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A invencível atração da gravidade

Em 1915, Einstein afirmou que não existe lugar algum no espaço onde um corpo possa mover-se em linha reta. Quatro anos depois ficou demonstrado que ele tinha razão – e o mundo nunca mais foi o mesmo.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h37 - Publicado em 30 jun 1989, 22h00

Clifford M. Will

No dia 7 de novembro de 1919, apenas um ano depois da carnificina da Primeira Guerra Mundial, uma auspiciosa notícia tomou o lugar dos fatos militares nas primeiras páginas dos jornais europeus. – “Revolução na ciência”, bradou o mais importante diário da época, o sisudo Times, de Londres, para informar que as idéias tradicionais da Física, vigentes havia dois séculos, tinham sido destronadas pela Teoria do Universo de Albert Einstein. A notícia se referia à primeira comprovação efetiva das equações do cientista alemão — mostrando, como ele previa, que um raio de luz podia ser atraído pela força gravitacional do Sol.
Inconcebível para a ciência de então, o fenômeno, afirmara Einstein, poderia ser facilmente verificado durante um eclipse. Nesse caso, as estrelas presentes no céu durante o dia ficariam visíveis e a luz daquelas que estivessem na direção do Sol seria ligeiramente desviada ao passar perto do astro. Em conseqüência, as estrelas dariam a impressão de estar fora de sua posição costumeira no céu (veja ilustração na página seguinte). Era unia mudança quase imperceptível — o ângulo de desvio, segundo as equações, devia ser 4 mil vezes menor que 1 grau. Mas quando os astrônomos anunciaram que a mudança existia, Einstein foi transformado instantaneamente em celebridade mundial. A notícia chegou ao Brasil com um sabor especial, pois parte das observações haviam sido feitas na cidade de Sobral, no Ceará, por causa da boa visibilidade do eclipse nessa região. Condições semelhantes existiam apenas em outro lugar, na ilha do Príncipe, junto à costa da Guiné, na África, onde se realizaram as demais observações. O feito chamou a atenção dos acadêmicos brasileiros, a ponto de um dos grandes matemáticos da época. Manuel Amoroso Costa, decidir debater a.nova teoria nas páginas do diário carioca O Jornal. Ali, saudou a “vasta síntese” einsteiniana, que considerou “interessante para qualquer pessoa culta”. Escreveu então uma série de artigos tentando explicar a teoria de modo compreensível para o grande público.

Impacto semelhante ocorreu em toda parte, pois o que estava em jogo não era tini simples fenômeno astronômico, igual aqueles previstos regularmente pelos homens de ciência. O que o eclipse estava mostrando, de fato, era uma faceta até então inteiramente desconhecida do Universo, mas que alterava tudo o que se pensava a respeito, no início do século. A situação atual é bem diversa, já que muitas das descobertas teóricas de Einstein acabaram se incorporando ao dia-a-dia das pessoas. As usinas nucleares, os raios laser e os computadores, por exemplo, simplesmente não existiriam se as idéias de Einstein não correspondessem à realidade.

Para evitar qualquer dúvida, os desvios da luz foram medidos inúmeras outras vezes, depois de 1919, mostrando uma aproximação cada vez maior com os números previstos pela teoria. As primeiras medições apresentavam uma diferença de pelo menos 10 por cento com relação aos desvios previstos, mas a discrepância atualmente nem chega a 1 por cento.
Essa precisão se tornou até uma fonte de dores de cabeça para alguns cientistas. É o que acontece com aqueles que estudam o movimento de rotação da Terra. É essencial. nesse caso, observar as estrelas, pois, enquanto a Terra gira, elas é que parecem estar girando. Servem assim de referência para avaliar o giro do planeta. Mas a atração do Sol pode desviar a luz dos astros distantes mesmo quando estes não estejam na sua direção. Se a precisão for alta, os aparelhos que registram a posição fixa das estrelas podem ficar atrapalhados e prejudicar as medidas da rotação da Terra.

O impossível movimento em linha reta

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Mas, então, quando o sinal luminoso sai do primeiro elevador, este está um pouco abaixo do segundo. Conseqüentemente, o raio atinge a parede do segundo elevador num ponto mais baixo do que o registrado no primeiro caso. Assim, quando se passa para a etapa seguinte, comparando a trajetória da luz nos dois elevadores, se vê que o raio se inclinou um pouco. Ao longo de muitos elevadores, de fato, essa inclinação ficaria cada vez mais nítida, denunciando a ação da força gravitacional.
Foi com essa conclusão em mente que Einstein, em 1915, previu a mudança de posição das estrelas, medida quatro anos mais tarde. A partir, daí, ele começaria o seu trabalho sobre a curvatura do espaço e do tempo’ ‘ . Embora inesperada e entranha, essa idéia realmente não é complicada da quando se atenta bem para o que quer dizer. Assim, a afirmação de que o espaço é curvo significa apenas que os corpos físicos não podem se mover em linha reta, mesmo quando estejam se deslocando no vazio. Visto dessa forma, o assunto muda de figura, pois se transforma numa investigação prática — cuja resposta, aliás, foi dada pela deflexão – (desvio) da luz.

O único espaço que conta é o que se pode medir

O fato é que o raio luminoso tende a seguir uma linha reta, mas é obrigado a se curvar pela ação da gravidade. Então, como o Universo contém bilhões de estrelas, todas elas dotadas de força gravitacional, logo se percebe que não há nenhum lugar do espaço onde um corpo possa mover-se em linha reta. Na verdade, muito do espanto corri relação às idéias de Einstein advinha de puro mau costume: antes dele, de fato, ninguém tinha tido a simples iniciativa de verificar qual a trajetória mais curta que um corpo poderia percorrer. Ninguém punha em dúvida que ,essa trajetória era uma linha reta,pois na geometria tradicional é assim que acontece.
Para Einstein, no entanto, o único espaço que interessava era o real — o que se pode medir com réguas. Mas nesse espaço, para surpresa geral, as réguas são curvas . A régua mais próxima de uma reta que existe é um raio luminoso, que por isso tem enorme importância na Física moderna.
Por isso, também. Einstein precisou modificar profundamente o conceito que se tinha da luz no início do século. Um de seus objetivos foi justamente mostrar que a luz tinha massa, como os outros corpos materiais. Novamente, a própria deflexão do sinal luminoso revela que ele possui massa, pois é sobre a massa dos corpos que a gravidade exerce sua força. Esse resultado foi uma inovação, porque a luz é formada de energia pura — e no início do século não se entendia como a energia poderia ter massa.
O problema pode ser ilustrado por meio do calor. Quando um metal é aquecido, isso significa que as suas moléculas estão vibrando mais rapidamente. Isto é, a única propriedade que o aquecimento acrescenta ao metal é movimento. Nada parecido, portanto, com um corpo dotado de massa. Não obstante, a verdade é que o metal se torna mais pesado depois de aquecido, sugerindo que a energia, afinal, possui massa (ilustração). Nesse c4so, é preciso deixar de lado a idéia de que a massa é alguma espécie de substância: importante é lembrar que. quanto maior a massa de um corpo, mais difícil se torna empurrá-lo. A partir daí, basta usar a intuição para suspeitar que é mais fácil empurrar um corpo imóvel do que outro que esteja vibrando intensamente.

E por esse motivo que o metal se torna mais pesado depois de absorver a energia do calor. Naturalmente, o efeito é muito pequeno, mas Einstein fez questão de calculá-lo em um de seus livros populares, A evolução da Física. Nele, o físico avalia que o calor capaz de converter 30 mil litros de água em vapor pesaria apenas 1 grama. Desse raciocínio, afinal, nasceu a celebérrima fórmula E = mel: a energia E de uma massa m é igual a essa massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz (c). Essa fórmula diz que, se 1 grama de matéria for transformado em energia, o calor resultante será suficiente para vaporizar 30 mil toneladas de água. Vê-se então que, quando Einstein descobriu como calcular a massa da energia, aprendeu também a converter energia em matéria e vice-versa. É curioso verificar que modernamente os melhores testes de deflexão da luz são feitos com a ajuda de corpos celestes que nem se imaginavam na época de Einstein, mas que só podem ser explicados por meio das suas equações. São os quasares.

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Aos milhares, os astros despencam no abismo

O seu nome vem da expressão “quase estrelas”, porque brilham co¬mo um único ponto no céu, mas emitem mais energia do que uma ga¬láxia inteira com 200 bilhões de es¬trelas. A conclusão, desse modo, éque os quasares devem ser galáxias muito jovens, em cujo centro com¬pacto o Universo curvou-se até o in¬finito, criando um buraco negro: um furo no espaço-tempo. Por esse abismo, milhares de astros despencam todos os anos e sua material esmagada é transformada em energia pura. Os quasares são particularmente importantes pelas ondas de rádio que emitem, pois os telescópios podem medir a sua deflexão gravitacional com elevada precisão. Por sorte, dois dos quasares mais brilhantes do céu estão próximos um do outro e, ainda melhor, colocam-se bem na. direção do Sol, durante uma parte do ano (ilustração). Um deles, catalogado como 3C 273, foi o primeiro objeto desse tipo identificado, nos idos de 1963. No dia 8 de outubro de cada ano, ele passa a apenas 9 graus do Sol, enquanto o seu companheiro, o 3C 279, chega a ser, inteiramente ocultado pelo astro. Assim, durante um período de dez dias, aqueles dois corpos proporcionam um belo espe¬táculo de desvio gravitacional da luz ou, no caso, de desvio das ondas de rádio, o que dá na mesma.

Sua confiança na teoria era absoluta

Inicialmente, eles aparecem próximos um do outro no céu. Mas, como o JC 279 chega primeiro às vizinhanças do Sol, seu sinal de rádio é mais fortemente atraído pela gravidade e assim a distância entre os quasares aumenta. Mais tarde. quanndo o par torna a se afastar do Sol, o àngulo entre os dois volta ao valor padrào. A grande vantagem desssa observaçào é que pode ser repetida todos os anos, pois as ondas de rádio não precisam da escuridão dos eclipses para se tornar “visíveis” durante o dia. Assim. as medidas foram cuidadosamente analisadas desde 1969. produzindo resultados cada vez mais precisos. Enfim, em 1975, se chegou à precisão maxima de 1 por cento com relação às previões da teoria.

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Mas, em 1979, a história de deflexão da luz tomou um rumo ainda mais curioso.Foi quando se descobriu o primeiro quasar “duplo”: dois pontos emitindo idênticos sinais de radio, mas separados por um pequeno ângulo no céu- numa distància angular seiscentas vezes menor que 1 grau. Desconfiados da semelhança dos dois corpos.os astrônomos propuseram. uma explicação aparentemente fantasiosa para o fenômeno: tratava-se. de fato. de um único quasar escondido atrás de uma galáxia. Segundo essa interpretação. os sinais recebidos na Terra eram emitidos em direções diferentes e tendiam a passar de um lado e do outro nas vizinhanças da galáxia. Mas então eram desviados pela gravidade desta última na direção do planeta.
No final das contas. dois feixes de rádio. um de cada lado da galáxia. acabavam sendo captados pelos radiotelescópios. dando a idéia de quasares gêmeos. Posteriormente, foi possível observar uma pálida galáxia situada entre eles, fortalecendo a hipótese. Hoje. Há pelo menos seis outros casos de imagens duplas por efeito da gravidade. Evidentemente se caminhou muito desde o longínquo ano de 1919. mas. como se vê. a teoria de Einstein parece ainda capaz de revelar fatos ,surpreendentes sobre o Universo. A medida que a tecnologia avança. ampliando o poder de observação dos cientistas. se torna também mais clara a imensa riqueza daquelas idéias básicas elahoradas no início do século.

Um exemplo é a análise teÓrica que prevê a existência das cordas cós¬micas – contorções do espaço-tem¬po. criadas nos primeiros e violentos instantes da vida do Universo e que tomam a forma de extensos e finíssi¬mos fios dotados de imensa força gravitacional (SI n.” 9, ano 2). Se exis¬tem realmente, essas entidades po¬dem acabar denunciandas por provor exagerados desvios na luz. Possibilidades como essa explicam a confiança de Einstein na sua teoria, mesmo quando aidna não tinha sido testada ela parecia elegante demais para não ser verdadeira. Assim, quando os testes de 1919 terminaram, uma aluna do cientista lhe perguntou como ele se sentiria se o resultado tivesse diso negative. “Eu sentiria pena do Criador”, respondeu Einstein, com fino senso de humor. “Porque a teoria com certeza, está correta.”

No eclipse a prova

O desvio da luz de uma estrela pela gravidade solar pode ser verificado durante um eclipse. Nesse caso, a estrela se torna visível de dia, quando está na mesma direção que o Sol no céu. Então, sua luz passa próximo do astro e é mais fortemente desviada. Seis meses mais tarde, a Terra muda de posição em sua órbita e a estrela começa a aparecer no céu à noite.

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O raio passeia de elevador

Dois elevadores, lançados um após o outro da superfície do Sol, numa experiência imaginária, são atravessados por um raio de luz no momento exato em que cada um deles chega ao ápice da sua ascensão . Dentro do elevador, o raio percorre uma reta, mas é arrastado pelo movimento de queda . Assim, entra no segundo elevador um pouco abaixo do ponto em que havia entrado no primeiro. No desenho seguinte, com três elevadores, a trajetória completa do raio é inclinada na direção do Sol, denunciando o efeito da gravidade sobre a luz. A observação desse efeito, em 1919, foi a primeira prova convincente da Teoria da Relatividade de Einstein.

Assim, os cientistas têm de corrigir pacientemente a posição dos seus marcos de referencia antes de iniciar o trabalho especifico, a medida da rotação. A ilustração mostra como foi possível chegar a esse resultado muito antes que pudesse ser observado. Para isso, é preciso recorrer a uma experiência imaginária que emprega uma série de elevadores, lançados um após o outro da superfície do Sol, de modo que cada um seja atravessado por um raio de luz no exato momento em que chega ao ponto culminante da sua ascensão e começa a descer.

Deve-se ter em mente o fato essencial de que o raio de luz não sofre a ação da gravidade enquanto viaja no interior de cada elevador (SI n.º7 ano 3). A razão é a mesma que faz um astronauta perto da Terra flutuar sem peso dentro de uma nave espacial. É claro que tanto a nave como o astronauta estão sofrendo atração gravitacional. Mas, como ela age da mesma maneira sobre ambos, o homem não tem peso dentro do veículo. Esse fato vale também para o caso da luz em duas etapas. Inicialmente, observa-se que o raio entra no primeiro elevador em um ponto no alto da sua parede e descreve uma reta, sem sofrer a ação da gravidade.

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É claro que durante a travessia o elevador começa a descer, mas uma pessoa no seu interior não poderia saber disso, pois também não sofreria a ação da gravidade.

O sol distancia os quasares

Todos os anos, à medida que a Terra muda de posição em sua órbita,os dois quasares mais brilhantes existentes, denominados 3C 273e 3C 279, começam a aparecer no céu bem próximos do Sol. A radiação emitida pelo quasar 3C 279 passa mais perto do Sole assim é mais fortemente atraída por sua gravidade. Isso faz com que as Imagens dos quasares se distanciem.

Artur Beltrame Ribeiro é livre-docente em Medicina da Escola Paulista de Medicina

Para saber mais: SuperMundo

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