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E se o porte de armas fosse liberado no Brasil?

A posse, agora facilitada, já tende a gerar mais suicídios e mortes por acidente. Com o porte, que o governo também namora, os riscos seriam ainda maiores.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 18 jan 2019, 16h47 - Publicado em 24 out 2018, 17h59

Após o decreto que Jair Bolsonaro assinou no dia 15 de janeiro, qualquer brasileiro maior de 25 anos e sem antecedentes criminais pode ter uma arma em casa – não existe mais a exigência de comprovar a necessidade. Essa é a chamada “posse de arma”. O porte é outra coisa: a permissão para andar na rua com um revólver na cinta. Trata-se de um privilégio restrito a militares, policiais, funcionários de empresas de segurança privada e trabalhadores rurais que morem em locais distantes, sem policiamento. É assim desde dezembro de 2003, quando foi assinado o Estatuto do Desarmamento no Brasil.

Ainda que o uso seja restrito, a demanda é grande. Nos últimos 14 anos, o total de registros de armas aumentou consideravelmente: de 5.459 em 2004 para 42.387 em 2017. Segundo a Polícia Federal, há no País 646.127 armas legais nas mãos de civis – mais quase 10 milhões com a polícia e as Forças Armadas. Na hipótese de que cada uma delas esteja com um brasileiro diferente (não há estatísticas sólidas), temos que 0,3% das pessoas tem arma em casa. O número exclui armas de militares, caçadores, colecionadores e as sob posse das Forças Armadas, registradas pelo Exército.

Pensar em um cenário em que cada brasileiro, do taxista ao CEO de empresa, tenha arma, é analisar uma realidade semelhante à dos Estados Unidos. Lá, comprar um revólver é quase tão simples quanto trocar de eletrodoméstico: estima-se que existam quase 400 milhões de armas, uma média de 121 a cada 100 pessoas – mais armas do que gente. Apenas 3% dos civis, no entanto, possuem alguma arma. Ou seja, quem tem, tem muitas, mas relativamente poucos americanos contam com um revólver na gaveta, ou na cinta.

Ainda assim, o exemplo americano permite imaginar como seria um Brasil armado até os dentes. Para começar, o índice de suicídios iria às alturas. Nos EUA, a maioria das mortes por armas de fogo acontece dessa forma – incríveis 64,2% dos 37.200 óbitos em 2016. No Brasil, essa porcentagem é de 4%, ou 1.728 mortes.

Se os mesmos 3% da população do Brasil passasse a andar armada (o que representaria 6 milhões de novas armas em circulação), o total de pessoas que tiram a própria vida todo ano, proporcionalmente, passaria dos 16 mil. É como se sete Boeings 737 lotados caíssem todo mês.

Há de se considerar, também, que o Brasil já encabeça o ranking mundial de homicídios causados por armas de fogo do mundo. Foram 63,8 mil só no ano passado. Boa parte causados por armas ilegais, nas mãos de bandidos. Não há dados recentes sobre o número de armas ilícitas. A última estimativa, feita em 2010 pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm), falava em 7,6 milhões – mais de dez vezes a quantidade de armas registradas.

Só que boa parte desses tiros fatais sai de armas registradas. Dados do Ministério da Justiça, também de 2010, indicavam que 30% das armas apreendidas com criminosos tinham origem legal – ou seja, saíram das mãos da polícia, de militares ou de um civil autorizado. Conclusão: a tendência é que uma sociedade muito armada também tenha uma criminalidade igualmente armada, uma vez que os desvios são comuns. No ano passado, a PF recolheu 135 mil armas nessa situação.

Ainda que nenhuma arma legal jamais acabe na mão de um bandido, a mera existência de mais armas traria outros problemas. Segundo o Ministério Público, o número de crimes por motivos fúteis ultrapassa a casa dos 80% em Estados como São Paulo e Santa Catarina. São classificadas dessa forma as mortes por impulso, que envolvem brigas no trânsito, ciúmes, vingança ou conflito entre vizinhos, por exemplo. Com mais armas, discussões do tipo teriam mais desfechos trágicos.

Mesmo quando não há intenção de atentar contra outra vida, estar armado ainda pode ser um tiro no pé. E, por mais triste que seja, isso não é necessariamente força de expressão. Em 2016, armas defeituosas da Taurus, maior fabricante nacional e que vende revólveres e fuzis em 70 países, já haviam feito pelo menos 55 vítimas só no Brasil.

Entre os problemas mais comuns há, por exemplo, travas que não funcionam e revólveres que disparam sem serem acionados. Imperfeições do tipo, aliás, implicariam também mais casos de familiares feridos por acidentes.

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“Mas o cidadão precisa ter, ao menos, alguma chance de se defender”, argumentam muitos. Afinal, quando o Estado falha, o cidadão deveria poder assumir o direito à própria segurança. Foi esse um dos sintomas da greve de policiais no Espírito Santo, em 2017, que fez triplicar os pedidos de registro por lá.

O fato é que, mesmo que você conheça alguma história de sucesso de alguém que reagiu a um assalto, essa não é a regra. Pelo contrário. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) concluiu que uma pessoa armada corre um risco 56% maior de morrer em comparação a alguém sem arma.

O dado acima vai ao encontro ao analisado por Thomas V. ­Conti, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Entre 2013 e 2017, ele traduziu 48 resumos de pesquisas sobre armamentos para cravar: 90% delas são taxativas ao dizer que um maior número de armas aumenta o número de crimes letais.

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