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A máquina do eterno movimento

Os quase 650 músculos do corpo humano jamais param de trabalhar. Tudo o que fazemos são eles que fazem. E a ciência ensina como usá-los melhor

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h33 - Publicado em 31 jan 1988, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Viver é mesmo uma ginástica. O coração se contorce para bombear o sangue que, por sua vez, corre o corpo inteiro. A respiração estica e encolhe os pulmões. O aparelho digestivo se dobra e desdobra com o alimento.Tudo na vida animal é movimento — músculos que se contraem, músculos que se estendem. Graças a cerca de 650 músculos o homem pode, além de viver, ficar em pé andar, dançar, falar, piscar os olhos, cair na gargalhada, prorromper em lágrimas, expressar no rosto suas emoções, escrever e ler este texto. Portanto, o desempenho da musculatura é muito mais forte que mera força bruta. Ao ver o movimento dos músculos do corpo, os antigos talvez tivessem a impressão de que existiam ratinhos caminhando sob a pele. Pois em latim musculus é o diminutivo de mus, ou camundongo. Na verdade, o músculo é um feixe com milhões de fibras capazes de se contrair. São 78 por cento água, 20 por cento proteína, 1 por cento carboidrato e, ainda, em quantidades mínimas, sais minerais e gordura.

As fibras podem ser milimétricas, como as dos músculos dos dedos, ou ter até 10 centímetros de comprimento, como as dos músculos da coxa; mas são sempre finíssimas, com um diâmetro nunca maior do que 1 décimo de milímetro.

As fibras musculares surgiram com os primeiros seres vivos que tinham de se deslocar em busca de água ou comida ou ainda para se reproduzir — portanto, animais pluricelulares, que apareceram na Terra há 570 milhões de anos. É a contração de músculos especiais que faz as lulas e águas-vivas expulsar os jatos de água que as impulsionam. Já com o aparecimento dos vertebrados, a musculatura passou também a cumprir uma tarefa essencial — sustentar o esqueleto.

A forma e o tamanho de um músculo variam conforme a sua função. A musculatura humana, que representa 40 por cento do peso do corpo, foi herdada dos outros mamíferos e precisou sofrer adaptações para manter o tronco em pé — essa tão envaidecedora peculiaridade humana. As mãos, livres do solo, tiveram de modificar os músculos típicos dos quadrúpedes, a fim de poder fazer movimentos complexos e elaborados.

No fundo, todo músculo faz o mesmíssimo movimento, que é contrair-se. Alguns músculos, porém, não obedecem à vontade de seus donos conscientes. São os músculos chamados lisos ou involuntários, que funcionam sob as ordens do sistema nervoso autônomo do organismo. São certos bizarros músculos involuntários, por exemplo, que deixam uma pessoa arrepiada de frio. Com apenas 1 milímetro de comprimento, ficam junto da raiz dos pêlos, que se eriçam quando ocorre a contração. Com os pêlos arrepiados como os de um gato em noite fria, o homem estaria mais protegido do clima. Essa função não faz mais sentido, pois no processo de evolução o homem deixou de ser um bicho peludo.

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Mas quase todos os músculos involuntários são fundamentais, como os ciliares do olho. O olho humano pode ser comparado a uma máquina fotográfica que precisa focalizar um objeto de acordo com a distância em que se encontra dele. O dispositivo que usa para isso é uma estreita faixa de fibras musculares atrás da íris — o disco colorido do olho. Ao se contrair, aumenta a curvatura do cristalino, uma espécie de lente natural. A curvatura acentuada é necessária para se enxergar de perto. Por isso, certas atividades, como a leitura prolongada, podem “cansar” a vista, ou seja, cansar esses músculos que ficam contraídos por muito tempo. Eis também por que focalizar um ponto distante é um colírio para os olhos: a curvatura precisa diminuir e os músculos se estendem.

Apesar de toda a sua importância, os músculos involuntários são minoria. No corpo humano, predominam os quase 500 músculos voluntários que atendem aos comandos do sistema nervoso central. Como possuem estrias microscópicas, também são chamados estriados. Existe ainda um terceiro nome para eles: esqueléticos, porque terminam em forma de tendões, que são como cordas de fibras mais fortes, agarradas a ossos. O músculo cardíaco, o mais importante de todos, é considerado um tipo à parte porque, embora seja estriado, se contrai graças a um sistema nervoso próprio.

Qualquer que seja o músculo, suas fibras já estão formadas a partir da sexta semana de vida intra-uterina. A partir de então, cada fibra pode crescer isoladamente. Mas o número de fibras será sempre igual. Um atleta musculoso de 20 anos possui a mesma quantidade de fibras que tinha ao nascer. O que elas fizeram ao longo da vida e à custa de muito exercício foi desenvolver-se. Mesmo entre pessoas diferentes não há grandes diferenças: nos músculos de Maguila e nos equivalentes de Lucélia Santos, o número de fibras é praticamente igual — pode até ser que, em dado músculo, a suave Lucélia tenha mais fibra que o temível Maguila.

Músculos parecem gostar de trabalho, pois ficam mais ágeis e fortes à medida que são usados. Até quando se está dormindo, os músculos se mantêm num estado de pequena contração, mais conhecida como tônus muscular. Em pacientes de paralisia infantil, por exemplo, o músculo nem sequer sustenta essa ligeira contração — danificado, o nervo não consegue transmitir-lhe a ordem. Sem o exercício constante do tônus, o músculo acaba por se atrofiar.

Cada fibra muscular segue a lei do tudo-ou-nada: ou se contrai ao máximo ou se ignora o estímulo nervoso. Apesar disso, ninguém se movimenta aos trancos como uma caricatura de robô. Isso porque, em primeiro lugar, as fibras de um mesmo músculo se excitam em graus diferentes: algumas, mais sensíveis, iniciam a contração 4 milésimos de segundo após um estímulo; outras fibras respondem num período muito maior, caso o cérebro insista na ordem. Outro fator importante é o número de células nervosas motoras que o cérebro escalou para levar a ordem ao músculo, assim como o número de fibras que cada uma dessas células nervosas, por sua vez, controla.

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As mínimas gradações de movimento dos dedos de um músico instrumentista, por exemplo, apenas são possíveis porque seus nervos motores controlam um número limitado de fibras. É claro que em situações muito especiais o cérebro pode perder temporariamente esse incessante controle sobre os movimentos. Quando a mão toca uma superfície quente, nervos sensitivos da pele e dos próprios músculos dão o alarme; diante disso, antes mesmo de verificar o que aconteceu — a mão encostou numa panela e se queimou —, o cérebro ordena uma contração súbita de todas as fibras daquela parte do corpo. O resultado será um movimento espasmódico.

Um músculo não precisa de duas ordens: basta que lhe mandem contrair-se. A extensão ocorre naturalmente quando cessa a ordem de contração. Assim, o popular bíceps — músculo da frente do braço — se contrai e diminui a distância entre os ossos, usando as articulações do cotovelo: essa é uma ação concêntrica, que qualquer pessoa executa no mero gesto de levar uma xícara aos lábios. Já para segurá-la na altura da boca é preciso uma ação isométrica, ou seja, capaz de manter a contração sem causar movimento. O cérebro consegue essa proeza bombardeando o músculo com cerca de 45 estímulos por segundo — uma ordem que deve se fundir com outra, sem dar tempo para o músculo se estender. Finalmente, a ação excêntrica é quando se abaixa a xícara. Mais uma vez o cérebro controla o movimento interrompendo gradualmente os estímulos às fibras.

Na realidade, um movimento qualquer nunca é obra de um único músculo. No exemplo de dobrar o braço, ao mesmo tempo em que o bíceps se contrai, um músculo oposto — o tríceps — se estende. E, quando o braço abaixa, é o tríceps que se contrai, puxando o antebraço para fora e obrigando o bíceps a se estender. O músculo contraído de qualquer movimento chama-se agonista; o estendido é antagonista. Todo músculo dança conforme a música, ou seja, pode ser tanto agonista como antagonista — depende do movimento.

Num movimento, há também músculos que se contraem apenas para fixar um membro ou o tronco inteiro e, dessa maneira, dar uma base de sustentação ao músculo que de fato se desloca. Por exemplo, ao cerrar o punho, aparentemente só os músculos da mão e dos dedos trabalham; mas, se os músculos do antebraço não ficassem bem contraídos para segurar o pulso, este se dobraria junto com os dedos. Para a contração, um músculo precisa de energia. Essa energia é liberada com a quebra de moléculas da substância adenosina trifosfato (ATP).

O estímulo nervoso possui determinada eletricidade que, em contato com uma substância gelatinosa que banha o músculo, encaminha uma partícula de cálcio para dentro das fibras; o cálcio, então, ativa enzimas próprias do músculo que quebram a ATP. A única questão é haver moléculas de ATP em quantidade suficiente. O fisiologista Turíbio Leite, professor da Escola Paulista de Medicina, ensina que existem três fontes de ATP. A primeira seria uma espécie de estoque particular do músculo. A segunda é a glicólise: reações dentro do músculo transformam a glicose das fibras ou a trazida pelo sangue em ATP e ácido láctico. Esta é uma substância inibidora que, ao se acumular nas fibras, causa tanta dor que a pessoa não agüenta mais contrair o músculo.

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“Esse processo”, explica o professor Turíbio, “produz grande quantidade de energia, mas por tempo limitado. Por isso, é um metabolismo para atividades que exigem velocidade. “Os atletas atenuam os efeitos do ácido láctico e por isso suportam melhor um acúmulo da substância. Mas quem não é atleta cede à dor e logo pára. Do contrário, corre o risco de sentir uma cãibra, a contração involuntária do músculo cansado, que serve de sinal de alerta. É claro que as cãibras também atacam em plena madrugada, quando se está quieto, dormindo. Mas aí o problema é neurológico – uma ordem equivocada para o músculo se contrair a toda velocidade, provocada muitas vezes por estresse psicológico.

Quando o mal é meramente muscular, uma massagem local ajuda de imediato. Ela provoca mecanicamente o relaxamento do músculo contraído e, ao ativar a circulação no lugar, ajuda o sangue a espalhar o ácido láctico. As massagens para aliviar a tensão funcionam da mesma maneira. Pois, quando a mente faz verdadeiras acrobacias por causa de um problema qualquer, a pessoa fica literalmente tensa — culpa das ordens do cérebro para contrair certos músculos que, como em toda ginástica, ficam ali gastando energia para manter a tensão e acumulando o ácido láctico.

A última fonte de ATP, o metabolismo aeróbio, é o oxigênio trazido pelo sangue, que produz a substância em reações químicas com a glicose. Nesse caso, a “sobra”, gás carbônico e água, é eliminada na expiração. Esse é o metabolismo que mais se usa no dia-a-dia: não produz velocidade, mas tem a vantagem da resistência. Todo músculo possui dois tipos de fibras: as de tipo 1, que desenvolvem mais o metabolismo aeróbico; e as de tipo 2, que realizam melhor o metabolismo da glicólise. Pesquisadores supõem que a prática de determinado esporte pode transformar uma fibra tipo 1 em tipo 2 e vice-versa. Mas isso nunca foi observado na prática. “Nascemos com a proporção de fibras 1 e 2 determinada”, diz o fisiologista Turíbio Leite, “o que significa que temos predisposição genética para esportes rápidos ou de resistência.”

Qualquer reação para produzir ATP no músculo acaba liberando muito calor. São os músculos, portanto, os responsáveis pelos 36 graus centígrados do corpo humano — a temperatura ideal para que o organismo funcione direito. Quando o clima ameaça baixar essa temperatura, o cérebro manda os músculos se agitarem. É quando as pessoas tremem de frio.

Outra responsabilidade dos músculos é a postura corporal. Músculos enfraquecidos fazem a coluna despencar para algum lado. Por exemplo, a lordose (acentuação da curvatura lombar) é conseqüência de músculos abdominais fracos, incapazes de sustentar as vísceras; estas então caem sobre o osso da bacia que, por sua vez, joga todo o seu peso sobre a coluna lombar.

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Mesmo quem não tem vocação para atleta olímpico deveria tirar o máximo proveito dos músculos que a natureza lhe deu. Está provado que músculos fortes evitam o tão doloroso endurecimento das articulações — e também doenças graves como a osteoporose ou desmineralização dos ossos. Sempre se soube, por exemplo, que os músculos do braço direito de um tenista destro são mais desenvolvidos que os do braço esquerdo. O que se descobriu faz pouco tempo é que também os ossos do braço direito desse tenista são mais largos. Antigamente, acreditava-se que, com o passar dos anos, os músculos deviam ser poupados. Nada mais errado. Todos devem dançar, andar, nadar. Enfim, o segredo de tratar bem os músculos é saber que ninguém pode se dar ao luxo de ficar parado.

O melhor da malhação

Um belo corpo, receita a Organização Mundial de Saúde, consiste em ter boa capacidade cardiorrespiratória, força, flexibilidade e obesidade sob controle. Atrás desse ideal estão as multidões que freqüentam academias de ginástica. Mas não existe nada de novo nesses saltitantes anos 80. No século passado, começou a aparecer a ginástica tal como é conhecida. Do ideal de civilização difundido pelos ingleses no seu vasto império fazia parte a aptidão física.

“A grande novidade é que hoje a Educação Física tem muito mais base científica”, observa o professor Mauro Guiselini, da USP. “Existem áreas de estudo novas, como a Fisiologia do Esforço. E, graças à Biomecânica, que mostra quais músculos participam de cada movimento, pode-se tirar melhor proveito dos exercícios.” A ciência, portanto, acabou esclarecendo muita coisa. Ela condena o uso de hormônios consumidos por halterofilistas — que ajudam a desenvolver os músculos, mas causam impotência sexual. Por outro lado, derrubou a idéia de que pessoas muito musculosas não têm flexibilidade. Com exercícios de alongamento para músculos e tendões, um fortíssimo culturista pode ter o jogo de cintura de um bailarino.

Outra idéia riscada é a de que quem faz muita ginástica nunca pode parar, senão os músculos “despencam”. Não é bem assim. É verdade que os músculos armazenam tudo o que é ruim — como toxinas — por muito tempo e não guardam o que é bom, ou seja, o condicionamento físico. Para manter-se em forma, a pessoa não deve interromper a ginástica: 30 por cento de tudo o que conquistou em um ano de malhação na academia vai-se embora em apenas três ou quatro semanas de vida sedentária. Mas o pior que pode acontecer — e acontece — é os músculos voltarem a ser o que eram antes da ginástica. “Nunca ficam pior do que isso”, consola o professor Guiselini.

Mais do que a musculação, a ginástica aeróbica, que chegou ao Brasil nos primeiros anos 80, é o grande sucesso de público. Não é para menos: está provado que levar o coração à freqüência de 130 batimentos por minuto, durante 20 a 30 minutos, três vezes por semana, é o suficiente para manter a bomba em excelente estado. “A aeróbica”, aprova Guiselini, “tem a vantagem de utilizar a música como um elemento fundamental, tirando da ginástica a chatice do ’um, dois, três, quatro’. Além de reforçar o coração, condiciona os outros músculos e desenvolve a coordenação motora. É, portanto, um exercício completo.”

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Para saber mais:

A ciência manda pegar leve

(SUPER número 7, ano 11)

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