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Como será o seu fim?

A medicina avançou, mas ainda tem limite. Quando ele chega, você precisa decidir como quer que seja a sua morte. Ou alguém vai decidir por você

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h37 - Publicado em 17 fev 2014, 22h00

Mariana Bomfim

 

Como você quer morrer? Pode parecer uma ideia meio mórbida, sobre a qual você não gostaria de refletir agora. Ou nunca. Mas, quando chegar a hora (e ela sempre chega), é bom que você já tenha pensado no assunto – pode ser a diferença entre uma morte tranquila ou uma sobrevida tumultuada.

Não se morre mais como antigamente. Durante boa parte da história da humanidade, as pessoas viviam seus 30 anos e eram vítimas de doenças súbitas ou infecciosas. Hoje, a expectativa de vida bate nos 70 anos, e mais de 60% das mortes ocorrem por doenças crônicas (câncer, diabetes, males cardiovasculares e respiratórios), que progridem lentamente. Ou seja: a maior parte das pessoas vai ter de conviver muito tempo com a aproximação da morte. E lidar com um dilema: usar ou não a tecnologia disponível para prolongar a vida do organismo?

Uma pesquisa publicada no British Medical Journal mostra que dar ao paciente o poder de decisão não é só uma questão ética: a saúde dos familiares é beneficiada. Estresse, ansiedade e depressão são menos frequentes entre parentes de pacientes terminais que têm algum controle sobre seu tratamento. “O correto seria a pessoa saber que a doença que ela tem é incurável no momento do diagnóstico”, diz Ana Cláudia Arantes, geriatra no Hospital Israelita Albert Einstein e cofundadora da Casa do Cuidar, em São Paulo. Um paciente diagnosticado com demência, por exemplo, deveria ser informado de que sua doença vai progredir até impedir sua comunicação e, portanto, seria bom esclarecer como deseja ser tratado enquanto ainda consegue se expressar. “Mas bastou você ficar na horizontal que os outros tiram a chance de você responder pela sua vida”, afirma Ana Cláudia.

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O novo testamento

A boa notícia é que você já pode deixar registrados os seus penúltimos desejos. É o testamento vital, adotado por 40% dos americanos e válido no Brasil desde 2012. Neste documento, você detalha quais procedimentos médicos você quer usar para prolongar a vida – diálise, respiradores artificiais, ressuscitação com desfibrilador, tubo de alimentação. Mas também pode deixar claro que não quer retardar sua morte.

Na prática, significa que o médico pode realizar a ortotanásia: permitir que o paciente morra naturalmente quando a medicina não puder fazer mais nada para curá-lo. É o oposto da distanásia, o prolongamento da vida usando todos os procedimentos médicos possíveis. Ortotanásia não quer dizer que o paciente é abandonado: ele ainda recebe medicamentos para aliviar o sofrimento. Mas os médicos não vão tentar ressuscitá-lo, prolongando sua vida artificialmente. É uma grande mudança. “Culturalmente, a gente não aceita a morte. O próprio médico tem dificuldade porque foi treinado para salvar”, diz Eliezer Silva, chefe da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

 

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O maior argumento a favor do testamento vital é que, quando o fim está próximo, o fluxo de informação tende a se deteriorar na mesma medida que a saúde. Um exemplo disso apareceu em uma pesquisa recente: o objetivo era descobrir o que pacientes diagnosticados com uma doença terminal queriam e o que médicos fariam caso fossem diagnosticados com a mesma doença. Os resultados são bem discrepantes. A proporção de médicos que declararam desejar prolongar a vida o máximo possível usando todos os meios disponíveis foi quase sete vezes menor que a de pacientes. Duas conclusões possíveis: pacientes valorizam tanto a sobrevivência que recebem tratamentos agressivos numa frequência maior do que os médicos escolheriam para eles próprios; a qualidade da comunicação entre médicos e pacientes é péssima.

Não tem cura, mas tem jeito

“O melhor lugar para morrer é onde tudo que precisa para o seu conforto está disponível de forma rápida”, acredita Ana Cláudia, que, além de geriatra, é especialista em cuidado paliativo. Diante de uma doença incurável, paliativistas têm como principal meta aliviar o sofrimento. “Um paciente tem demência, está com dez escaras, teve quatro pneumonias em um ano e está pesando 32 quilos. Se o coração dele parar, não quer dizer que ele teve uma parada cardíaca. Ele morreu. Reverter essa condição, trazendo de volta uma pessoa em processo ativo e irreversível de morte, é um erro gravíssimo”, diz Ana Cláudia.

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É por isso que, nos locais onde os profissionais de saúde oferecem cuidado paliativo, a mortalidade é de 100%. As pessoas já estão morrendo e decidiram passar lá suas últimas semanas ou meses. Nos chamados hospices, comuns nos EUA e ainda novidade no Brasil, há o suporte básico, mas sem as restrições típicas do hospital. Não faz sentido, por exemplo, manter sondas de alimentação se comer pela boca vai proporcionar mais conforto. Se há dificuldade para respirar, medicamentos podem reduzir a percepção da falta de ar e a terapia ocupacional vai ensinar o paciente a realizar as tarefas cotidianas (comer, tomar banho, se trocar) de um jeito que canse menos.

Um dos efeitos do cuidado paliativo é, surpreendentemente, o adiamento da morte. Segundo um estudo publicado pelo New England Journal of Medicine, pacientes com câncer de pulmão terminal tratados com cuidado paliativo viveram em média 80 dias a mais que os pacientes submetidos aos tratamentos tradicionais. Ana Cláudia também já viu gente viver mais que o prognóstico e descreve o que acredita que se passa com esses pacientes: “Passou sua dor, sua falta de ar, sua náusea, seu mal-estar. Então você se sente seguro e tem vontade de viver”.

Aceitar a morte nunca é fácil. Uma coisa é estar saudável e falar sobre ela no happy hour. Outra é receber a notícia de que tem alguns meses de vida. Mas, se a morte é inevitável, talvez seja hora de derrubar o tabu. Porque viver bem não inclui não morrer. Inclui morrer bem.

TECNOLOGIA DA IMORTALIDADE
No tratamento tradicional, pacientes terminais se valem de aparelhos que prolongam sua vida ao máximo.

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DIETA ALTERNATIVA
Sondas e soros substituem a alimentação normal se isso servir à sobrevivência.

COMBATE AO MAL
O procedimento comum é, até o fim, mirarem todas as armas na doença.

TERAPIA OCUPACIONAL
Em um centro de cuidado paliativo, exames dão lugar à recreação e tempo com a família.

COMIDA CASEIRA
Neste tipo de tratamento, sondas e soros podem ser dispensados. Se a morte é inevitável, vale o que deixar o paciente mais à vontade.

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CONTROLE DA DOR
Na ortotanásia, o objetivo dos remédios não é mais curar a doença, mas minimizar o sofrimento do doente terminal.

 

Foto: Alex Silva / Designer: Paula Bustamante

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