. Dos ovos saem as larvas, a fase seguinte do ciclo.

Comer, comer, comer

Larvas existem para acumular energia e preparar para a procriação. Nessa fase, que dura 80 dias, a oblíqua só faz comer folhas à noite e dormir de dia, em grupos. Só nessa etapa é perigosa.

Espera na clausura

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O próximo passo consiste numa longa e silenciosa preparação para o futuro.

Na forma de pupa, a larva se fecha num casulo que fica 70 dias imóvel, preso debaixo de folhas mortas, no chão.

Fera em traje de gala

Por fim, a pupa vira mariposa, que é inofensiva. E não come. Nem tem boca. Sua meta é acasalar, num ritual que demora dez horas, e por ovos. Essa fase dura seis dias para o macho e oito para a fêmea. Aí, morrem.

Classificação

Classe: insetos

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Ordem: lepidópteros (mariposas e borboletas, 150 000 espécies)

Família: saturnidas

Gênero: lonomia (25 espécies. Só a oblíqua e a achelous, do Amapá e Venezuela, têm toxina muito forte).

Radiografia

O corpo, bem simples, é quase todo ocupado pelo intestino.

O veneno corre num canal dentro da cerda e talvez só espirre para fora quando esta se quebra. Mas o pêlo também pode atuar como agulha, injetando a toxina na pele.

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