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O que você vai ser quando envelhecer?

Seremos velhinhos silenciosos, sentados em um banco de praça, exercendo o tédio de um dia que passa lentamente?

Por Amanda Mont'Alvão Veloso, de Huffpost Brasil
Atualizado em 19 dez 2016, 18h22 - Publicado em 19 dez 2016, 18h22

Entre gostos e desgostos, sonhos e conquistas, um tanto de perdas e um bocado de ganhos, a vida circula com criatividade no intervalo entre o nascimento e a morte.

Entre os caminhos que virão e as rotas já traçadas, estacionamos nossa teimosa esperança de uma vida sem fim e de uma juventude eterna. E assim, envelhecer continua sendo uma das certezas mais difíceis e delicadas para o ser humano.

Enquanto a ação do tempo provoca efeitos no corpo – perda de água, de elasticidade, de firmeza e dos sentidos -, cresce o sentimento, especialmente na nossa cultura, de que a pessoa que envelhece vai perdendo espaço na sociedade.

Infelizmente, esse sentimento se faz realidade, e ainda é comum os olhos da sociedade se voltarem para a velhice com rótulos e estigmas, como demonstra o geriatra José Elias Soares Pinheiro, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

Ao HuffPost Brasil, Pinheiro disse que os idosos ainda são rotulados como “frágeis”, de “pouca renda”, “portadores de doenças crônicas” e relacionados a perdas.

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Em um futuro breve, esse rótulo vai recair sobre a maioria dos brasileiros: em 2030, o Brasil será um país de idosos, segundo estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O presidente da SBGG reforça que o envelhecimento populacional é inquestionável:

“O aumento dos idosos no total populacional é evidente no nosso cotidiano. O homem brasileiro vive em média 74 anos e a mulher brasileira, 77 anos.”

Ainda assim, somos uma sociedade que não reconhece a própria velhice, e contabilizamos, no dia a dia, inúmeras demonstrações de desrespeito. Filas e lugares prioritários são ignorados; a segurança financeira após a aposentadoria parece um desejo ingênuo; a falta de paciência impera nos espaços de convivência.

“A velhice tende a ser desvalorizada e renegada à invisibilidade”, lamenta a psicanalista e doutora em Saúde Coletiva pela Unifesp Natália Alves Barbieri, que coordena grupos de estudo e de supervisão sobre a clínica do envelhecimento.

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“Um dos fatores que marca esse momento é a saída do universo do trabalho. Aposentar significa, entre outras coisas, retirar-se aos aposentos. A fragilidade não é uma condição apenas da velhice, mas do humano, e tende a se intensificar com o avançar da idade. Mas a fragilidade não precisa significar isolamento, limite, sofrimento. É preciso tomar cuidado para não opor fragilidade e atividade. É possível ser ativo e frágil.”

Apesar de ser uma certeza, o envelhecimento não é um processo fácil. “A ‘entrada’ na velhice pode ser vivida como uma crise em que o sujeito leva um susto diante da percepção de sua finitude”, explica Barbieri. Nessa crise, uma pessoa pode repensar a própria vida ou se fechar por achar que já viveu e não há mais possibilidade de mudança.

“Muitas pessoas, nesse sentido, podem viver o envelhecimento de forma traumática, mais ou menos sofrida, sendo necessário algum acompanhamento. Mas outras podem se abrir para novas experiências. A existência de espaços coletivos para se compartilhar a experiência de envelhecer é fundamental.”

Socialmente falando, falta “criarmos uma cultura da longevidade que ofereça um imaginário com várias possibilidades de velhices, para que as pessoas possam buscar referências que mais lhe caibam”, destaca a psicanalista.

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Para começar a expandir esse imaginário, poderíamos fazer esta pergunta: quem seremos quando o futuro tiver chegado para cada um de nós? Seremos velhinhos silenciosos, sentados em um banco de praça, exercendo o tédio de um dia que passa lentamente?

É essa a velhice que enxergamos no intelectual Noam Chomsky, na cantora Elza Soares, no historiador Boris Fausto, no músico Mick Jagger, nos atores Fernanda Montenegro e Carlos Vereza, na romancista Lygia Fagundes Telles e no escritor Luís Fernando Veríssimo? Em nossos avôs e avós?

Com o avanço da longevidade e o crescimento da população acima de 60 anos, os estigmas em torno da velhice precisam desaparecer, adverte Pinheiro:

“Hoje, ser idoso não é mais sinônimo de incapacidade, tristeza ou ser ultrapassado; pelo contrário, o idoso está cada vez mais familiarizado com tecnologias, inserido no mercado de trabalho e em atividades cotidianas, de lazer, culturais, intelectuais, educacionais e físicas. A velhice não pode ser enxergada como ‘fim de vida’, porque essa finitude do ser humano não se restringe a essa faixa etária. Todos estamos sujeitos a ela.”

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Segundo o geriatra, a falta de planejamento para idosos no Brasil é muito clara. O argumento de que somos um país em desenvolvimento não justifica retardarmos medidas necessárias para podermos usufruir essa conquista da espécie humana. Pra ele, o que pode tornar o processo de envelhecimento menos preocupante em nosso país é uma mudança de cultura.

“É fundamental garantir um processo de envelhecimento ativo, ou seja, inserir a pessoa idosa nas atividades comuns da família, incentivá-la a realizar atividade física e mental apropriada, como caminhadas, leitura, estudos em geral. É imprescindível fazer que o idoso não se sinta um peso, mas se sinta querido, se sinta fazendo parte da família, independente das diferenças cronológicas.”

Depressão e tristeza

Na vida privada, o estigma da velhice é demonstrado no isolamento, no abandono e na negligência de algumas famílias. Nesse contexto, problemas emocionais como a depressão aparecem e acabam não sendo reconhecidos. Com frequência, o silêncio de um idoso ou um sofrimento são tratados como algo “típico da idade”. É um comentário comum, mas que pode ser muito perigoso, ressalta Barbieri:

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“Essa é uma resposta que remete a uma ‘normalidade típica da idade’, como se não tivesse efeitos para o sujeito. Essa ideia presente no senso comum contribui para que idosos se isolem cada vez mais. Tristeza, sofrimento ou depressão demandam atenção, acompanhamento, escuta e, em certos casos, tratamento.”

Além das situações de abandono, a morte de amigos e parentes também provoca muita tristeza. Com um agravante: os rituais de simbolização das perdas estão cada vez mais acelerados.

“Perder é uma das coisas mais difíceis para o ser humano. Os rituais que envolvem a morte, como velório, enterro, cerimoniais, entre outros rituais, servem como momentos coletivos para se lidar com essas situações. Cada vez mais esses rituais tendem a ser retirados ou cumpridos apenas como pro forma, tendo que acabar o mais rápido possível. A morte é hoje um grande tabu.”
De acordo com a psicinalista, é preciso respeitar a dor de quem perde e o processo de luto. Porém, é preciso atenção para que esta tristeza possa se transformar em outra coisa com o passar do tempo.

“Se a pessoa entrar num processo de fechamento de mundo, num quadro depressivo que afete seu cotidiano após um tempo razoável depois da perda, talvez seja necessária alguma intervenção, pois não é normal ficar triste na velhice sem que se faça nada a respeito.”

Este conteúdo foi originalmente publicado em Huffpost Brasil.

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