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Rapidez de reflexos

A agilidade dos reflexos. Reações velozes, ordenadas pelo cérebro, com a finalidade de proteger-nos de alguma coisa.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 31 ago 1989, 22h00

Kenneth Jon Rose

Gordon Liddy costumava exibir um truque esperto em festas. O ex-agente da CIA, um dos trapalhões do caso Watergate, colocava a palma da mão sobre a chama de uma vela até queimar a carne. Diante dos convidados embasbacados, Liddy ficava imóvel enquanto a chama lambia sua mão. Então, satisfeito por todos terem observado a sua virilidade, afastava a vela. O cheiro penetrante de pele chamuscada continuava a impregnar a sala muito tempo depois que ele saía. Gordon Liddy não era nenhum professor de Biologia, mas tinha um jeito didático para demonstrar como um corpo humano normal deve funcionar. A menos que o inibamos de maneira ativa ou consciente (e foi o que Liddy fez0, o corpo tem seu próprio modo de se proteger de danos. A isso se chama reflexo, algo extraordinariamente rápido.

Todos os reflexos humanos são involuntários, não aprendidos e totalmente previsíveis. Com a finalidade de defender o corpo ou servi-lhe de anteparo contra um ambiente cambiante e freqüentemente nocivo, eles ocorrem como reação a estímulos sensoriais. No século XVII, o filósofo e matemático francês René Descartes foi um dos primeiros pelo pensamento da época, ele acreditava que a força vital proveniente do cérebro – a morada da alma humana – era refletida (daí o termo ”reflexo”) nos músculos do corpo, fazendo com que se contraísse.

Se as noções de Descartes sobre o corpo humano eram sedutoramente românticas, eram também totalmente erradas. Os reflexos envolvem circuitos nervosos simples, principalmente entre os músculos e a medula espinhal, embora o cérebro também possa tomar parte. O ato de retirar subitamente a mão de uma chama é um reflexo. Receptores sensoriais na pele transmitem impulsos nervosos para a medula espinhal. Em seguida, os impulsos voltam, através de células nervosas motoras especiais, aos músculos que controlam o movimento da mão. Os músculos contraem-se. A mão dá um salto e se afasta. Uma “fração de segundo” depois sentimos a dor, mas a mão está a salvo.

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Os reflexos aparecem de todas as formas. Há aquele que têm a ver com o ajuste do diâmetro dos vasos sanguíneos, outros que afetam a atividade do movimento do intestino e a respiração. Alguns são complexos, envolvendo muitas conexões nervosas, outros não. Dois dos reflexos mais comuns – espirrar e piscar os olhos – são também dois dos mais rápidos.

Um milionésimo de litro de lágrimas por minuto

Piscar preserva e protege os olhos. Na verdade, há três tipos de piscadelas. O piscar reflexo é uma reação de proteção, causada por qualquer estímulo, desde um barulho alto e repentino ou uma batida de leve na testa até uma inesperada bola vindo na sua direção. Existe também a piscadela voluntária, que dura mais do que o piscar reflexo e é usada conscientemente para retirar um cisco, partículas de pó ou grãozinhos de pólen que tenham caído na córnea. Além desses, há o piscar espontâneo, que possui seu próprio ciclo interno. É o tipo mais comum. Para manter a córnea limpa, o piscar espontâneo lava, espalha e mistura sobre a parte externa do globo ocular o líquido lacrimal – uma película complexa constituída de óleos (que agem como lubrificantes para o deslizamento das pálpebras), glicoproteínas ( que agem como agentes umectantes), sais e enzimas bactericidas.
O piscar dos olhos funciona como força propulsora para extrair, por sucção, líquido lacrimal novo das glândulas lacrimais (líquido este continuamente secretado à razão aproximada de 1 milionésimo de litro lacrimal “usado” nos canais lacrimais e na cavidade nasal. As lágrimas escoam pela garganta mesmo quando os corpo está de cabeça para baixo. A pálpebra superior desempenha a função de uma espécie de limpador de pára-brisa em miniatura, que desliza sobre a córnea exposta e empurra quaisquer fragmentos para a área junto à margem da pálpebra inferior, de onde serão retirados.
Os seres humano piscam, em média, cerca de 24 vezes por minuto (os cachorros e os gatos, em comparação, piscam cerca de duas vezes por minuto). A freqüência com que piscamos varia de acordo com o estado de espírito, Quando ficamos entediados ou cansados, piscamos muito mais. Ao dirigir um carro, por exemplo, a princípio piscamos em média quinze vezes por minuto. A duração de cada piscadela pode durar apenas 200 milésimos (ou 2 décimos) de segundo. Uma hora mais tarde, dirigindo por um longo trecho de estrada, passamos a piscar com uma freqüência maior, cerca de quarenta vezes por minuto, e a duração das piscadelas pode durar cerca de três vezes mais do que no início da viagem.

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Da infância aos 20 anos freqüência vai aumentando

Os seres humanos piscam com mais freqüência quando estão irritados ou quando falam com estranhos ou ainda com seus superiores do que quando estão simplesmente conversando com amigos. A piscadela acontece durante a mudança de um olhar e em geral dá início a um movimento do olho. A leitura faz diminuir de forma significativa o número de piscadas (se bem que muitas vezes pisquemos ao chegar ao final de uma sentença). Quanto mais difícil o texto, menor será o número de piscadas. Quando tentamos conscientemente não piscar por alguns minutos (o limite geralmente é 4), logo em seguida piscamos com uma freqüência ainda maior, para compensar a perda – fenômeno conhecido como efeito rebote.
Torna-se ainda mais evidente que o piscar dos olhos reflete a função do cérebro quando se observa o amadurecimento desse reflexo nas crianças. Bebês de colo, com até 2 meses de idade, piscam pouco menos do que uma vez por minuto; entre os 5 e os 10 anos de idade, as crianças piscam à razão de seis vezes por minuto. A média acelera depois dessa idade, atingindo seu pico – 24 vezes por minuto – quando a pessoa chega aos 20 anos. Essa freqüência permanece até a velhice. No passado, os pesquisadores supunham que a pálpebra superior, como o obturador de uma máquina fotográfica, fosse o elemento fundamental do mecanismo do ato de piscar. Não é. De fato, tanto os movimentos da pálpebra inferior participam do piscar dos olhos dos seres humanos e formam um padrão complexo e interessante.
É obvio que, enquanto as pálpebras estão cobrindo os olhos, não conseguimos enxergar. O que não é óbvio, porém, é que, já 50 milésimos de segundo antes de as pálpebras saírem do lugar, o sistema visual do cérebro suspende seu funcionamento. Por quê? Supostamente, ao mesmo tempo que o cérebro dispara um sinal para os músculos das pálpebras, também envia um sinal para a região visual do cérebro que faz desligar-se. Na prática, está dizendo: “Você não receberá nenhuma informação pelos próximos 4 décimos de segundo aproximadamente. Não se dê o trabalho de processar nada “

Piloto voa 8 quilômetros de olhos fechos

Qualquer que seja a razão para o sistema suspender o seu funcionamento, essa ocorrência, em conjunto com o próprio ato de piscar – que dura no mínimo 200 milésimos de segundo e, em média, cerca de 400 –, gera um período significativo em cada piscada durante o qual a visão é interrompida ou reduzida. O surpreendente nisso tudo é que não ficamos cientes dessa perda de visão, apesar de conseguirmos perceber durações de tempo ainda menores quando desligamos e tornamos a ligar as luzes de uma sala. Se o piloto de avião de combate, cansado, piscar à razão de quarenta vezes por minuto e se em cada piscadela as pálpebras bloqueiam a visão por cerca de décimos de segundo (incluindo o tempo em que o sistema visual do cérebro suspende seu próprio funcionamento), isso significa que o piloto ficará desatento ao ambiente durante aproximadamente 12 segundos em cada minuto de vôo. Voando duas ou três vezes mais rápido do que o som, um piloto poderia viajar uns 8 quilômetros de olhos fechados.

Para os que trabalham com Psiquiatria e na área de neurociências, conhecer a dinâmica de uma piscada normal torna-se um instrumento preciso e útil para o estudo de certas doenças do cérebro. Descobriu-se que a freqüência do piscar de olhos é mais elevada em pacientes esquizofrênicos ou com a síndrome de Gilles de la Tourette (que apresentam espasmos musculares e tiques) e discinesia tardia – doenças nas quais a dopamina, substância química do cérebro, é muito ativa. Por outro lado, a freqüência do piscar fica baixo do normal nos portadores do mal de Parkinson e de outras síndromes correlatas. Curiosamente, estes últimos possuem um nível menor de dopamina no cérebro. Tais estudos sugerem que a dopamina exerce uma função de grande importância no pestanejar espontâneo normal.

Alguns pesquisadores descobriram que o próprio piscar pode ativar o cérebro, Estudos recentes revelaram que o piscar de olhos transforma a luz em pulsos sensíveis à retina. Esses pulsos luminosos ativam determinadas células nervosas do cérebro. Os nervos, por sua vez, enviam seus próprios sinais para outras regiões do cérebro. Uma rajada de piscadas pode ser útil para proteger os olhos da fumaça expelida pelo escapamento de um carro ou da luz do sol.
O olho não é o único órgão do corpo desprotegido perante o mundo, Os pulmões também são. O ar – cheio de bactérias, vírus diversos, pó, sujeira, fibras e excrementos de insetos – é aspirado para dentro dessas duas bolsas de troca de gases, a cada poucos segundos. Felizmente para nós, a maioria dessas partículas fica retina no nariz ou ao longo do revestimento viscoso da garganta e termina deslizando para um estômago ácido ou assoado em um lenço de papel. Mas os pulmões também estão protegidos por um reflexo rápido e poderoso: o espirro.

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Os homens espiram mais do que as mulheres

Rápido como um estalar de dedos, barulhento como um rojão e constrangedoramente impositivo, o espirro é na maioria das vezes provocado pelos agentes que causam irritações no nariz. Mesmo assim, a maior parte do ar soprado, para o desprazer de quem estiver à frente, sai pela boca. Um dos mais importantes reflexos de defesa da maioria dos mamíferos, nos seres humanos é seletivo. Os caucasianos espirram mais do que os negros, os homens, mais do que as mulheres. Além disso, hé outro reflexo protetor contido no espirro: o fechamento automático dos olhos.
Para muitos, um espirro é exatamente o que ele soa. Na realidade, porém, o achim é apenas uma fase do espirro, chamada pelos pesquisadores fase respiratória. Essa parte tão extrovertida é simplesmente o resultado do ar sendo aspirado para dentro dos pulmões (o aaaaaaaa do espirro) e, em seguida, rapidamente liberado para o ambiente num úmido, poderoso, explosivo tchim! É preciso que algo provoque o espirro. Esse algo pode ser uma gama muito grande de causas. A mais comum provém de agentes que provocam irritação local ou de fatores alérgicos. Que a luz pode causar espirros é sabido há séculos. O espirro fotorreflexo, como é chamado, ocorre imediatamente depois que uma pessoa caminha em direção a uma luz intensa ou olha para ela. Às vezes, quando o nariz esta formigando mas o espirro simplesmente não sai, ajuda olhar para o sol ou fixar os olhos na luz da sala. Há uma vantagem seletiva em se espirrar excessivamente. No Ártico e em outras regiões de clima frio, onde as populações habitualmente estão sujeitas a infecções respiratórias, aqueles que espirram com freqüência ficam menos doentes. Expelem os germes antes que estes tenham a oportunidade de se instalar no organismo. Seja qual for a causa, depois que um espirro é provocado, a única coisa a fazer é esperar que ele siga seu curso normal. Em geral, o primeiro evento ocorre quando um pêlo de gato ou partículas de pólen pairando no ar são repentinamente aspirados. Por um breve momento, nada acontece. Depois, sem o nosso conhecimento, sua presença ativa células especiais do revestimento interno do nariz, que imediatamente enviam impulsos nervosos para a medula localizada na base do cérebro. Até aí passaram-se menos de 40 milésimos de segundo. Levada a agir, a medula envia seus próprios sinais de volta ao nariz, conduzindo-os para um conjunto especial de nervos próximos do revestimento das narinas.
Poucos milésimos de segundo depois, os impulsos desse gânglio nervoso estimulam as glândulas mucosas do nariz a secretar um líquido transparente, porém ligeiramente viscoso. Eles também causam uma dilatação nos pequenos vasos sanguíneos existentes na mucosa nasal. Ao mesmo tempo, nervos do nariz deflagram uma bateria de impulsos para uma região sensorial do cérebro. Gradativamente, começamos a sentir uma sensação de tremor particularmente agradável, causada pela secreção da mucosa do nariz. Em geral, essa sensação dura de 2 a 15 segundos.
Por fim, o formigamento e a sensação de tremor tornam-se tão intensos que ansiamos por espirrar. Para acelerar o processo, fixamos o olhar na luz do teto. Isso faz o revestimento interno do nariz ingurgitar-se ainda mais. A congestão e as secreções da mucosa do nariz irritam o nervo trigêmeo e suas fibras desferem uma rápida rajada de impulsos de volta à medula. Aaaaaaa… Colocada mais uma vez em ação, a medula cerebral acelera seu lento fluxo para nada menos de 300 a 400 pulsos por segundo. Os sinais nervosos vão para os músculos dos pulmões. Estes se contraem. Por 4 a 7 segundos aspiramos, enchendo os pulmões com cerca de 2,37 litros de ar.
Dentro dos pulmões, a pressão do ar sobe. O balão infla. Então, clique. A glote, ou via aérea superior, obstri-se com o estrondo e a cordas vocais ficam bem fechadas. Por 200 milésimos de segundo, o ar dentro dos pulmões permanece preso. Mas as coisas continuam acontecendo. Os sinais que puseram os músculos inspiratórios em ação começam a reduzir a velocidade. Os pulmões param de tentar aspirar o ar. Agora, a medula despacha uma bateria de pulsos aos músculos da expiração.

Ar dos pulmões sai quase tão veloz como o som

Os músculos em volta do abdome e das vértebras contraem-se com força, fazendo pressão sobre o músculo do diafragma e da caixa torácica.
Ainda preso, o ar nos pulmões é espremido. A pressão do ar aumenta a níveis perigosamente altos. O balão está prestes a estourar. Os dois décimos de segundo acabam. Tchiiimmm! As cordas vocais e a glote abrem-se subitamente. A parte de trás da língua ergue-se. E cerca de 2,5 litros de ar explodem, expelidos pela rápida contração dos músculos do abdome e das vértebras. O ar irrompe dos pulmões em 0,5 segundo. Automaticamente, as pálpebras fecham-se com força, protegendo os olhos do ar potencialmente contaminado, e os pequenos músculos da orelha média contraem-se, protegendo do barulho os frágeis ossinhos ali localizados.
O ar úmido e morno atinge o ambiente carregando consigo quaisquer fragmentos, partículas de pólen ou bactérias que tenham aderido ao revestimento da traquéia. Com que velocidade o ar se move através da traquéia durante o espirro? Na tosse, o ar proveniente dos pulmões é expelido a uma velocidade próxima à do som (cerca de 340 metros por segundo). O mesmo acontece durante um espirro. Assim como o piscar dos olhos, o espirro tem uma razão de ser: reflexos, destinam-se à proteção. Ao se desencadearem repentinamente, defendem o corpo da entrada de elementos estranhos. Logo, a razão da sua velocidade é óbvia.

Para saber mais

O corpo humano do tempo, Kenneth Jon Rose, McGraw-Hill, São Paulo, 1989.

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