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Judaísmo – Senhor do nosso destino

O Todo-Poderoso da fé judaica pode ser nuvem ou montanha. Como guerreiro, foi às frentes de batalha para defender seu povo. É furioso e punitivo, pacífico e benevolente. Está em todos os lugares. E vai salvar a humanidade

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 18 fev 2011, 22h00

Texto Michelle Veronese

Um velho pastor, cansado da fome e da seca, certa vez ouviu uma voz a dizer: “Parte da tua terra”. Era o Senhor, que propôs guiar aquele homem até um lugar abençoado, onde água e comida nunca faltariam. Em troca, ele deveria adorá-Lo como único Deus e espalhar pelo mundo uma mensagem de justiça. A proposta era arriscada numa época em que reis exploravam o trabalho de camponeses, invasores ameaçavam cidades-Estado e os povos, em busca de proteção, veneravam várias divindades. Mesmo assim, o pastor aceitou o acordo. E foi recompensado por isso. Seu nome era Abraão. Ele sobreviveu a guerras, catástrofes naturais, perseguições. E seus descendentes foram guiados numa longa jornada rumo a Canaã – a Terra Prometida.

A narrativa da aliança entre Deus e Abraão é uma das mais conhecidas da tradição judaico-cristão e, embora nunca tenha sido confirmada historicamente, pode explicar como surgiu a primeira grande religião monoteísta, o judaísmo. Esse relato aparece numa das primeiras páginas da Torá, a Bíblia Hebraica, que equivale ao Antigo Testamento cristão. Ali é narrada a saga dos hebreus (mais tarde conhecidos como israelitas ou judeus), um povo nômade que há 4 mil anos andava pelos desertos da Mesopotâmia. Conheceram Deus pessoalmente, dizem as Escrituras. Andaram com Ele na guerra e na paz. E registraram tudo o que descobriram sobre o Criador.

Retrato falado

Escrever sobre Deus não foi tarefa fácil para os antigos hebreus. Afinal, como falar do que é indefinível, inefável e impossível de captar pelos sentidos? “É muito difícil para os seres humanos, porque nossa capacidade é limitada diante da imensidão da divindade”, explica o teólogo e cientista da religião Valmor da Silva, professor da Universidade Católica de Goiás. Para traduzir sua experiência com o Todo-Poderoso, os hebreus recorreram a metáforas e comparações com a natureza. Deus era montanha, rocha, fogo, vento, nuvem e chuva. “Também foi comparado a animais, ao leão que ruge, à águia que sustenta, à galinha que protege a cria”, diz Silva. O Gênesis, primeiro livro da Bíblia Hebraica, está repleto de exemplos desse tipo. A narrativa da Criação revela que foi na forma de vento que Deus deu vida a Adão, o primeiro ser humano. No Êxodo, quando Moisés resgata os hebreus da escravidão no Egito, o Todo-Poderoso era a nuvem que os abrigava do Sol no deserto. À noite, iluminava o caminho como uma coluna de fogo ou um vulcão em atividade.

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Quando as comparações com a natureza cessaram, o Criador passou a ser descrito com atributos humanos. Aí, sobraram adjetivos. Ele era considerado sábio, justo, solidário, bondoso. Também era forte, temerário e invencível, como um rei cercado de súditos a governar o mundo. Outras vezes, foi visto como um guerreiro poderoso encarregado de defender seu povo. Tinha uma morada, no alto do monte Sinai. Foi lá que Moisés ficou frente a frente com Ele mais de uma vez. Num dos encontros, recebeu as Tábuas da Lei, pedaços de pedra onde estavam inscritos os 10 Mandamentos de Deus para os homens. Curioso, Moisés perguntou se o Todo-Poderoso tinha nome. E obteve a resposta: Yahweh (ou Javé, “aquele que é”). O nome, contudo, jamais deveria ser pronunciado por seu povo (leia mais no texto ao lado).

Cólera e destruição

A imagem abstrata e transcendente que muitos fiéis fazem hoje do Divino não condiz com a do Deus da Torá. As Escrituras o mostram como uma divindade pessoal, com características humanas, que caminha lado a lado com o povo e participa da história. Conta-se que, no período tribal (de 1200 a 1000 a.C.), quando os hebreus já haviam se instalado na Terra Prometida, o Senhor ia pessoalmente aos campos de batalha. “Era Ele quem liderava o exército popular na luta contra os reis das cidades-Estados que ameaçavam roubar as colheitas do povo”, conta Raphael Rodrigues, teólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Mais tarde, na época da monarquia (a partir de 1000 a.C.), Ele passou a ser o Deus que protegia o rei e promovia guerras de conquista. “E, no período dos profetas, era visto como um guerreiro que defendia os pobres e injustiçados.”

Assim como um ser humano qualquer, Deus também tinha um lado ciumento e temperamental. Dizem que, quando desafiado, explodia em fúria e aplicava castigos terríveis. Um faraó egípcio – provavelmente Amenotepe 2º, embora não haja comprovação arqueológica – sentiu na pele a ira divina quando se recusou a libertar os escravos hebreus. Rãs, moscas, gafanhotos e outras pragas foram lançadas sobre seu reino. Como o governante se manteve irredutível, o pior acabou acontecendo: “À noite, passou o anjo do Senhor e feriu de morte todos os primogênitos do Egito, do filho do rei ao filho da escrava”, contam as Escrituras. As cidades de Sodoma e Gomorra, na região do mar Morto, também foram vítimas da cólera divina. Enfurecido com os pecados praticados ali, o Senhor “fez chover enxofre e fogo do céu”, aniquilando todos os pecadores.

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Esses relatos cheios de fúria e destruição costumam chocar quem está habituado à ideia de um Deus benevolente e pacífico. Mas, para os estudiosos dos textos sagrados, não são um retrato definitivo. “O Deus judaico, na verdade, tem várias faces. Cada uma retrata um contexto diferente”, explica o teólogo Paulo Nogueira, professor da Universidade Metodista de São Paulo. “Conforme a crença e as narrativas sobre essa divindade se desenvolveram, suas características também foram mudando.”

Onipresente e onipotente

A mudança mais decisiva ocorreu a partir do ano 597 a.C., quando o imperador Nabucodonosor 2º invadiu o reino de Judá e deportou seus habitantes para a Babilônia. Exilados, os israelitas não podiam mais adorar Javé no Templo de Jerusalém, onde acreditavam que ele habitava. “Sem a terra, o templo e a monarquia, a população mergulhou no caos e o próprio conceito de Deus entrou em crise”, conta o professor Valmor da Silva. Uma nova face divina, então, emergiu. Deus passou a ser visto como onipresente (podia estar em todos os lugares, ao mesmo tempo), onipotente (tinha poder absoluto) e universal. Assim, todos podiam adorá-Lo, mesmo no exílio. Em consequência, deixou de ser exclusivo de um povo, passando a levar justiça e salvação ao mundo inteiro.

A partir daí, a imagem do Deus colérico, temerário e castigador foi ficando para trás. Mas os relatos bíblicos, dos tempos em que o Senhor andava no meio do povo, não foram esquecidos. É por meio dessas narrativas que os judeus de hoje tentam compreender a revelação divina. “Os eventos da história, a natureza e tudo que nos rodeia servem para que cada um de nós, com olhar mais refinado, enxergue o Criador”, diz Marcel Berditchevsky, sociólogo e professor de judaísmo. A aliança feita milênios atrás por Abraão e Moisés continua de pé. “Procuramos manter esse elo, fazer o bem e preservar nossas tradições. Assim, nos sentimos mais próximos de Deus.”

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O paraíso judaico
Um lugar maravilhoso, de onde Adão e Eva acabaram expulsos

As Escrituras judaicas contam que Adão foi o primeiro homem a usufruir das maravilhas do Éden. Não sentia dor, fome ou medo, e vivia na fartura. Mas foi expulso dali por um ato de desobediência – provou o fruto proibido. Desde então, os judeus esperam o dia em que o mundo volte a ser o paraíso narrado na Torá. Para anunciar a chegada desse dia, um Messias virá à Terra. “Ele será um descendente do rei Davi e vai instaurar a era messiânica, um longo período de paz e prosperidade”, diz Marcel Berditchevsky, professor de judaísmo em São Paulo.

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O nome de Deus
Revelado a Moisés no alto do monte Sinai, ele permanece cercado de mistérios até hoje

O nome próprio de Deus, revelado a Moisés no alto do monte Sinai, até hoje é objeto de estudo. O tetragrama sagrado foi originalmente escrito em hebraico antigo e é composto de 4 consoantes. Nas leituras públicas da Torá, os sacerdotes judaicos consideravam uma blasfêmia pronunciá-lo. Por isso, substituíram YHVH por Adonai (“Meu Senhor”). Com o tempo, as vogais dessa palavra foram intercaladas às consoantes do tetragrama, dando origem às formas Jahovah, Jehovah, Jeová e Javé – hoje atribuídas a Deus. Pronunciá-las continua sendo um tabu. “Nas orações, dizemos Adonai e, quando não estamos rezando, nos referimos a Ele como Hashem, que significa ‘O Nome’”, explica o professor de judaísmo Marcel Berditchevsky.

 

Para saber mais

• Deus: Uma Biografia
Jack Miles, Companhia das Letras, 1997.

 

 


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